2.23.2012

MANCO INCA - JOGO DE MORTE EM VILCABAMBA (IMPÉRIO INCA)

                                         (vista interior do Palácio de Sayre Topa)




"Este fim teve Manco Inga Yupanqui, filho de Huaina Capac, senhor universal deste reino,
 tendo, desde que deixou Cuzco, pelas humilhações e tirania de Hernando Pizarro e seus homens, passado inúmeros trabalhos e desventuras de um lado e de outro, seguido e perseguido pelos espanhóis, dos quais, vencido e vencendo, escapou milhões de vezes, tudo para preservar a sua liberdade, e o que, tantas vezes, o marquês Pizarro e seus irmãos, e outros capitães, não puderam fazer, com tantos soldados e índios amigos, acabou e concluiu Diego Mendez, mestiço a quem, e a seus comparsas, Manco Inga havia recolhido e protegido e feito o bem em sua casa, para que se veja até onde chega uma traição. "(Murúa)

Recorri a Frei Martin de Murúa para entrar em uma época da História em que grandes embates dilaceravam os Andes; um eterno pôr de sol vermelho-sangue a refletir na terra molhada de rasgos ensanguentados, como rastros.
Naquele momento, muitas lutas aconteciam como resultado da morte de Don Diego de Almagro. Determinados a vingar sua morte, o Capitão Joan de Herrada e outros amigos, conspiraram, na Ciudad de los Reyes (1), levando consigo o filho de Almagro, que tinha o mesmo nome do pai.

Conjuraram-se e foram para a casa onde vivia o Marquês Don Francisco Pizarro, matando-o e ao Capitão Francisco de Chaves, levando o corpo do Marquês e arrastando-o pela praça. Muitas pessoas juntaram-se a eles, naquele momento, todas aquelas que antes haviam seguido Don Diego de Almagro, tomando seu filho como líder. 
Quando Vaca de Castro chegou, enviado pelo Rei de Espanha, reuniu aos que eram leais ao serviço de seu rei, enfrentando Don Diego de Almagro, o moço, em Chupas, a duas léguas de Guamanga. Alí, então, lutaram e foi desbaratado Don Diego de Almagro, que  fugiu para Cuzco, onde foi preso, e teve a cabeça cortada por ordem de Vaca de Castro.

Da batalha de Chupas, quando foi desbaratado Don Diego de Almagro, o moço, fugiram Diego Mendez, o mestiço, Barba Briceño e Escalante e outros soldados, no total treze companheiros. Fugiram pelas montanhas até Vilcabamba, onde estava Manco Inca, que os recebeu muito bem. Disseram-lhe que  muitos espanhóis viriam servi-lo e que, com eles, tornaria a recuperar sua terra e venceria, arrancando os espanhóis que estavam nela. Disseram isso a Manco Inca, temendo que os mandasse matar e para lisonjeá-lo e obter sua gratidão. Quanto a Manco, ele lhes dispensou um ótimo tratamento em tudo, sem a intenção de prejudicá-los, o que os fez perder o medo.

"Passados alguns dias, Manco Ynga soube, através dos espiões que tinha, em Cuzco e em outros lugares, como um curaca chamado Sitiel, caçoando de Manco Ynga, na presença de muitos cristãos, disse a Caruarayco, chefe de Cotomarca: vamos prender Manco Ynga em Vilcabamba e Caruarayco será Ynga e Senhor, e todos nós o obedeceremos e Manco Ynga o servirá e conduzirá a tiana, que é o assento onde os chefes e principais se assentam. "(Murúa)

Ao saber disso, Manco sentiu-se muito magoado e imaginou como vingar-se daquela insolência que Sitiel fizera, tomando como grande afronta o atrevimento de seu súdito ao dizer tal coisa. Disse a Diego Mendez, e aos demais, que fossem prender àquelas pessoas e eles disseram que sim, oferecendo-se com grande disposição para fazê-lo. De acordo com Murúa, Manco Inca mudou de ideia porque pensou que eles estavam muito cansados ​​de tudo o que lhes acontecera e decidiu enviar seus próprios homens, os mais corajosos, todos os capitães que estavam com ele e todos os seus próprios capitães, ficando com, apenas, quinhentos para sua guarda pessoal. Ordenou-lhes que fossem com toda a pressa, agindo na surpresa, e tentassem trazer vivos Sitiel e Caruarayco. Desse modo, partiram os incas para cumprir sua ordem, prontamente.

"Ninguém há de negar quão feio e abominável vício seja o da ingratidão, porque fazer o bem a quem me fez mal é obra de cristão... "(Murúa)


Diego Mendez Barba e seus companheiros só  escaparam com vida porque foram acolhidos e amparados por Manco Inca que, em vez de tratá-los como inimigos, dos quais tantos prejuízos havia recebido, acolheu-os e deu a eles de comer e beber, e os manteve em sua companhia, fazendo-lhes todo o bem possível.

Manco Inca, após ter enviado seus capitães e sua gente, manteve os espanhóis junto de si. Com um excelente  tratamento e cortesia, em sua presença, mandava que se colocasse a mesa e lhes dessem de comer e beber, abundantemente, obsequiando-os, como se estivessem em casa.
"Já os espanhóis parece que estavam enfadados de tantos presentes e fartos de estarem ali, e quiseram voltar a Cuzco, aqui fora, e não sabiam como fazê-lo com segurança, para que a eles não prendesse Vaca de Castro, e combinaram, entre si, uma enorme traição. "(Murúa)

Conspiraram para matar Manco Inca e, matando-o, pudessem fugir incólumes,  pensando que, por aquele serviço tão notório, Vaca de Castro iria perdoá-los e fazer-lhes concessões porque, dessa forma, a terra seria pacificada. Diego Mendez decidiu matá-lo quando a  ocasião se apresentasse, antes que as pessoas que tinham ido prender Sitiel e Caruarayco voltassem, porque depois disso seria mais difícil, pois eram muitos os que estavam com Manco. Assim, buscaram a oportunidade para executar sua intenção infeliz.


A Murúa (2) a tarefa de dizer como tudo aconteceu... 

"Certo dia jogavam boliche (3) Manco Ynga y Diego Méndez e, no jogo, Diego Méndez ganhou certa prata de Manco Ynga, que logo foi paga e, tendo jogado por algum tempo, disse que não queria jogar mais, que estava cansado, e mandou que trouxessem um lanche, e quando o trouxeram, Manco Inga disse a Diego Méndez e aos outros: vamos comer, e eles responderam que sim, e se sentaram com muita alegria, e comeram o que haviam trazido, ali, com o Ynga, o qual andava receoso dos espanhóis, porque os via andar cautelosos e portar armas, secretamente. Assim, teve um mal pressentimento de que lhe quisessem fazer alguma traição, pois estava com pouca companhia e, quando acabaram de comer, disse-lhes que fossem repousar, que ele queria se divertir com seus índios um pouco, e eles lhe disseram que logo iriam, e começaram os espanhóis a zombar uns dos outros, com palavras, brincando, para fazer Manco Ynga rir, porque ele gostava quando eles se divertiam. Com isso, foram se entretendo, por algum tempo, até que Manco Ynga, tendo bebido, levantou-se para dar bebida a seu guarda, porque é uso entre eles fazer essa honra a quem gostam muito e deu-lhe de beber. Estando parado, pois tinha lhe dado um copo para que bebesse, voltou-se para tomar outro copo, que segurava uma índia sua, atrás dele, para que Manco Ynga bebesse. Nisso, Diego Méndez, que estava alerta para aproveitar o momento que se lhe oferecesse, como o viu virar as costas para eles, arremeteu-se contra ele com grande fúria e, com uma adaga, deu-lhe uma punhalada por trás, e Manco Ynga caiu no chão, e logo Diego Méndez deu-lhe outras duas, e os índios que ali estavam, todos desarmados, perturbados pelo inesperado, lançaram-se para ajudar Manco Ynga e defendê-lo, para que não o ferissem mais, e os outros espanhóis pegaram suas espadas e se lançaram, também, para livrar Diego Méndez e, apressadamente, correram aos seus alojamentos e selaram seus cavalos, e pegaram seus utensílios, que ali mantinham, carregando tudo o que possuíam, como a pressa o permitiu, tomando o caminho de Cuzco, sem parar em parte alguma, e toda aquela noite caminharam, sem dormir, e como era montanha, não acertaram bem o caminho e andaram desorientados de uma parte a outra, perdidos,  e assim se detiveram."

