8.11.2021

FILHOS DO SOL

 






CAPÍTULO V




Depois de quase perdermos a vida naquele mar de lama, tivemos um amanhecer sereno. A princípio imaginei o pior mas, aos poucos a névoa começou a dissipar-se e um sol tímido a nos aquecer e dar alento à esperança que se afigura moribunda. A manhã já vai perdendo-se, a luz do sol descortina um tesouro diante de nós, onde parece haver quase uma trilha à nossa frente, formada por colinas de grama que oscilam ao vento estendendo seu cobertor de finos fios de ouro que as últimas chuvas não conseguiram minimamente tingir de verde que, pelo contrário, parece ter concentrado seus tons mais escuros na linha das árvores distantes, esbanjando cor como preciosas pedras verdes de vários tons, como jade, esmeralda, quartzo, cristal, amazonita, enquanto o sol faz brilhar nas folhas os últimos resquícios de névoa. O barulho do rio, no piso inferior, correndo paralelo à nossa caminhada, deixando escorrer seus diamantes de brilhos na superfície ligeira da água, contrariado pela urgência de pássaros que passam aos bandos sobre nós, diante de nós, quase nos atropelando, às vezes solitários, briguentos, solidários, beija-flores como joias pairando no ar e borboletas silentes, menos agitadas que eles, pontilhando de cor nosso deslumbre, estando nossos olhos ofuscados pelo excesso de luz. A montanha pulsa e a vida respira como um ser que apenas desperta.

Em 1807, durante uma expedição a essa mesma Cordilheira de Llanganates na qual nos encontramos, agora, à procura do mesmo tesouro que buscamos, Don Atanasio Guzmán, naturalista espanhol, encontraria a morte. Embora tenha esboçado um mapa detalhado do ouro dos Incas não teve tempo para reivindicar o ouro, tendo desaparecido em circunstâncias inexplicáveis. Envolto na possibilidade de uma maldição, o tesouro foi, então, deixado intocado até 1860. Agora, uma cópia da cópia da cópia da cópia do mapa que Guzmán desenhara pode ser vista fazendo turismo em nossas mãos, de mão em mão.


De repente, um dos homens de Fernandez lança-se ao chão, de joelhos, enquanto grita palavras em sua língua nativa. Fernandez e os outros acorrem e alguns o imitam, chafurdando os joelhos nos restos de lama. Olhamos todos para a direção apontada por seus braços sujos de barro e a visão é mesmo de dar medo, parecendo sobrenatural demais depois de tudo o que passamos. Ao longe, algo que se assemelha ao Cerro Hermoso, parece projetar-se contra um sol quase irreal que vai iluminando toda a distância fazendo-o brilhar como ouro contra o horizonte. Ficamos atônitos, os mapas jazendo em nossas mãos, inúteis e sem significado.

--Aquilo é ouro! - grita Henri, enquanto segura meu braço com força excessiva, causando um desconforto extra.

O que parece ter sido um local onde eram realizadas cerimônias de adoração pelos nativos, Cerro Hermoso, com mais de quatro mil metros acima do nível do mar, é considerado uma das montanhas mais bonitas do Equador. O nome parece ter-se originado a partir de sua aparência surpreendente, quase fantasmagórica, no momento em que seus picos são iluminados pelo sol da tarde.

--Não é o Cerro Hermoso.

--Como você sabe, Fernandez?

--Se fosse o Cerro, estaríamos dentro do rio Millín, agora.