Em seguida, enviaram mensagem aos capitães e a gente de Manco Inca, que tinham ido prender Caruarayco e Sitiel, dizendo-lhes que Diego Méndez e os outros espanhóis haviam apunhalado o Inca, fugindo para Cuzco; que deixassem tudo e voltassem para capturar os espanhóis antes que escapassem. Os que foram dizer isso toparam com eles no caminho, que já vinham voltando, trazendo prisioneiros, Caruarayco e Sitiel. Os capitães e os outros, de cento em cento, os mais valentes e ligeiros se adiantaram, velozmente, e chegaram até onde estava Manco Inca, mortalmente ferido, que ainda não estava morto, e como viram, assim, a seu senhor, com desejo de vingá-lo, deram a volta por onde sabiam que os espanhóis haviam seguido, e no outro dia os alcançaram. Eles haviam entrado em um grande galpão que existia no caminho e estavam descansando, pensando que estavam seguros e a salvo.
Os espanhóis estavam abrigados, mantendo consigo seus cavalos, lá dentro, e os homens de Manco, por não querer atacá-los logo, para que, com o dia, não escapasse nenhum, esconderam-se no monte até que fosse noite fechada. Juntando bastante lenha foram até o galpão e o cercaram e puseram a lenha nas portas para que não pudessem sair e, com palha, atearam fogo. Os espanhóis se levantaram com o barulho e alguns quiseram sair, irrompendo em meio ao fogo, mas foram alvejados e, ali, com seus cavalos, foram queimados. 
Então, os homens de Manco voltaram para Vitcos. 

Murúa conta que, quando soube que todos os espanhóis já estavam mortos, o Inca ficou muito satisfeito, e disse-lhes para não chorar por ele, para que as pessoas da terra não se inquietassem e fizessem um levante, e nomeou por herdeiro a um filho seu, o mais velho, ainda que pequeno, chamado Sayre Topa. E que, enquanto não tivesse idade para reger, os governasse Ato Supa, um capitão "orejón" do Cuzco que estava alí e que era homem de valor, de muita prudência e ânimo para a guerra. Disse-lhes que o obedecessem e que não desamparassem Vilcabamba, porque aquela terra a havia encontrado e fundado com tanto trabalho e suor, que para conquistá-la tantos haviam morrido, defendendo-a com valor.
Assim morreu Manco Inca Yupanqui, filho de Huayna  Capac, e embalsamaram seu corpo segundo seu costume, sem chorar nem dar mostras de tristeza, pelo que ele havia mandado, levando-o a Vilcabamba.

Nas palavras de Titu Cusi Yupanqui, filho de Manco Inca, que também quase foi morto naquele fatídico dia  de traição e morte...

"Depois de haver deixado de fazer guerra, estando quieto com a miséria que acontecia em Viticos, chegaram a deixar entrar sete homens que se encontraram com Gonzalo Pizarro contra o serviço do Rei, e tratava-os muito bem, obsequiando-os muito, e por ganância dessa miséria que no presente eu tenho, se amotinaram e fizeram conspiração, e o mataram traiçoeiramente, e, em mim, deram-me um golpe de lança, e se eu não me deixasse cair alguns penhascos abaixo, também teriam me matado, e depois tivemos paz por alguns dias, onde os índios de Tambo, Amaybamba e Guarocondo levaram de Viticos muitos índios, e por causa disso nós guerreamos com eles." (carta-memoria del Inca Titu Cusi Yupanqui, in Matienzo)

No testemunho de Titu Cusi Yupanqui Inca, filho de Manco Inca, 8 de julho de 1567. (5)

"E disse que pelos maus tratos que fizeram os cristãos a seu pai na época que chegaram à cidade de Cuzco os primeiros conquistadores, como foi Juan Pizarro, que prendeu a seu pai -- que era, então, obedecido como senhor temporal em toda a terra -- sob o pretexto que ele queria rebelar-se com todos os índios do reino, e pediu-lhe por resgate uma cabana* cheia de ouro e prata, e, sendo mentira, para redimir a humilhação, deu-lhe muitas cargas de ouro e prata, e com isso redimiu a humilhação. E então veio Gonzalo Pizarro por corregedor e o levou para a prisão que ele queria rebelar-se de novo, e pediu-lhe outra cabana cheia de ouro e prata e colocou-lhe uma corrente em torno de seu pescoço, e assim o levava pela cidade de Cusco diante de seus súditos, mulheres e filhos, com muitos insultos, e não tendo    [Mango Inga] o que dar para resgatar a humilhação, Hernando Pizarro chegou à cidade de Cuzco como corregedor e ordenou a libertação de seu pai, e depois de soltá-lo pedia-lhe um monte de ouro e prata, dizendo que era por tê-lo solto; e não tendo com que voltar a subornar ao dito Hernando Pizarro e temendo que o mandasse de volta para a cadeia e o molestasse, mandou chamar a todos os capitães e chefes do reino e depois de ter falado com eles se levantou contra o serviço de Sua Majestade na fortaleza de Cuzco, e cada um dos chefes em suas terras. E assim eles mataram muitos cristãos. "(Titu Cusi Yupanqui) (6)

A narração de Titu Cusi Yupanqui sobre tudo o que aconteceu com seu pai, Manco Inca, e com ele mesmo, naqueles fatídicos dias, nos quais os espanhóis "comiam ouro", é a nota triste, perpetuada pelas flautas, que contam, com os sons das montanhas, a tragédia dos Incas - aqueles que, de tão esquecidos, começam a ser considerados uma lenda. As palavras de Tito nos aproximam da verdade e da realidade de tudo o que aconteceu, e isso dói como as punhaladas no corpo do Inca. Não bastava a destruição, era necessário que o Sol fosse extinto.


"E em Pucará, em um alcance que lhe deram, tomaram uma irmã e esposa de seu pai, chamada Coya * Cura Ocllo, a qual levaram a Tambo e alí atiraram nela. E por isso lutou com os espanhóis e matou muitos deles. Depois, retirou-se para a província de Vilcabamba onde, agora, tem o seu lugar principal assento o citado Inca  Titu Cusi Yupanqui. E que, depois, estando ali seu pai retirado, vieram seis espanhóis fugindo do Peru por terem se levantado com Don Diego de Almagro contra o serviço de Sua Majestade, e tendo lhes feito um tratamento muito bom, trataram de matá-lo traiçoeiramente, e assim deram-lhe dezoito golpes com espadas e facões e facas e tesouras; e ao citado Inca Titu Cusi Yupanqui, sendo um menino, lhe deram um golpe de lança nas costelas, e se não se deixasse cair por uns penhascos abaixo, também seria morto. Assim, morreu seu pai dos ferimentos que lhe deram, e os capitães mataram os espanhóis como dito anteriormente, e que por esses agravantes rebelou -se seu pai contra a obediência e domínio real de Sua Majestade. "(Titu Cusi Yupanqui)

"Na época em que os cristãos entraram nessa terra foi preso meu pai, Mango Inca, sob pretexto e acusação de que queria levantar-se com o reino, após a morte de Atagualipa (7), apenas a fim de que lhes desse uma cabana cheia de ouro e prata. Em prisão lhe fizeram um monte de maus tratos, tanto físicos como em forma de palavras, colocando uma coleira  em seu pescoço, como a um cão, carregando-lhe, de ferro, os pés, e trazendo-o pela coleira de lá para cá, entre seus súditos, interrogando-o a cada hora, mantendo-o na prisão mais de um mês, de onde, pelos maus tratos que, a ele, seus filhos e gente e mulheres, faziam, libertou-se da prisão e veio para Tambo, onde fez confederação com todos os chefes e principais de sua terra ". (8)


"...Foi preso meu pai Mango Inga...
 ... colocando-lhe uma coleira no pescoço, como um cão, e carregando-lhe, de ferro, os pés, e trazendo-o pela coleira, pará lá e pará cá, entre seus súditos... "

1) Lima. 
(2) Fernando Montesinos, em Anales del Peru, conta uma outra versão da historia... 

"... No ano de 1542 como da batalha de Chupas saíram fugindo oito pessoas, e entraram nos Andes. Um deles era Diego Méndez, irmão do Mestre de Campo Rodrigo  Orgófies. Estes estiveram em companhia do Inga Mango em seu retiro até este momento. Havia mandado que fizessem umas argolas para que jogassem e entretinham-se com isso e a ensinar o Inga como (fazer) correr um cavalo e disparar um arcabúz. Como souberam que Gonzalo Pigarro ia contra o Vice-Rei escreveram a Antonio de Toro que conseguisse dele o perdão para sair de lá, e que o ajudariam no que fosse preciso. Respondeu-lhes, a Diego Mendez e Gomez Pérez, que matassem o Inca, que não só os perdoaria, mas que devolveria a Diego Méndez o Repartimiento de Asángaro que tinha antes. Pedia isso o Antonio de Toro, porque nos Andes tinha uma fazenda de coca que lhe dava cada mita mil pesos, eram três mitas e valiam mais de dez mil pesos por ano, e com a inquietação de Mango estava tudo suspenso e não se fazia nada, e pareceu-lhe que com a morte do Inga tudo voltaria a ser (como antes). Discutem o caso os oito soldados; pareceu-lhes bem a promessa; leram a carta diante de uma negra de Diego Méndez; esta avisou a um "orejón" com quem tratava, este, ao Inca, por três vezes, e não lhe deu crédito parecendo-lhe que a ingratidão não havia de vencer ao bom respeito e fiel amizade. Os castelhanos, vendo que em tanto tempo não havia esperança de que o Inga se convertesse e que a oportunidade de sair daquela solidão era boa, determinaram-se a matar o Inga. Armaram um jogo de argolas (4) na época em que havia enviado sua gente a campear e só ficaram com ele duzentos índios flecheiros dos Andes. Simularam uma diferença de qual argola estava mais perto; o Inga, como fizera outras vezes, aproximou-se do jogo, abaixou-se para medir as argolas; ao baixar-se, puxaram as adagas dos borzeguíns (#) e deram ao gentil muitas punhaladas. Foram depressa até os cavalos do Inga para ir embora, e fugiriam, se um deles, chamado Barba, não tivesse ido até uns jarros de ouro que tinha uma índia amiga do Inga: esta gritou, vendo o trágico acontecimento; acudiram os índios Andes e flecharam e mataram aos oito soldados, tiraram-lhes as cabeças, colocaram-nas junto ao Inga que ainda não havia expirado; em em três dias que viveu, nomeou por seu herdeiro no Império ao filho que tivesse sua mulher e irmã Inio CoUo, e se fosse menina, nomeava como Inga a Saire Topa, seu filho. " (Framentó Instórico. Capitulo 141,) 

3) "Bolos" se refere a um jogo que consiste em derrubar, por parte de cada jogador, o maior número possível de "bolos" ou "pinos" lançando uma bola ou peça, geralmente de madeira. 

(4) herrón (herrones) - Antigo jogo que consistia em enfiar, em um prego fincado no solo, uns discos de ferro com um furo no centro.

(5) O Inca, Titu Cusi Yupanqui, filho de Manco Inca, assinou em 26 de agosto de 1566 a "capitulação de Acobamba" tratado de paz que estipulou a "vassalagem" de Titu Cusi e instalação de um corregedor em Vilcabamba: Diego Rodriguez de Figueroa. Para apreciar ante o Rei da Espanha os direitos de sucessão de Titu Cusi Yupanqui e seus descendentes, Diego Rodriguez procedeu, em 08 de julho de 1567, a recolher "informação" com os testemunhos do Inca e alguns de seus dignitários e pessoas próximas.
(6) (CAPA INGA TITO CUXI YUPANGUI DOC. 52) 

(7) Atahualpa


(9) (Carta-Memoria del Inca Titu Cusi Yupanqui al Lic. Matienzo, junio de 1565).



BIBLIOGRAFIA

1) Fray Martín de Murúa, Historia General del Peru.
2) Fernando Montesinos, Anales del Peru.
3) Juan de Matienzo, Gobierno del Peru.
4) Juegos infantiles tradicionales en el Perú. Emilia Romero. Folklore Americano, Lima; Perú.

Para os textos originais em espanhol leia aqui mesmo, no blog:  http://princesinhadisol.blogspot.com.br/2011/07/manco-inca-juego-de-muerte-en.html



                                                   



2.22.2012

TELA DE AMOR E MORTE EM PUCARA (IMPÉRIO INCA)






Havia umas flores, nos Andes, chamadas panti (1) que, resistentes, semeavam a si mesmas, suas sementes germinando ao cair na terra. Crescíam bem, mesmo em solos pobres ou quando em áreas mais secas, florescendo a pleno sol, embora tolerassem as sombras. Resistentes a épocas mais áridas, às pragas ou doenças, suas flores atraíam pássaros e borboletas de todas as cores; cobrindo as planícies e as alturas com uma cor vermelho-sangue. Dizem que está extinta em seu ambiente natural mas, espero que possa renascer e, até mesmo, por algum milagre da natureza, nos guiar em meio à destruição de seu habitat, por entre as ruínas de um Império que eu já não sei mais onde buscar.

A planta herbácea, perene, atingia até sessenta centímetros de altura, suas folhas verdes, longas, compostas de folíolos, marcavam as flores que se produziam em um capítulo de cor vermelho escuro. O anel de flores exteriores, assimétricas, com aspecto de pétalas, formado por um simples círculo de flores, em geral oito, despertava uma fragrância suave de baunilha, especialmente no período da tarde e no quente verão. A floração era abundante, de junho a outubro, pelos caminhos, encostas e vertentes, mas quando cortaram as flores mortas, as extinguiram, como extinto foi o sangue Inca, ao ser derramado, cobrindo os Andes.

De acordo com o Testemunho do dia 8 de julho de 1567, do Inca Titu Cusi Yupanqui, quando os primeiros conquistadores chegaram à cidade de Cuzco, Juan Pizarro prendeu seu pai, Manco Inca, sob o pretexto que ele queria rebelar-se com todos os índios do reino e, por resgate, exigiu uma cabana cheia de ouro e prata. Mesmo sendo mentira, para redimir-se da humilhação, Manco Inca deu-lhe muitas cargas desses minerais.

Então veio Gonzalo Pizarro como corregedor e mandou-o para a prisão, sob o pretexto que ele queria se levantar de novo, e pediu outra cabana cheia de ouro e prata e colocou uma corrente em torno de seu pescoço, e levou-o por toda a cidade de Cuzco diante de seus súditos, esposas e filhos, com muita ignomínia. E quando  Manco Inca não tinha mais nada para redimir-se da humilhação, chegou à cidade de Cuzco Hernando Pizarro como corregedor e ordenou que ele fosse solto e depois de soltá-lo, pedia-lhe muito ouro e prata dizendo que era porque o havia libertado. Não tendo com que subornar Hernando Pizarro e temendo que o mandassem de novo para a prisão e o perturbassem, chamou a todos os capitães e chefes do reino e levantou-se contra o domínio espanhol na fortaleza de Cuzco; cada um dos chefes, em suas terras, rebelaram-se com ele. E, assim, mataram muitos cristãos. E, em Pucara, quando o alcançaram, lhe tomaram a uma irmã e mulher chamada Coya Cura Ocllo, e a levaram a Tambo e, alí, atiraram nela. Manco Inca, então, com maior revolta, lutou com os espanhóis e matou muitos deles.

Pucara (2), que significa "fortaleza vermelha", agora é apenas uma ruína Inca, perto da estrada que vai de Cusco ao Antisuyo (selva amazônica).
Pucara, que está muito perto de Tambomachay, outra ruína na área, era um posto de controle militar - o complexo dispõe de armazéns, casas, fontes e aquedutos.
A "Fortaleza Vermelha", com seus muros de cor avermelhada, tomou este nome a partir da cor das pedras, especialmente ao entardecer quando, sob as luzes do crepúsculo, a rocha é muito vermelha.

Hoje, as ruínas conservam os restos do que um dia foram torres de vigilância e muralhas, características de um sítio militar com praças, escadarias e aquedutos. A proximidade de Tambomachay também é importante porque, ao que parece, em tempos ainda mais antigos, o governante Inca costumava visitar, regularmente, os banhos de Tambomachay, toda vez que seu exército e funcionários se alojavam em Pucara.
A nove quilômetros da cidade de Cuzco, facilmente acessível, o trajeto que, de automóvel, dura de quinze a vinte minutos em média, também pode ser feito a pé em umas duas horas. Hoje não é considerado um lugar muito importante, não é encontrado em muitos mapas da região, por isso poucas pessoas chegam a visitá-lo.


Voltando um pouco atrás no tempo...


Como em uma pintura a óleo sobre tela, as ruínas parecem, ainda, brilhar ao sol de um passado distante, quando Manco Inca ansiava por liberdade, tentando, desesperadamente, retomar o caminho da história até as tardes tranquilas de sua infância. Imagino seus olhos cheios de lágrimas represadas, como tempestade que ameaça sem cair, pensando em sua esposa morta, tentando olhar, apenas, para as planícies e encostas vermelhas de "Panti Pampa"(3).

Consideremos o que acontecia, naquela época, nas palavras de Murúa. Antes e depois da batalha de Salinas, os índios que estavam em Cuzco e em seus arredores, não faziam idéia de onde estava Manco Inca. Desse modo, iriam reconhecer Paulo Topa como filho de Huayna Capac, o que significava colocá-lo como Inca (Paulo não era filho da esposa principal de Huayna Capac como seria necessário para ser alçado como Inca). Os espanhóis vizinhos e os "encomenderos"(*) deles, querendo evitar incovenientes que poderiam acontecer caso eles se acostumassem com ele, e para que Paulo Topa não se sentisse cheio de soberba, ordenaram que ninguém deveria ir à sua casa, apenas seus servos. Assim, a partir de então, os índios não se dirigiam mais à casa dele, nem o reverenciavam, pelo que, finalmente, entenderam os espanhóis que, desta forma, tirariam dele a oportunidade de se rebelar, como seu irmão."

Esta era a situação em Cuzco, enquanto nas montanhas...

"Manco Ynga, naquele momento, não descansava, antes andava causando muitos males e roubos, destruindo tudo o que podia, e como as novas chegassem aos espanhóis, querendo acabar de uma vez com o que inquietava a terra, saíram de onde estavam e lutaram bravamente, matando muitos índios, e o desbarataram e feriram até a província de Vitcos, em Vilcabamba, e foram atrás dele até lá. "


"Paulo Topa os seguiu,

e um dia o tiveram tão apertado que lhe tomaram o andor que o levava e a tiana - que é o assento onde se sentava-, e ele escapou nas montanhas, onde se escondeu com muitos índios, e outros, que não puderam segui-lo, não tiveram vontade de andar, já cansados, vieram a Cuzco, e dalí cada um foi para suas terras, e os espanhóis, como viram que Manco Inca tinha escapado de suas mãos, voltaram para Cuzco, e Manco Ynga se foi à sua Guamanga com o povo que restara, e lá praticava todos os males que podia. "


Jimenez de la Espada descreve a "Guamanga de Manco Inca" em seu livro, Relaciones Geograficas de Indias, como "terra cheia de curvas e cavernas: nas alturas é terra fria, nua, seca e estéril; embaixo, onde há rios e córregos de água ,é terra temperada e fértil; alí, dá qualquer coisa... "

Segundo o autor, os rios e riachos desciam das montanhas nevadas e desertas e íam profundos e resistentes, estreitando vales.


Ele a descreve quando o Inca já não vivia mais. Na época, todos ocupavam as terras desde as alturas ao chão, em terra mais fria do que quente. Nas alturas e encostas, por causa das chuvas, tiravam proveito dos dois extremos: da terra fria, para apascentar o gado doméstico, aqueles que os tinham e, também, caçar; e, da quente, para as lavouras. No tempo dos espanhóis, "todas as casas eram pequenas e humildes e, a maioria, redondas, suprindo com arte a pobreza e necessidade de roupa."

Três ofícios ​​ainda eram usados: oleiros, carpinteiros, e ourives. No entanto, como eles não conseguiam sustentar-se com seu trabalho, apenas nas cidades, onde ganhavam vendendo para os espanhóis, poucos foram aqueles que ficaram, só os que tinham algum gado remanescente da época dos Incas; estes eram os mais remediados e o principal modo de vida dos montanheses era o trabalho no campo.

"O caminho real que chamam de Guainacaba (3), que parte de Quito, pelas montanhas para ir a Cuzco e Charcas, divide os povoados dessa província, entrando pela praça da cidade. Os índios que vivem do lado esquerdo, que é para o Andes, alcançam boas terras. Têm chácaras de coca, algodão e pimenta, pelos quais pagam tributo, e obtêm seus pagos e benefícios. Aqueles que vivem do lado direito, entre o caminho real e a cordilheira, que é nas planícies, não têm tais terras, mas têm despovoados e algumas cabeças de gado e caça, dos quais se sustentam, vestem e fazem carne seca, chamada charque, e disso obtêm seus pagos e contratos com os outros. As chácaras de coca que agora têm os índios, eram todas do Inga e nenhum chefe ou índio as tinha; e da que agora colhem trezentos e quatrocentos cestos, naquele tempo não colhiam dez, daí se conclui que no tempo dos espanhóis se multiplicou, tornando-se tão comum aos índios."(*)

Pois bem, quanto a Manco Inca...


"Vendo que não parava, trataram de enviar outra vez para prendê-lo, e entrou Gonzalo Pizarro, e Villacastín,e o capitão Orgono e o capitão Oñate e Joan Balsa, e morreram treze espanhóis e mataram seis cavalos, ainda que tenham matado muitos parentes de Manco Inga e principais pessoas que estavam com ele. Foi Villacastín, um capitão, com grande número de soldados espanhóis, também levou consigo um grande número de índios, cujos capitães eram Inquill e Huaipar. Manco Inga, reunindo todo mundo que pôde, chegou de repente sobre os índios e matou a todos, prendeu Huaipar, que teve nas mãos. Inquill, fugindo, ao escapar, despencou-se ".


Assim começa a desenhar-se nossa tragédia, de amor e dor, que o destino traçou no meio da guerra, acrescentando cor, quando a terra já estava coberta de sangue, vermelho, carmim, como as flores de "panti" que se derramavam pelas encostas.

"... E houve batalha com os espanhóis em Xauxa, onde morreram muitos, e também na batalha de Yucay, onde morreram mais de 400 espanhóis, em seguida, em Pucara, onde houve a batalha com Gonzalo Pizarro, onde morrer Guaypar e Inguill, filhos de Guayna Capa, e não restou outro filho, apenas Paullo, ... "(Titu Cusi Yupanqui, carta)

Manco Inca necessitava, naquele momento, demonstrar sua força diante de seus homens. E ele o fez.

"Para fazer com que os outros o temessem, mandou matar a Huaipar diante de sua irmã, que era esposa de Manco Inca,...

... dando-se, depois, batalha, Villacastín desbaratou a Manco Inca com os espanhóis e prendeu a esposa de Manco Ynga. Eles a tiveram nas mãos porque ela ficou para trás na retirada,

com raiva, e se recusou a acompanhar o marido, porque ele havia morto diante dela a seu irmão Huaipar. "

"Como dissemos, Villacastín e Gonzalo Pizarro a levaram a Tambo, onde o Marquês Pizarro, que tinha tornado a subir desde Lima, e estava lá, com uma estranha crueldade, indigna de usar-se com uma mulher que não tinha culpa daquelas revoltas e rebeliões de seu marido, mandou atirarem nela e em outros capitães de Manco Inca.
À morte de sua esposa, tão triste e desesperada, chorou e fez grande sentimento por ela, porque a amava muito e, com isso, foi se retirando até o assento de Vilcabamba."


Frei Martin de Murua me permitiu encontrar o campo de cosmos que tanto busquei para ilustrar essa história de amor. Quando eu já havia perdido a esperança.

Então, o tempo havia avançado um pouco, alguns poucos anos, na época do último Inca, Tupac Amaru, mas, como podemos ver, o sofrimento e a dor pareciam não ter fim.

"No dia seguinte levantou-se o acampamento e em boa ordem marcharam duas léguas até Huayna Pucara, onde os inimigos estavam reforçados, e fizeram resenha em um lugar chamado Panti Pampa, e alí o campo espanhol parou, para tratar de como investiriam contra o forte e prevenir o que fosse necessário para o assalto, que se esperava ser muito difícil e perigoso... e se estabeleceu o acampamento da melhor maneira possível. Os inimigos estavam à vista e até mesmo quase no campo, à medida em que eles se aproximavam . "

"O Capitão Puma Ynga, em nome dos Incas Tupa Amaro e Quispi Tito, deu obediência ao general Martin Hurtado de Arbieto, dizendo que o Incas pediam paz...

... E que eles não haviam tido qualquer culpa na morte de Atilano de Anaya, nem tinham mandado tal coisa, porque estavam lá dentro, apenas Curi Pauca, e os outros capitães orejones de sua autoridade, haviam feito, para que ninguém soubesse da morte de Tito Cusi Yupanqui, seu irmão e pai. "

"Esse Puma Ynga deu notícia de como os capitães haviam feito um forte e o mantinham muito equipado e fortificado, chamado Huayna Pucara, e traçou o modo de como se poderia ganhar sem que os espanhóis e índios corressem perigo no assalto e captura dele. Nesse momento andavam os inimigos à vista do acampamento, e aos olhos dos espanhóis, com grande desenvoltura, aparecendo às vezes como a desprezar os nossos. "

"Assim, através de seus avisos claramente se conhece que houve a vitória e tomada do forte, porque ele disse que era um lugar muito longo, de uma légua e meia, quase chegando a duas e, de distância, como meia-lua o caminho por onde se tinha de marchar, muito estreito, muito rochoso e de montanha, e um rio largo e caudaloso, correndo pela vereda do caminho, pois tudo era de muito perigo e temeridade, indo e lutando contra os inimigos que estariam nas alturas, nessa distância de légua e meia, nas alturas que fazem meia lâmina fragosa, que não se pode andar ou passar dois companheiros juntos, aos pares. Os índios tinham feito um forte de pedra e lama, muito amplo, onde estava a fortaleza com muitos montes de pedra para atirar com a mão e com fundas e sobre o forte, por toda a lâmina, estavam montes de grandes pedras (#) e em cima ou por trás dos montes, pedras muito grandes, com suas alavancas,... "


Por entre pedras e flores, chegava-se ao Qhapac Ñan, a Estrada Real, que conduzia a toda parte. Sobre os rios, pontes suspensas que se gastaram como laços quebrados na memória. Como já disse Murúa, naquele lugar havia tanta quantidade de pedras que "parece ser realmente uma cidade ou castelo de muitas torres, de onde se julga que os índios deram-lhe um bom nome. Entre esses penhascos altos ou penhas existe uma rocha, junto a um pequeno rio, tão grande quanto admirável de se ver, considerando a espessura e a grandeza. Eu a vi, e dormi uma noite nela e me parece que terá de altura mais de duzentos côvados e, no contorno, mais de duzentos passos no topo dela. Se estivesse em uma fronteira perigosa, facilmente poder-se-ía fazer essa fortaleza que seria considerada inexpugnável. E  tem outra coisa que notar nessa  enorme rocha, que, em seu contorno, tão côncavo, podem ficar sob ela mais de cem homens e alguns cavalos. "


Pucara, a Fortaleza Vermelha, como fortes traços de tinta aplicada em uma tela branca que, perdendo a cor original, torna-se sangue, como as flores de cosmos, em Panti Pampa, talvez extintas, talvez à espera de um renascimento.
Na Catedral da cidade de Puno, construída no século XVIII, no antigo Supay Cancha (cerco do diabo), cuja fachada foi esculpida pelo mestre pedreiro peruano Simón de Asto, na qual podemos ver uma mostra do Barroco espanhol, incluindo elementos andinos que conferem ao monumento o seu carácter mestiço, tal como na fachada as flores nativas de panti (1). A obra foi concluída em 25 de maio de 1757.


(*) Adendo: pode-se perceber o momento exato em que a coca começou a se tornar uma "necessidade".

(**) (encomederos) - encomienda - Instituição da América colonial, mediante a qual se concedia a um colonizador um grupo de índios para que trabalhassem para ele em troca de sua proteção e de evangelização.

(#) pedregonazo (palavra usada por Murúa) que eu traduzi usando o sufixo da Língua  Espanhola: azo, -aza
1   Sufijo que entra en la formación de palabras con valor aumentativo y, frecuentemente, matices especiales de cariño o menosprecio: cochazo, manaza, padrazo, cabronazo. (sufixo que entra na formação de palavras com valor aumentativo e, frequentemente,com especiais nuanças de afeto ou desprezo)
2   Sufijo que entra en la formación de palabras con el significado de 'golpe': bastonazo, codazo, portazo. (sufixo que entra na formação das palavras com o significado de golpe)


(1) Cosmos é um gênero, com o mesmo nome comum de Cosmos, de cerca de 20-26 espécies de plantas anuais e perenes da família Asteraceae.



(2) Puca Pucara.

(3) Campo de Panti (cosmos)

(4) Huayna Capac.


(4) No livro El Mundo Vegetal de los Antíguos Peruanos de Eugenio Yacovleff e Fortunato L. Herrera temos:
color encarnada

86. PANTI; ID.  Holguín Cosmos peucedanifolius var tiraquensis (Kunth) Scharff (Fam. Compositae) PANTI Planta herbácea, anual, de folhas muito divididas, flores de cor vermelha. Cresce no desfiladeiro de Apurimac. Cultiváveis como planta ornamental, suas flores são usados ​​como um sudorífico. Nas festas de carnaval, que substituíram as que celebravam entre os incas para incentivar a procriação das llamas, os índios usam as flores de panti em forma de mistura para atrair prosperidade. O povoado de Pantipata, que significa "uns andenes e, neles, flores vermelhas." (GIR 207, II).

“Panti-flor vermelha, símbolo de ternura” (Holguín)

--Outros estudos feitos com Panti: Especímes examinados: Sra. A. F. Bandelier 18, alt. 12,500 feet(pés), Titicaca, Lago Titicaca, Bolivia, 1905 (N. Y.; nomen incolarum; aymaranarum, Panti-Panti); CL Gay, Departmento de Cuzco, Peru, October, 1839-February, 1840 (Par. tipo de Cosmos subpubescens Wedd.) F. L. Herrera, alt. 3,000-3,600 metros, Cuzco, Peru, July, 1923 (U. S.); idem 1025, alt. 3,700 metros, Hacienda Churu, Provincia de Paucartambo, Departmento de Cuzco, Peru, enero (e pittacio lectoris ipsius), 1926 (Field; Gray, 2 sheets; Mo.; N. Y.; U. S.; nom. vulgare, Panti) em lugares não cultivardos, terrenos com matas(arbustos), etc, perto de Sorata, nos terrenos de mato  por toda parte, perto de Sorata, janeiro-marçoo de 1859 (Del.; Gray; N. Y.) A. Mathews, Provincia de Chachapoyas, al norte del Peru (Gray, 2 folhas; material tipo de C. marginatus Klatt); A. Weberbauer 6S81, Peru, 1909-1914 (Field); idem 7597, alt. 3,600 metros, na estepe de gramíneas com arbustos de dispersão, Valle de Yanahuajra, Provincia de Huanta, Departmeno de Ayacucho, Peru,18 de marzo de 1926 (Field).
Weddell’s C. subpubescens se baseou em uma planta de Gay fde a Província de Cuzco, Peru.



BIBLIOGRAFIA


(En el testemonio del Inca Titu Cusi Yupanqui, hijo de Manco Inca, 8 de julio de 1567, in Matienzo).
(Carta-Memoria del Inca Titu Cusi Yupanqui al Lic. Matienzo, junio de 1565, in Matienzo).


--Juan de Matienzo, Gobierno del Peru.


--Fray Martín de Murúa, Historia General del Peru.--Juan de Matienzo, Gobierno del Peru.
--Jimenez de la Espada, Relaciones Geograficas de Indias.


você pode ver o texto original desta postagem, em espanhol, bem como todos os textos dos autores, aqui traduzidos, no seguinte link, aqui no blog:
http://princesinhadiseda.blogspot.com/2011/07/manco-ii-lienzo-de-amor-y-muerte-en.html











2.21.2012

COMO PUMAS ENTRELAÇADOS NAS SANDÁLIAS DE HUASCAR (IMPÉRIO INCA)



                                




Agora, em nosso regresso de quinhentos anos no tempo, ao Tahuantinsuyo, vamos ao palácio para encontrar o Inca ... O último Inca... Huascar.

O Palácio Real do Inca, chamado Cuusmanco, tem duas portas magníficas, uma na entrada e uma mais interior, e sua obra é toda em cantaria bem lavrada.
Na primeira porta, há dois mil soldados de Guarda com o seu capitão. Estes soldados são privilegiados e isentos de serviços pessoais, os capitães, que os comandam, são pessoas importantes, de grande autoridade (1).

Depois dessa primeira porta existe uma praça, na qual podem entrar os que vem de fora, acompanhando o Inca, detendo-se, ali quando ele entra com os quatro orelhões de seu conselho, atravessando a segunda porta, na qual existe uma outra guarda, esta composta, apenas, de pessoas naturais da cidade de Cuzco (2). Para além dessa porta, um outro grande pátio, destinado aos oficiais do Palácio e os que tem ofícios regulares dentro dele, que ficam aguardando ordens, em razão de seu ofício.
Junto a essa segunda porta, onde está a armaria (3), com todos os tipos de armas, ficam cem capitães, dos melhores na guerra, exercitados nela, os quais são mantidos prontos para qualquer ocasião que se apresente.

Em seguida, as salas, recâmaras e aposentos, onde o Inca vive, cheio de alegria e contentamento, com sua esposa, com saída para os jardins onde há árvores com todos os tipos de aves e pássaros cantando; pumas, onças e outros gatos selvagens e todos os tipos de feras e animais encontrados no Tahuantinsuyo. Os quartos, amplos e espaçosos, lavrados com maravilhoso artifício porque, como não há cortinas ou tapeçarias, as paredes são esculpidas com ricos trabalhos, decoradas com muito ouro e estampas das imagens e feitos dos ancestrais; as clarabóias e janelas são guarnecidas com ouro e prata e pedras preciosas.


Há no palácio uma câmara do tesouro, a Capac Marca Huasi (4), onde são guardadas as jóias e pedras preciosas do senhor. Nesse aposento estão todas as ricas vestes do Inca, de finíssimo Cumbi (5), e todas as coisas relativas ao adorno de sua pessoa - não apenas as suas jóias de preço inestimável, como peças de ouro e prata do serviço usado nos aparadores do palácio. Com cinquenta camareiros encarregados e  um contador-chefe para liderá-los, uma espécie de inspetor para vistoriar, minuciosamente, cada detalhe do serviço; ou seja, um tucuiricuc ou cuipucamayoc.
Ele é encarregado das chaves de algumas portas (6), mas não pode abri-las sem estar na presença de seus  companheiros que, por sua vez, têm suas próprias chaves.

Existem vinte e cinco roupeiros, de doze a quinze anos,  filhos dos curacas (chefes) e pessoas importantes, muito bem tratados e ricamente vestidos, que cuidam das roupas do Inca, preparando-as e separando-as de acordo com as cores ordenadas. Eles também levam os pratos à mesa quando ele se alimenta.


                                                                ****



O Inca atravessara os umbrais do aposento com um ar imponente e orgulhoso no semblante. Como outros Incas, ele tem estatura media, pele levemente bronzeada; o cabelo, um pouco mais curto do que outros, no reino, que os mantém mais compridos. Não tem barba (7), é sério, circunspecto, mas também tranquilo e discreto. E, como, em geral, todos os Incas, se expressa muito bem. (8)

Vestido costumeiramente com uma camisa de Cumbi azul, maravilhosamente elaborada com um trabalho de Tocapo (9), com tons sutis de verde e roxo. A manta, a yacolla, do mesmo Cumbi, mas sem qualquer trabalho, descansa nos braços de um roupeiro, que aguarda, pronto para vesti-la nele, se assim desejar o senhor.


Na cabeça, ele traz o llaitu (10), com as cores do arco-íris, as mesmas do Tahuantinsuyo, incrustrado de pedras preciosas e, pendendo do llaitu,  o vermelho vivo do  Cumbi finíssimo da borla imperial, a mascapaicha - a insígnia real e coroa, com os seus fios de ouro e as sagradas penas do qoriqenqe.
Calçado com sandálias que cobrem as solas dos pés e se enlaçam no meio do pé com as argolas pelo calcanhar e onde os laços são travados coloca-se algumas cabeças de puma, feitas de ouro e pedras de esmeralda, ricamente trabalhadas.
Neste momento, o copeiro, o ancosanaymaci, um dos orelhões mais importantes do império, aproxima-se, carregando um copo feito de madeira preciosa, talvez cheio de chicha, talvez de água, para servir ao supremo Inca do Tahuantinsuyo.

O último Inca... Huascar... que permanece em silêncio, observando a luz do sol que vem dos jardins...



 
                                      (Fray Martín de Murúa: Historia general del Perú)



                                                                      



                                                                         ################




(1) Quando o Inca ia à Serra, iam junto com sua pessoa, e recebiam rações regulares e avantajados pagamentos, e  andavam, geralmente, acompanhados pelos filhos dos curacas e pessoas importantes, muito lucidamente adereçados. (Murtua)

(2) orelhões e parentes, descendentes do Inca, em quem ele confiava, e eram aqueles encarregados de criar e ensinar os meninos, filhos dos governadores e pessoas importantes de todo o Reino para que trabalhassem no serviço do Inca, assistindo-o na corte.
3) a saber flechas, arcos, lanças, macanas, champis, espadas, capacetes, fundas, escudos pesados, tudo arranjado em perfeita ordem e disposição.

4) literalmente - aposento rico do tesouro - tinha esse  tesoureiro ou contador-mor, um grande salário e muito proveito, porque o Inca lhe dava muitas roupas das suas próprias, gado e chácaras, e dessas doações ele ficava com duas partes e uma era para seus companheiros.

(5) Cumbi - tecido finamente elaborado com lã de vicunha.

(6) portas de madeira.

(7) os incas não tinham qualquer tipo de barba, porque se alguma surgisse, com pinças, chamadas tiranas, as arrancavam. (Murúa)

(8) Eu descrevi Huascar de acordo com as características dos Incas descritas por Frei Murúa em seu livro. Porém, gostaria de fazer uma ressalva, chamando a atenção para o fato de que os Incas de sangue puro, naquela época, já estavam extintos, ou praticamente extintos, pois os que não foram mortos pelos exércitos de Atahualpa (que era só meio Inca, apenas por parte de pai e é preciso lembrar que, para ser Inca, era preciso ter sangue puro), foram dizimados pelos espanhóis, mortos por doenças e, os que restaram, misturaram o sangue, ou com os próprios espanhóis, ou com os Incas de privilégio, que não eram Incas de sangue, ou com os povos circundantes, que serviam aos Incas. Alguns autores afirmam, o que eu mesma sou levada a concordar, que os Incas eram brancos; alguns dizem 'bem brancos'. 

(9) As ñustas (Virgens do Templo do Sol), que fiavam de modo extremamente delicado para tecer as roupas do Inca e esculpiam neles maravilhosos labores de tocapo, que eles dizem que significa diversidade de trabalhos, com mil matizes de grande delicadeza, às vezes de cor roxa, às vezes verde, às vezes azul, outras vezes vermelho vivo.
Tocapu ou tocapo: pequenas figuras de grande padrão com certos desenhos repetidos, com os quais adornavam as vestes mais luxuosas. Trajes típicos do Peru e mantas, muitas vezes contêm esses símbolos abstratos e geométricos que se encontram discretamente dentro de um quadro retangular ou quadrado. Na roupa, cada tocapu poderia ser colocado em um padrão linear ao longo da cintura ou sobre uma grade que cobre toda a superfície. Eram prerrogativa dos membros do clã imperial Inca e dos indivíduos da elite, acredita-se ter sido um privilégio das pessoas que utilizavam estas peças de vestuário e que eles controlavam uma variedade de etnias no Império (Rebecca Arte em pedra de Miller. Dos Andes Chavin de Inca, Nova York. Thames and Hudson, 1995, p. 210).

(10) O llauto era uma espécie de turbante com as cores do Tahuantinsuyo (Império Inca), tecido com lã de vicunha, que dava de cinco a seis voltas na cabeça e sustentava na frente uma  borla de lã, chamada mascapaicha que, juntamente com penas do qoriqenqe (ave sagrada cujo símbolo levava na parte da frente) e topayauri (uma espécie de cetro) constituíam as vestes particulares do Sapa Inca.

  BIBLIOGRAFIA 
  
Fray Martín de Murúa: Historia general del Perú. Origen y descendencia de los Incas (1611). 
  
e para o tocapo: 
  
Rebecca Stone-Miller. Arte de los Andes de Chavín de Inca, Nueva York. Thames and Hudson, 1995, p. 210). 

  





2.18.2012

ATAHUALPA - ESTRIBILHO DE UMA MORTE ANUNCIADA









Para falar sobre Atahaulpa, podemos usar o testemunho de Pedro Pizarro (#), que esteve com ele nos últimos dias de sua vida e escreveu em seu livro, Relación del Descubrimiento y Conquista de los Reinos del Perú, a impressão que teve dele, como um homem de grande poder e carisma.

Pizarro disse que Atahualpa era um homem bem disposto e de boa aparência, corpo bem feito, sem ser muito gordo, bonito de rosto, circunspecto, olhos implacáveis. Disse que era muito temido por seu povo e amado como Deus.

Quando "tiraram este senhor do madeiro onde ele foi morto, seus índios se aproximaram e cavaram a terra, onde seus pés haviam estado, quatro dedos, e a levaram como relíquia."
"Eu me lembro que o senhor de Guailas (Huaylas) pediu permissão para ir ver a sua terra e ele a deu, dando-lhe tempo que fosse e voltasse, e se atrasou um pouco, e quando voltou, na minha presença, chegou com um presente de fruto da terra, e tendo chegado diante dele, começou a tremer de tal forma que mal podia se manter em pé. Atahualpa levantou a cabeça um pouco, e, sorrindo, lhe fez sinal para que saísse."(1)

  
De acordo com Pizarro, Atahualpa usava a mascapaycha, que era a borla real ou "coroa" (2), o que significa que ele se considerava Inca, mesmo quando Huascar ainda estava vivo, sendo este soberano, senhor e verdadeiro Inca. Atahualpa usava o llauto na cabeça, que eram tranças coloridas de lã, da espessura de um dedo médio, por um de largura, à maneira de coroa mas, sem pontas, redonda, da largura de uma mão que encaixava na cabeça. Na frente, uma borla costurada neste llauto, da largura de uma mão ou um pouco mais, de lã muito fina, escarlate (*em espanhol original- grana) (3), muito bem cortada, presa por alguns tubinhos de ouro, muito subtilmente, até a metade. A lã era fiada, dos tubos para baixo, retorcida, que era o que caía em sua testa, os tubinhos de ouro tomavam todo o llauto. Esta borla, de um dedo de grossura, caía até um pouco acima das sobrancelhas, ocupando toda a frente.
Atahualpa tinha muitos líderes com ele: eles ficavam lá fora, em um pátio, quando ele chamava algum, este entrava descalço até onde ele estava e, vindo de fora, de outro lugar, deveria entrar descalço e carregando uma carga ou "fardo" em sinal de submissão. Quando seu capitão Challicuchima veio com Hernando Pizarro e entrou para vê-lo, entrou descalço, com uma carga na cabeça, jogou-se a seus pés e beijou-os, chorando. "Atahualpa, com o rosto sereno, lhe disse: -Seja bem-vindo alli Challicuchima, o que significava:  - Seja bem-vindo, bom Challicuchima."
  
Eles todos andavam raspados, e os 'orejones' (4) com o cabelo cortado a 'sobre peine' (5). Vestiam roupa muito fina e macia.
"Este senhor colocava a manta sobre a cabeça, atando-a sob o queixo, tapando as orelhas: fazia isso para tapar uma orelha que estava rompida, que, quando o prenderam os de Guascar (Huascar) a quebraram." 
  
As vestes de Atahualpa. 
  
"Este senhor vestia roupas muito delicadas." 


Além de ser uma pessoa interessante, Atahualpa era fascinante. Não foi o suficiente usar roupas finas e delicadas, feitas com o melhor Cumbi, comumente usadas pelos Incas, ele ousou mais. Pizarro descreve um momento em que, talvez para mostra-se um pouco mais, impondo sua presença, vestiu uma roupa feita de lã de morcego.
Como se isso fosse a coisa mais natural do mundo.


Pizarro conta que, certo dia, Atahualpa fazia uma refeição servida pelas mulheres que traziam a comida e a colocavam diante dele, em umas "bandejas" de junco verde, muito finas e pequenas. Estava sentado em um assento de madeira vermelho muito bonito, de um pouco mais de um palmo de altura, o qual mantinham, sempre, coberto com uma manta muito fina, ainda que ele estivesse sentado nele. Essas "bandejas" de junco, já mencionadas, eram, sempre, estendidas diante dele, quando queria comer e, alí, colocavam todos os manjares em pratos de ouro, prata e barro, e os que lhe apetecíam, ele fazia sinal para que trouxessem e uma das mulheres o segurava nas mãos enquanto ele comia.


"Pois estando ele dessa maneira, comendo, e eu presente, levando um pedaço da iguaria à boca, ele deixou cair uma gota na roupa que vestia, e dando a mão para a índia, levantou-se e foi para seu aposento para vestir outra roupa, e voltou, usando uma camiseta e uma manta marrom escura. Aproximando-me dele, toquei em sua manta, que era mais suave que a seda, e eu disse: - Inca, de que é esta veste tão suave? Ele me disse: - É de uns pássaros que andam de noite, em Puerto Viejo e em Tumbez, que mordem os índios. Chegou a declarar que era de pelo de morcego. Dizendo-lhe de onde podiam juntar tanto morcego, respondeu:. - Aqueles cães de Tumbez e Puerto Viejo, que haveriam de fazer senão usar isso para fazer roupas para o meu pai? E é assim que esses morcegos mordem à noite, índios, espanhóis e cavalos, e tiram tanto sangue que é coisa de mistério, e assim averiguou-se ser essa veste de lã de morcego, e era da cor deles, pois em Puerto Viejo e em Tumbez e em sua região, há uma grande quantidade deles. "




"E eu não vi em todo o Perú, índio semelhante a esse Atahualpa, nem de sua ferocidade ou autoridade."







"Certa vez, um súdito veio queixar-se de que um espanhol levou algumas vestes de Atahualpa; o Marquês (6) enviou-me para descobrir quem era, chamar o espanhol e castigá-lo. O índio me levou a uma cabana (7), onde havia uma grande quantidade de baús; o espanhol já tinha ido embora e, dizendo-me que, dalí, ele tomara uma veste do senhor, eu, perguntando-lhe o que continham aqueles baús, mostrou-me alguns que continham tudo o que Atahualpa havia tocado com as mãos e tinha deixado depois, e roupas que havia descartado: em uns, as bandejas que havia atirado aos seus pés quando ele comia e, em outros, os ossos das carnes ou aves que comia; em outros, os sabugos das espigas de milho que havia tomado em suas mãos; finalmente, tudo o que ele havia tocado. Perguntei a eles para que tinham aquilo alí. Responderam-me que era para queimar, porque a cada ano eles queimaram tudo isso, porque o que tocavam os senhores e os filhos do sol deveria ser queimado, transformado em cinzas e ser solto no ar, que ninguém deveria tocar em nada. E, de guarda, estava um comandante com índios que guardava a tudo, e que recolhiam das mulheres que o serviam."


                           ESTRIBILHO DE UMA MORTE ANUNCIADA

  
  
"Tendo chegado, pois, Almagro e as pessoas já mencionadas, Atahualpa perturbou-se e entendeu que havia de morrer, e um dia, enquanto fazia a refeição com o Marquês, perguntou-lhe como ele repartiria os índios entre os espanhóis. O Marquês disse que daria um chefe para cada espanhol. Atahualpa disse se cada espanhol estaria cada um com seu chefe. O Marquês disse que não, mas que fariam cidades onde os espanhóis estariam juntos. Ouvindo isso, Atahualpa disse - eu vou morrer: quero te dizer, apo, o que os cristãos deverão fazer com esses índios para que possam servir-se deles: se a algum espanhol deres mil indios, terá de matar a metade para poder servir-se deles, e assim disse ao Marquês que o havia de matar."

"O Marquês assegurava dizendo a ele que lhe daria a província de Quito, e que os cristãos levariam de Cajamarca a Cuzco. Porque, como Atahualpa era um índio sábio, veio a entender que o enganava, tinha uma grande amizade com Hernando Pizarro, que lhe prometera que não deiraria que o matassem, e por isso dizia Atahualpa não havia visto espanhol que parecesse senhor como Hernando Pizarro. Pois, estando assim, as coisas, determinou o Marquês Don Francisco Pizarro enviar seu irmão Hernando Pizarro para a Espanha com o tesouro de Sua Majestade. Quando Atahualpa soube da ida de Hernando Pizarro, chorou, dizendo que o haviam de matar, porque Hernando Pizarro ia embora, o que assim se passou... "




"Nisso o Marquês foi sempre muito cristão, que de ninguém tirou o que merecia."
 
Uma pequena reflexão sobre o que o autor considera ser um cristão. O que é ser um cristão? Chegar a um lugar, roubando as casas das pessoas, seus bens, suas propriedades, matando seu proprietário, seus moradores e partilhar os despojos em "nome de Deus" de uma maneira cristã? Eu não sei se as pessoas são irracionais, ignorantes, ingênuas, manipuladoras ou, simplesmente, manipuladas. Nenhuma pessoa deveria ser rotulada, mas algumas pessoas não podem ser chamadas de outra forma.
"Pois, tendo feito essa divisão entre aqueles que entraram em Cajamarca quando da prisão de Atahualpa, quero dizer, todos os espanhóis que com o Marquês ali entraram, como se fizera por decreto lque os que depois vieram não lhes davam nada, levantou-se grande confusão entre os Oficiais do Rei e os que tinham vindo com Almagro, dizendo que o tesouro que Atahualpa havia mandado era incontável e que, se o decreto fosse respeitado, eles nunca teriam nada.
Concordaram, pois, os Oficiais e Almagro que Atahualpa deveria morrer, tratando entre eles que, morto Atahualpa, acabaria o decreto feito acerca do tesouro."
  
Os eventos foram se desenrolando como um estribilho mórbido de uma triste melodia que se repete até desaparecer, completamente, dentro da morte.
  
"Então disseram ao Marquês Don Francisco Pizarro que não convinha que Atahualpa vivesse, porque se ele fosse libertado, sua Majestade perderia a terra e todos os espanhóis seriam mortos, e na verdade, se isso não fosse tratado com malícia (como foi dito) teriam razão, porque seria impossível, libertando-o, ganhar a terra. Pois o Marquês não quis chegar a isso.

"Vendo isso, os Oficiais fizeram muitas exigências, colocando o serviço de Sua Majestade à frente. Estando isso assim, atravessou um demônio de uma língua, que dizia Felipillo, um dos rapazes que o Marquês tinha levado para a Espanha, que andava enamorado de uma mulher de Atahualpa, e para tê-la deu a entender ao Marquês que Atahualpa estava organizando grande ajuntamento de pessoas para matar os espanhóis, em Cajas. "
  
Traição, mentiras, palavras trocadas - elementos que se juntaram para formar a trama da morte de Atahualpa.



"Pois tendo sabido disso o Marquês, prendeu a Challicuchima, que andava livre, e, perguntando-lhe dessa gente que a má lingua dizia que se estava juntando, mesmo que negasse, dizendo que não, o tal de Felipillo dizia o contrário, mudando as palavras que os indios diziam a quem lhes perguntasse desse caso. Pois o Marquês Don Francisco Pizarro concordou enviar Soto a Cajas para ver o que de fato acontecia..."


Francisco Pizarro foi pressionado, principalmente por Almagro e pelos oficiais, a ordenar a morte de Atahualpa, porque isso seria muito conveniente para todos. 



"... à partida de Soto, pressionaram o Marquês com muitas exigências e a má língua, por sua vez, ajudava com seu retrucar, conseguiram convencer o Marquês que Atahualpa deveria morrer, porque o Marquês zelava muito dos negócios de Sua Majestade, e assim o fizeram temer, e contra a sua vontade condenou Atahualpa à morte, mandando que o estrangulassem e, após a morte, o queimassem, por ter ele irmãs como mulheres. "


"Certo: Poucas leis estes senhores tinham lido pois, ao infiel, sem defesa, davam-lhe essa sentença. Pois Atahualpa chorava e dizia que não o matassem, que não haveria indígena na terra que pudesse ser controlado sem ele mandar, e que eles o tinham prisioneiro, que haveriam de temer, e se o tinham por ouro e prata, que ele lhes daria dois tantos do que havia mandado."   

"Eu vi chorar o Marquês, de pesar, por não ser capaz de lhe dar vida, pois certamente temeu as petições e o risco que havia na terra se ele se libertasse."


Atahualpa aceitou batismo cristão antes de morrer, não por causa da conversão, mas pela fé que tinham, ele e todos os Incas, que se o corpo não fosse preservado, uma pessoa não poderia renascer. 




"Este Atahualpa tinha dado a entender a suas esposas e índios que se não queimassem o seu corpo, ainda que o matassem, haveria de voltar para eles, que o sol, seu pai, o ressuscitaria. Pois, ao levá-lo para estrangular, na praça, o Padre Frei Vicente de Valverde, já mencionado, pregou a ele, dizendo que se tornasse cristão, e ele disse que caso se tornasse cristão, se o queimariam, e disse que como não o haveriam de queimar, que queria ser batizado, e assim o Frei Vicente o batizou e o estrangularam, e no dia seguinte o sepultaram na igreja que os espanhóis tinham em Cajamarca."
  
"Isso foi antes que Soto retornasse dando conta do que lhe fora ordenado, e quando chegou, ele trouxe a nottícia de não haver visto nada, nem haver nada, o que, ao Marquês, foi muito pesaroso havê-lo morto, e muito mais a Soto, porque ele dizia que ele estava certo, que muito melhor seria enviá-lo para a Espanha, e que ele se obrigaria a colocá-lo no mar, e certamente essa seria a melhor coisa que se poderia fazer com esse índio porque ficar na terra não era aconselhável; também se entendeu que ele não vivera muitos dias, porque era índio muito talentoso e muito importante."
  
Pizarro narra o momento de dor que foi a morte de Atahualpa e como todos se sentiram perdidos sem ele. No instante da sua morte, era ele o Inca, pois Huascar já não vivia. Esta foi a principal razão dada pelos espanhóis para matar Atahualpa, o assassinato de Huascar. Para todos os que viviam em torno de Atahualpa, como se pode ver, ele era, realmente, o Filho do Sol, que já não brilhava,  que foi embora... 
  
"Pois, morto Atahualpa, como eu disse, havia dado a entender a suas irmãs e mulheres que, se não fosse queimado, retornaria a este mundo. Algumas pessoas se enforcaram e uma sua irmã com algumas índias, dizendo que iriam ao outro mundo para servir Atahualpa, ficaram duas irmãs que choravam muito, com tambores e cantando, contando as façanhas de seu marido. Esperaram até que o Marquês saisse fora do seu quarto, e vieram ao lugar onde Atahualpa costumava estar; e me imploraram que as deixasse entrar e, quando entraram, começaram a chamar Atahualpa, buscando-o pelos cantos, bem baixinho. Como viram que não lhes respondía, chorando alto, saíram. Eu perguntei a elas o que buscavam. Disseram-me o que tenho dito. Eu as desenganei, dizendo que os mortos não retornavam até o dia do juízo."(8)
  
Aos poucos, apagou-se a luz de todas as lâmpadas, como que tocadas pelo vento. Aos poucos foi se extinguindo o som dos tambores e flautas, a música parou, morreu o estribilho, as lágrimas secaram enquanto o tempo passava e as gerações se sucederam sepultando os sonhos. Como em uma procissão de amor e esperança, as sombras daquelas mulheres parecem perpetuar a busca pelo Inca. Cantando no silêncio, como fantasmas que deslizam no vazio do tempo, contando as façanhas de Atahualpa, chamando-o pelo nome, bem baixinho. 


                                  Fim da História?
                                                              
  
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1) O texto original de Pedro Pizarro está escrito de uma maneira difícil de entender, então eu coloquei, primeiro, as palavras adaptadas para a língua espanhola atual, simplesmente mudando as letras, tais como (-v) em vez de (-u), como na palavra seruicio (servicio) (serviço), por exemplo, mas não para alterar as palavras no seu significado, simplesmente para facilitar a compreensão quanto às letras. Como no exemplo abaixo:


"Aquerdome que el senor de Guailas le pidio licencia para ir a uer su tierra, y se la dio, dandole tiempo en que fuese y biniese, y tardose algo mas, y quando uoluio, estando yo presente, llego con un presente de fructa de la tierra, y llegado que fue a su presencia, enpezo a temblar en tanta manera, que nose podia tener en los pies. El Atagualpa alzo la caueza un poquito, y sonrriendose le hizo sena que se fuese." (texto original) 


(2) O traje do Inca consistia de um turbante multicolorido, aderido à cabeça, chamado llauto, que trazia, na parte da frente, uma insígnia chamada MASCAPAYCHA (borla de cor vermelha); acima do Llauto, sobressaindo pela frente, eram colocadas duas penas da ave Qoriquenque, presas por uma placa de ouro que representava a imagem do sol.

3) Real Academia Española - Diccionario de la Lengua Española 

grana2. (De grano, tumorcillo). 
1. f. cochinilla2.
2. f. quermes (‖ insecto hemíptero).
3. f. Excrecencia o agalla pequeña que el quermes forma en la coscoja, y que, exprimida, produce color rojo. 
4. f. Color rojo obtenido de este modo. (cor vermelha obtida desse modo)


(4) (Andes, Hist) oficial e nobre Inca. 


(5) sobre peine. (no pente)
1. loc. adv. Dicho regularmente de cortar el cabello: Por encima de él y sin ahondar mucho. (dito, regularmente, de cortar o cabelo - por cima e sem afundar muito)

(6) Francisco Pizarro.

(7) bohío. 1. m. Cabaña de América, hecha de madera y ramas, cañas o pajas y sin más respiradero que la puerta. Real Academia Española - Diccionario de la Lengua Española. (cabana da América, feita de madeira e bambú, ramos ou palha e sem aberturas, a não ser a da porta)

(8) "Era costume entre esses índios que a cada ano as mulheres chorassem a seus maridos e parentes, carregando suas roupas e armas diante de si, e muitas índias, carregadas com muita chicha, atrás, e outras tocando tambores e cantando as façanhas dos mortos, iam de monte em monte e de lugar em lugar onde os mortos, estando vivos, haviam ido, e quando se cansavam, sentavam-se, bebíam e, descansados, voltavam ao pranto até que acabasse a chicha."(Pedro Pizarro)

(9) "... que tendo ido Hernando Pizarro e dividido o tesouro que se havia juntado, coube aos cavaleiros oito mil "pesos" por parte, e aos que lutavam a pé, quatro mil: isso era dando partes inteiras porque houve muito poucos aos quais foram dadas, a alguns cavaleiros foram dadas uma parte e meia, a outros uma parte e três quartos, e aos que íam a pé, três quartos, e meia parte, e a muito poucos a parte inteira, que se repartia conforme o que cada um servía e o cavalo que tinha, apesar de Almagro querer que fosse de forma diferente, ele e seu parceiro tomaram a metade e, aos demais espanhóis deram um mil, e aos que deram mais, dois mil pesos. "


BIBLIOGRAFIA

Pizarro, Pedro. Relación del Descubrimiento y Conquista de los Reinos del Peru.

(#)Pedro Pizarro foi um cronista espanhol e conquistador. Ele participou da maioria dos eventos da conquista espanhola do Peru, e escreveu um longo relatório  sob o título de Relación del Descubrimiento y conquista de los Reinos del Perú, que terminou em 1571.

link para o original em espanhol neste blog: