1.29.2011

A PONTE DO INCA




"O aventureiro olhou para o alto, ansioso por fincar bandeira nas alturas do Aconcágua. Estava a dez passos do "Cementerio de los Andinistas" (1) e podia sentir o desalento que perpetua a história dos que tombam sem hastear a bandeira de seus países; enterrados,ali como atestado do despreparo, da irresponsabilidade ou da falta de sorte. Procurou não pensar, evitou sentir. Seu pé fincava-se, no chão, com força, em uma desesperada tentativa de enxergar-se maior do que a empreitada. O guia aproximou-se, calmamente, com um sorriso e uma desculpa. Hoje, não iriam a lugar nenhum. O clima mudara, rapidamente, outra vez, seria impossível alcançar o topo nos próximos dias. Ele tentou retrucar, calando-se, imediatamente, ao lembrar-se do cemitério. O guia consolou-o: ainda não afrontaria o vento gelado da montanha mas... mostrar-lhe-ia os segredos e mistérios da Ponte do Inca..."


No caminho para Las Cuevas, na fronteira com o Chile, encontramos um dos balneários mais famosos da Argentina. Os banhos nessas águas são recomendados para diversas doenças e as características naturais da região rivalizam com o mistério de suas lendas... para encantar-nos.


Em 1965, uma devastadora avalanche destruiu o lindo Hotel Puente del Inca que havia, anteriormente, sobrevivido a inúmeras catástrofes. Era uma construção sólida, suntuosa, com acesso subterrâneo aos banhos termais - nessa área emergem fontes de água quente, mineral, que borbulham sem parar. 
As provas do deslizamento ainda estão lá, revelando a cascata de rochas que rolou, abruptamente, para o fundo do vale.
Felizmente, hóspedes e funcionários foram salvos "milagrosamente" ao abrigarem-se na igrejinha que permaneceu intacta e pode ser vista ainda hoje.


Localizada na Cordilheira dos Andes, a 2.720 metros acima do nível do mar, a Puente del Inca (Ponte do Inca), é famosa por ser uma ponte natural, única no mundo, declarada Monumento Natural. Ao que parece, teria sido formada pela ação das águas excessivamente minerais e pela ação das águas termais nos sedimentos depositados no fundo de uma cavidade. Devido a elas, a coloração laranja, amarela, ocre tinge toda a área e, qualquer objeto que se coloque sob elas fica de tal forma impregnado de sais minerais que adquire uma aparência de pedra.

Na margem direita, as famosas termas com cinco fontes do mesmo tipo, mas de diferentes temperaturas e componentes. A paisagem, cercada de montes, estica-se dezenas de metros sob a Ponte, nas águas do rio Las Cuevas.





Quarenta e sete metros de comprimento por vinte e oito de largura sobre o Rio Las Cuevas. Chama-se Ponte do Inca porque a nobreza Inca servia-se de suas medicinais águas termais que fluem das piscinas sob ela. 


A história da Ponte começa com o Caminho do Inca e suas lendas...


Supõe-se que os Incas  tenham aproveitado de suas águas com propriedades curativas. Sua fama vem, justamente, de seus banhos termais. Construções existentes, ao lado e sob a ponte, como pequenas piscinas por onde as águas correm termais, originárias de fontes naturais com temperaturas variando entre 34 e 38 graus. Os banhos são recomendados para perturbações do sistema nervoso, doenças reumáticas, tratamento ginecológico, crianças anêmicas, raquitismo e artrite.


A área é ideal para o turismo de aventura, escalada de montanha, equitação e esportes na neve.









Nas proximidades, encontra-se o "Cerro Los Penientes", chamado assim porque seus paredões de pedra, quando olhados da distância, parecem enormes monjes em procissão.


Desde a ponte, quando o sol faz brilhar o amanhecer em tons, absolutamente, dourados, revelando estalactites de rocha, há um mundo mágico que nos transporta, desenhando fluidos arco-íris na água e no gelo, insinuando conotações fantásticas na natureza que sempre fez do lugar algo sagrado para os Incas.


O nome do lugar vem de uma lenda...



Há muito, muito tempo... muito antes da chegada dos espanhóis...




A LENDA DA PONTE DO INCA



O sucessor do Império Inca encontrava-se, gravemente, enfermo. Ele era um príncipe sábio e justo, como o pai, e todos o amavam muito. Em todo o Tahuantinsuyo todos oravam aos deuses fazendo sacrifícios e oferendas por sua saúde. Porém o príncipe só piorava e todos temiam que sua morte colocasse em risco o futuro do Império. Ao consultarem os Amautas (2), estes disseram que o príncipe recuperaria a saúde se pudesse banhar-se nas águas de um certo lugar, muito distante, na direção do sul, entre as rochas e montes da Cordilheira. Lá, segundo eles, brotava uma água capaz de curar todas as doenças. 
No entanto, para se chegar lá, deveriam atravessar distâncias, desertos e escalar montanhas. Sem perder tempo, o Inca ordenou que se preparasse uma comitiva para acompanhar o príncipe e pela manhã partiram de Cusco em busca das poderosas águas. Ao amanhecer, seguiram pela estrada - com muitas lhamas, carregadas de alimentos e de todo o necessário para uma viagem tão longa. Apesar da preocupação com o príncipe, a viagem lhes proporcionou conhecer uma parte do Tahuantinsuyo que os deixou maravilhados.

A longa travessia os conduziu por montanhas abruptas, vales tranquilos, campos desertos e prados verdejantes, rios, riachos, noites enluaradas e dias de ouro e luz. Por dias e dias estiveram a caminho, compartilhando com a natureza e seus deuses uma experiência única.

De dia o sol lhes proporcionava todas as nuanças de verde e o colorido de muitas flores exóticas; a grandeza e o esplendor da natureza os arrebatava. À noite, os espectros gigantescos das montanhas os colocava, diante do desconhecido, com assombro - sons e ruídos como se a terra falasse com eles com voz que só eles pudessem compreender, repetindo o eco nos precipícios, na imensidão dos vales.

Até que, como um anúncio de que estavam próximos do objetivo, estacaram, paralisados pela visão do monte mais bonito e misterioso que haviam visto. Estavam diante do Aconcágua, o pico mais alto da Cordilheira dos Andes e seu poderoso Apu (3).
Vencendo a surpresa e o entusiasmo, seguiram em frente e, depois de uma curta caminhada, na qual muitas lebres atravessaram seu caminho como que para saudá-los, chegaram, quase no final da tarde, a uma ravina. Lá embaixo, encaixado na ravina, corria um rio caudaloso, que avançava, invencível, sobre as pedras. 

O som da trombeta, a quepa, (4) quebrou o silêncio para anunciar que haviam chegado. Porém, não havia nada a fazer: as fontes termais estavam do outro lado da ravina, inacessíveis.

Um desânimo total abateu-se sobre eles diante da impossibilidade que se apresentava. Passaram ali a noite, cansados e esperando que o Sol, Pai de todos os Incas, trouxesse uma solução para o problema. 

Pela manhã, como que liderados pelo poder e amor do Sol, do qual todos Incas são filhos, os soldados da comitiva, guerreiros do Inti (5), começaram a abraçar, uns aos outros, formando uma ponte humana para que o Filho do Sol pudesse alcançar o outro lado. O Inca caminhou sobre suas costas, com o filho nos braços e, assim, pode chegar até as fontes termais, encontrando a cura para o menino. 

Quando olhou para trás, para agradecer aos seus guerreiros, estes se haviam petrificado, tornando-se o que hoje conhecemos como "Puente del Inca".

Talvez seja essa a minha lenda favorita pelo que ela representa. Assim é o grande Tahuantinsuyo. O poder do Sol aliado à força dos homens e mulheres de um reino, eternamente, em busca da perfeição. Essa lenda representa muitas coisas. Há o divino, presente em todas as etapas do caminho e em todas as descobertas e há o lado humano, buscando superar suas dificuldades com união e fé, nunca desistindo de seus objetivos e cumprindo seu dever até o fim. 

Essa lenda, certamente, expressa o Tahuantinsuyo em sua forma mais simples e, ao mesmo tempo, mais grandiosa: terra de deuses, pátria do Sol, nação de guerreiros.

Contam alguns que, quando a noite se aproxima, quando os montes estão esfumados, envoltos em véus de surpreendentes formas, pode-se ver passar uma caravana de estranhas figuras, como que saída do tempo, do silêncio, atravessando de um monte a outro, eternamente buscando pelas águas que curam. 



(1) localizado no lado sul da rota que une Mendoza a Santiago do Chile, a uma distância de 1.500 metros da "Puente del Inca", a seis quilômetros de Los Penitentes. 

(2) pessoa de grande sabedoria, professor, mestre.

(3) espírito da montanha

(4) (quepa ou pututu) - grande trombeta feita de um grande caracol marinho, com o canal interno espiral.

(5) em quéchua, Sol.












              (ARGENTINA - ÚLTIMO RAIO DE SOL DO GRANDE TAHUANTINSUYO)
















1.28.2011

PRINCESINHA DE PEDRA - A LENDA






Nos tempos do Império Inca, as gigantescas escadas que pendiam sobre o Vale Sagrado deixaram florir o maior e melhor milho do Tahuantinsuyo, as frutas mais doces, as flores mais belas e plantas medicinais para suprir os mercados. O mítico monte Linle foi esculpido para isso e os habitantes de Pisaq podiam orgulhar-se de viver ali.
Naquele lugar, Pachacutec mandara construir uma cidade-fortaleza para abrigar sua Panaka.

O lugar foi chamado Pisaq, pela enorme quantidade de perdizes (ou pisaqas) que lá existiam; hoje é chamada Linle, sem que haja uma explicação para o nome, talvez por ser o nome do monte. Para alguns autores, Pisaq vem da palavra quéchua pisaq, que seria o nome de um pássaro extinto; outros, dizem que era o nome do governador da região. O caso é que a palavra existe, em quéchua, e é utilizada para designar uma ave parecida com a perdiz europeia e que vive, especialmente, a três mil e oitocentos metros do nível do mar.
Às portas do Vale Sagrado dos Incas - um lugar cortado pelo sagrado rio Willkamayu que irriga suas entranhas e que por muitos séculos, ou mesmo milhares de anos, tem exalado magia e mistério.

Quando os visitantes vêm para a praça de Pisaq ainda podem encontrar um tipo de comércio que, se ao longo dos anos está desaparecendo, ainda persiste, apesar da força, inexorável, dos tempos modernos: é o sistema de trocas - este sistema comercial foi usado pelos antigos povos da Cordilheira dos Andes, muito antes dos Incas - é a troca de produtos sem dinheiro. Troca-se artesanato, produtos agrícolas, produtos animais como lã. É um sistema eficaz e simples, que permite a pessoas, de diferentes áreas geográficas, o acesso a outros produtos.

Para além das fachadas de pedra que ostentam detalhes de linhas perfeitas - muralhas... Aquedutos que conduziam a água pelas artérias da montanha sagrada... Ninhos de condor ao longo das vertentes, para além de torres e bastiões... Duas cidades de pedra, um observatório astronômico, templos magníficos, o Intiwatana, a necrópole nas cavidades da rocha, onde colocavam  os mortos...

Mais um dia amanhece e, diante da cidade, na encosta ocidental do Willkamayu, no alto de uma colina, o monólito, que tem a figura de uma mulher com phullu (uma espécie de manta) dobrado sobre os ombros, desafia o tempo, a distância e o amor - como o próprio Tahuantinsuyo, que ainda espera... como ela...


  
Há muitos e muitos anos... em Pisaq...


Seu povo, de boa índole, sofria com o assédio do povo da floresta, os antis, que, no tempo das chuvas, aproveitavam para invadir o lugar. Os Incas, seus aliados, não podiam ajudar, pois não conseguiam passar para o outro lado quando o rio ficava caudaloso. A linda princesa Inkill Chumpi  nascera nessa situação e, embora tivesse muitos pretendentes no próprio Vale Sagrado, quando menina ouvira o oráculo do arco-íris, Wankar Kuichi, que estivera prisioneiro em um dos morros diante de Pisaq, profetizar que muitos príncipes viriam de diferentes regiões e que casar-se-ia com ela aquele que pudesse construir a ponte sobre o rio em uma só noite.
Ela, então, afastava todos os pretendentes de Pisaq, esperando pelo prometido salvador, até que, certo dia, Asto Rimaq, filho do kuraka dos wallas, reino do misterioso Antisuyo, chegou. O jovem lhe trouxe muitos presentes maravilhosos porém, nenhum como o Qoriqenqe, belíssimo pássaro de dourada plumagem, com listras azuis, amarelas e vermelhas, e que revelava o futuro com seu doce canto. 
Ao tomar conhecimento da profecia de Wankar Kuichi, o Qoriqenqe declarou que a ponte seria construída em uma única noite e que as pedras se desprenderiam sozinhas das pedreiras. Os dois jovens, Inkill e Asto, deveriam cruzar o rio sagrado. Asto Rimaq ficaria na margem do rio e a linda Inkill subiria pela encosta levando a melhor Coca, como sagrada oferenda, deixando as folhas caírem ao chão, depois de beijá-las, constantemente, até chegar ao topo. Ele foi enfático ao afirmar que, se ela se voltasse para olhar, os dois jamais se veriam, outra vez, e morta estaria a esperança do seu povo.
Ela prometeu seguir as instruções do pássaro e, depois de atravessar o Willkamayu, começou a subir pela encosta. Mal caiu o primeiro punhado de Coca sentiu-se um tremor que foi crescendo até converter-se em um estrondoso movimento. As pedras se desprendiam sozinhas e os blocos voavam sobre as águas. Seu andar movia o ambiente como se tivesse vida. Algumas roçavam-se e o contacto produzia raios e relâmpagos. De repente, tudo parou, de uma vez. Foi então que, a linda Inkill não pode aguentar a curiosidade e, virando-se para olhar, foi transformada em pedra, enquanto o desditoso prometido era arrastado pelas turbulentas águas do Willkamayu - a gigantesca ponte não pode ser construída.
Consumida pela tristeza, a ave de Asto Rimaq disse que seu fim estava próximo e que, assim que morresse, entregassem sua plumagem ao Inca. O amarelo, segundo indicou, era o símbolo da riqueza, o azul, sinônimo da sabedoria e o vermelho, do poder. 
Disse ainda que o Inca deveria mantê-las juntas. Se as separasse, determinaria a queda do Tahuantinsuyo. Huayna Qhapaq, que não sabia disso, pois os sacerdotes guardaram o segredo só para eles, dividiu as penas que estavam em sua testa, cingidas pela maskapaycha, entre seus dois filhos, Huascar e Atahualpa, o que teria  precipitado o final do Império.

Essa lenda é muito linda e também muito triste; também muito mágica.
Pode ser lida em:
Maximiliano Rendon, "Leyendas del Valle Sagrado de los Incas y otros Estudios”, Cusco, 1960



 

1.27.2011

A ROSA DOS INCAS - ENTRE PÉTALAS DE SANGUE E DE PEDRA.

                                              pendente em forma de gota de rodocrosita



                                              Conta a lenda Diaguita que... (1)



Um chasqui da região de Andalgalá (2) fez questão de cobrir, ele mesmo, a imensa distância que o separava da Capital, a fim de entregar, pessoalmente, ao Inca, um presente. Depois de três longos dias e noites, alcançou as últimas pedras da estrada que levava à morada do Filho do Sol. Cansado, feliz e emocionado, apresentou ao Inca as pétalas cor de sangue de uma rosa, petrificada, que levava consigo, como dádiva...

'Certo dia, há muito tempo atrás, um destemido guerreiro inca decidiu, ousadamente, quebrando todas as regras do Tahuantinsuyo, adentrar o templo das Virgens do Sol, para espiar. Ao ver uma delas, apaixonou-se, sendo, por ela, correspondido. Do amor impossível, que os dois não puderam evitar, ela conceberia uma criança e, então, resolveram fugir, juntos, para o sul.
O Inca colocou grupos armados para persegui-los mas, jamais logrou encontrá-los. O tempo passou e tiveram muitos filhos, porém, eternamente amaldiçoados pela transgressão que haviam cometido. Quando ela morreu, sepultaram-na no topo da montanha e ele, não suportando a solidão, morreu logo depois...'

Certa tarde, o chasqui, encontrando sua tumba, ficou impressionado ao ver que desabrochava, em pétalas de sangue, a pedra que a cobria. Ele, então, arrancou uma das rosas para presenteá-la ao Inca. Este, aceitando a rosa de rodocrosita que lhe oferecia o chasqui, emocionou-se, de tal modo, que perdoou o amor dos amantes fugitivos e, a partir de então, todas as princesas passaram a usar pedaços da pedra como símbolo de paz, perdão e profundo amor.



Esta é uma lenda diaguita. O povo diaguita ocupou o território da atual província de Catamarca, La Rioja, Santiago del Estero e Tucumán (Argentina).
   





A pedra, é a Rodocrosita. Os Incas, que a chamaram de "Rosa Inca", acreditavam que a rodocrosita era o sangue de seus antigos reis e rainhas que fora transformado em pedra.







Rodocrosita é a Pedra Nacional da Argentina, também chamada "piedra del inca". 
A mineralização é de origem vulcânica, localizada em uma cratera, constituída por riolita, nas SIERRAS CAPILLITAS, pertencente ao Nevado de Aconquija, na província de Catamarca, na Argentina, a 3.200 metros acima do nível o mar. 
A região de Catamarca produz estalactites de rodocrosita que são únicas em sua coloração. Ao fazer cortes transversais, pode-se ter faixas concêntricas de luz e sombra, sempre brincando com os tons.






No noroeste argentino, nos Vales Calchaquies, os diaguitas desenvolveram uma cultura rica. Resistiram, por mais de cem anos, ao avanço espanhol: guerras Calchaquies, nas quais se destacaram os líderes Kipildor (Quipildor), Viltipoco (1561), Chalemin, Juan Calchaqui, Koronhuila ( chamado pelos espanhóis de Coronilla).

Existem umas 62.000 pessoas que falam espanhol, na província argentina de Catamarca, Salta, Santiago del Estero, La Rioja e extremo noroeste de Tucumán que, em 2001, se consideravam pertencentes a esse grupo étnico. No entanto, os diaguitas foram extintos, como parte, é claro, da invasão espanhola em território americano. Trouxeram a guerra, a fome, as doenças e, por último, a mestiçagem. 

No momento da chegada espanhola, os diaguitas estavam incorporados ao Tahuantinsuyo, perfeitamente adaptados; tendo alcançado um alto nível na exploração agrícola e na criação de lhamas. Fabricavam adornos de prata e cobre e eram mestres na arte da cerâmica.






A música diaguita pode ser conhecida através de estudos arqueológicos. Nos cemitérios foram encontrados instrumentos musicaiss, tais como a flauta andina de quatro vozes feita de pedra - provavelmente, essas flautas eram populares e tenham sido, também, fabricadas de materiais mais leves, de madeira ou bambú. Também foram encontrados cornetas, apitos de pedra, com um furo lateral, que emite um som agudo, dependendo de estar tampado, ou não, o orifício. Pelos instrumentos encontrados, pode-se apurar que sua música tinha tom militar.



Pallo de lluvia - inicialmente idealizado para atrair a chuva em época de seca e colheita; é feito de tronco de cacto e reproduz um som de chuva que, dependendo do movimento das mãos e do tamanho do instrumento, vai desde o som de um chuvisco ao de uma tormenta.


Viviam em casas de pedra com telhados de palha. Eram bravos guerreiros que, antes de se incorporar ao Tahuantinsuyo, haviam lutado com os Incas; combateram os espanhóis, de modo ferrenho, e suas armas típicas eram o arco e a flecha - combatiam a pé. Em tempos de guerra, os diaguitas habitavam aldeias fortificadas ou "pukara", localizadas em lugares elevados e de difícil acesso; de fácil defesa e apropriados para lançar objetos, desde o alto, nos que os atacavam. Esses lugares eram construídos com muralhas de pedra e, algumas vezes, com entradas de madeira. Em tempos de paz, suas casas eram construídas com materiais vegetais e os terrenos divididos com pircas (3).



A economia diaguita baseava-se na agricultura e criação de lhamas, úteis no transporte da carga; completando-a com caça a aves e pequenos animais e o comércio entre outros povos, principalmente os povos litorâneos, dos quais obtinham peixes, mariscos, conchas, etc. Cultivavam o milho, abóbora, batata, quinua... Com os povos do interior, faziam intercâmbio de metais, coca e alguns alimentos vegetais.

As características geográficas da região onde habitavam os diaguitas corresponde aos "Valles Transversales", formados pelas cadeias montanhosas que se desprendem da Cordilheira dos Andes, interrompendo a planície interior. A vegetação écomposta por bosques, alfarrobeiras; a fauna, por raposas e perdizes, entre outros animais. 

Todas estas culturas foram de alto desempenho. Além das atividades que realizavam, dedicavam-se, muito, ao pastoreio do rebanho de lhamas, que desenvolveram a partir da domesticação dos animais. Quase durante todo o ano os animais alimentavam-se nos arredores dos vales mas, no verão, os rebanhos eram levados aos ricos pastos da Cordilheira.


Homens e mulheres eram de estatura bem baixa, de cor bronzeada clara. Praticavam a deformação craniana, prática comum entre eles. Adoravam o Sol. Possuíam sacerdotes, magos e feiticeiros. Acreditavam na imortalidade da alma.

(1) também chamados Calchaquies

(2) município da Argentina localizado na província de Catamarca

(3) muros de pedra seca, típico dos Andes 

 * Rodocrosita - O seu nome deriva da palavra grega para cor-de-rosa.



               (ARGENTINA, ÚLTIMO RAIO DE SOL DO GRANDE TAHUANTINSUYO)








                                                                            

1.26.2011

RUMIÑAHUI - O GENERAL DO OLHO DE PEDRA




"No ano de 1985 o Congresso Equatoriano determinou que o dia primeiro de dezembro de cada ano fosse um dia de lembrar Rumiñahui como herói e defensor do Reino de Quito."

Rumiñahui é um apelido; em quéchua significa " olho de pedra ". Certamente, além das referências históricas, que exaltam sua atitude firme contra os espanhóis, na Batalha de Monte Chimborazo, fora sempre um dos melhores guerreiros, senão o melhor, do exército de Atahualpa. 


Nascido em Pillaro, na atual província de Tungurahua, no Equador, com o nome de Pillahuaso, morreu no dia 25 de junho de 1535, após haver liderado a resistência contra os espanhóis, no norte do Império Inca ( atual Equador), em 1533. Assumiu a resistência, com mão de ferro, depois do assassinato de Atahualpa, pelos espanhóis, em Cajamarca. Os historiadores tendem a crer que tenha sido meio-irmão de Atahualpa, filho de alguma nobre, de Quito, com o Inca Huayna Capac.


Quando Francisco Pizarro prendeu Atahualpa, exigindo o resgate, Rumiñahui, prontamente, marchou para Cajamarca, levando uma grande quantidade de ouro mas, como se sabe, os espanhóis quebraram a palavra e Atahualpa foi morto antes que ele chegasse lá, o que fez com que voltasse a Quito, escondendo o tesouro, como já foi dito, anteriormente, na região de Llanganates.


Tomando conhecimento da resistência de Rumiñahui, Francisco Pizarro enviou seu lugar-tenente, Sebastián de Benalcázar, para tomar Quito e trazer todo o ouro que pudesse ser conseguido. As forças de Rumiñahui e Benalcázar se encontraram na Batalha de Monte Chimborazo, onde Rumiñahui foi derrotado. No entanto, antes que as forças espanholas invadissem Quito, Rumiñahui ordenou que fosse queimada até o chão, e que, as ñustas (virgens do templo) fossem mortas para preservar sua honra. Rumiñahui foi, finalmente, capturado, torturado e morto pelos espanhóis, mas nunca revelou a localização do tesouro.


Como general dos exércitos de Cuzco, Rumiñahui é lembrado por ter participado, em várias campanhas, nas quais ele pode secundar o próprio Atahuallpa e, constantemente, o acompanhava. Com a morte de Huayna Capac a aproximação entre os dois foi, naturalmente, ainda maior, seja pela experiência vivida, seja pela precipitação dos acontecimentos futuros. 
Rumiñahui teve intensa participação na guerra civil, movida por Atahualpa ao seu irmão, legítimo Inca de Cusco, Huascar Inca, mantendo estreito contato com seu líder. No início das hostilidades, esteve presente nos confrontos mais importantes, ao lado de Quizquiz e Chalcochima mas, quando a área de operações foi transferida para a capital inca, ele foi designado para proteger a retaguarda. Desse modo, encontrava-se em Cajamarca no terrível momento da captura de Atahualpa. 
Ao que parece, experiente general, quis atacar os espanhóis no momento de sua chegada; Atahualpa, no entanto, preferiu não fazê-lo. Rumiñahui permaneceu, então, acampado fora da cidade, com um exército armado de cinco mil soldados.
Historiadores e leigos (e eu) deparam-se com uma única questão que, ao que parece, jamais será respondida. 










Por que, então, Rumiñahui não moveu o seu exército e destruiu os espanhóis, naquele momento?
                                                    (minha pergunta de quinhentos anos)



Podemos inferir que a férrea disciplina militar incaica não permitiria que ele tomasse uma tal decisão sozinho, o que o fez esperar pela decisão de Atahualpa, mesmo em poder dos espanhóis. Em segundo lugar, por causa da rapidez da ação e da confusão causada, uma interferência sua poderia atentar contra a integridade física do Inca que, naquele momento, encontrava-se preso bem no meio dos inimigos e da matança.
Quando a derrota inca foi, claramente, exposta, Rumiñahui ordenou a retirada do exército para Quito, sem sofrer nenhuma perda.


Durante o cativeiro de Atahualpa, limitou-se a controlar a presença espanhola, enquanto a coleta do tesouro para o resgate era supervisionada, pessoalmente, por Quilliscache, irmão do Inca. Com a morte de Atahualpa, Rumiñahui percebeu que os espanhóis chegariam até os territórios e preparou-se para agir. Encontrou a oposição de Quilliscache que, preferia usar de diplomacia com os estrangeiros que já haviam dado provas de invencibilidade.


Revoltado com a fraqueza do herdeiro legítimo de Atahualpa, decidiu agir. Com o pretexto de um banquete em homenagem póstuma ao Inca, reuniu todos os parentes de Atahualpa e seus fiéis e, no meio da reunião, prendeu todo mundo. Antes de nomear-se Senhor de Quito, matou a Quilliscache, considerando-o um traidor da terra de seus antepassados. Os cronistas espanhóis fazem um relato macabro dessa morte, o que prefiro não compactuar, pois também haviam dito que ele matara todos os filhos de Atahualpa nessa ocasião, o que não procede, visto que, depois, apareceram vivos.


Inicialmente, as forças espanholas só podiam contar com as tropas de Banalcazar que, por conta própria, aventurara-se na conquista do território do norte, cego pela possibilidade de encontrar ouro, pois era dito que haveria em grande quantidade.
O lugar-tenente de Pizarro, acompanhado de Almagro, veio, logo, juntar-se a ele, com poucos homens, no sentido de fazê-lo voltar à razão. Paulatinamente, esse contingente foi reforçado com a chegada de Don Pedro de Alvarado, conquistador do México, que havia alcançado os Andes, a partir de Puerto Viejo, deixando, atrás de si, um número impressionante de vítimas. Mesmo Rumiñahui não estava sozinho. O exército de Zope-Zopahua e o de Quizquiz, vindo da região de Cusco, vieram juntar-se a ele. Os três exércitos operavam, separadamente, o que teria facilitado aos espanhóis combatê-los, um a um, com vantagens estratégicas.


No entanto, o que teria definido o conflito, fora a presença dos Cañari, que se aliaram aos invasores. Antigos inimigos do povo de Quito, acreditaram poder aproveitar-se da ocasião para derrotar seus "opressores" e obter liberdade. Abasteciam os espanhóis com os suprimentos necessários, encarregavam-se do transporte de bagagens e, na hora da batalha, eram os primeiros a entrar em combate, deixando que os espanhóis interviessem no meio da luta para resolver a situação.


As primeiras batalhas, no entanto, foram acirradas: Teocajas, Ambato, Pancallo e Latacunga foram favoráveis aos exércitos de Quito, que não perdiam terreno. Quizquiz, sozinho, matou quatorze inimigos em uma única luta, obrigando o exército espanhol a recuar. No entanto, um estranho fato fez com que fosse morto por seus próprios homens que queriam um estado de guerrilha.
Rumiñahui organizou táticas para lidar com os cavalos: buracos no chão cobertos por galhos e folhas, para impedir o avanço deles, mas, os Cañari seguiam na frente, desmantelando as armadilhas.


Quando os espanhóis, finalmente, entraram em Quito, encontraram-na incendiada e abandonada.
Perseguidos pela cavalaria, os guerreiros de Quito fizeram verdadeiros malabarismos, no entanto, estavam acostumados a batalhas rápidas, enquanto os estrangeiros a longas campanhas. As deserções cresceram, dia após dia, e Rumiñahui foi forçado a deixar a área, perseguido pelos inimigos. Restava-lhe um punhado de homens; o líder invencível tentou, ainda uma vez, a fuga mas, foi feito prisioneiro, depois de uma terrível luta. Pouco depois, Zope-Zopahua, também, caiu prisioneiro, aparentemente abandonado pelos seus e forçado a entregar-se. Rumiñahui e os outros foram submetidos a tortura, mas não revelaram nada. Vendo que seus esforços eram inúteis, os espanhóis decidiram pela sua morte e, em 25 de junho de 1535, Rumiñahui, Zopa-Zopahua, Quingalumba, Razorazo e Sina foram executados, de forma bárbara.




Rumiñahui, no Equador, é considerado "defensor de Quito", herói nacional e, sobre ele, muitas obras foram escritas. 




1) Llescas, segundo cronistas espanhóis.









 

QHAPAQ ÑAN - O CAMINHO DO GRANDE SENHOR.









"O jovem estacou, arfando algum cansaço, enquanto tentava suspirar e respirar, ao mesmo tempo. A visão dos Andes assolou seus sentidos, com mais força ainda, sufocando-o completamente. Experimentado em muitos caminhos, soltou a bicicleta, olhando seus companheiros, lá em baixo, e arfou de novo. 'Não, definitivamente, não existe nada parecido com isso.' Subira um pouco mais que os outros, conduzindo a bike com cuidado, arriscando-se, às vezes, para espiar. Haviam rodado uma centena de metros e chegado ao sopé de uma montanha e, depois de alguns minutos, depois de alguns arbustos, o monte de rochas cinzentas, desordenadamente arranjadas pela mão do tempo, anunciava, uns metros mais acima, o Qhapac Ñan, o Caminho Real (1), como uma fina linha cinzenta, subindo pelos penhascos, como todos tinham visto, perplexos, desde a quietude da estrada. Lembrou-se de tudo o que lera sobre o Caminho e constatou que palavras jamais poderiam descrevê-lo. Nenhum ser humano poderia descrever a emoção da descoberta. Foi como voltar quinhentos anos no tempo; foi como ver o ir e vir da Civilização da América. Sentiu um pouco de inveja de não pertencer a tudo isso e, então, pensou, 'estou aqui!'. Gritou para os companheiros que cenaram, sorrindo de volta, cheios de entusiasmo e alegria. Então, galgou, com força e segurança, os metros que o separavam do Qhapac Ñan. Pisou nele com a reverência de quem começa a voltar para casa. Gritou, 'ah!' com toda a força de seus pulmões, quase com raiva, misturando todos os sentimentos em um mesmo pacote. Não pensou nos rapazes, lá embaixo, esqueceu-se de tudo o que vivera até ali. Seus pés estavam, finalmente, sobre o Caminho do Grande Senhor."






A partir da praça de Wakaypata, que delimitava a dualidade da cidade de Cusco em Hanan e Hurin (Alto e Baixo Cusco), confluíam os quatro caminhos incas, pois a cidade era o centro de convergência da Rede Viária do Qhapac Ñan. Este, com suas confluências, foi a chave de toda a organização social e espacial da vida inca, além de agregar funções adinistrativas, econômicas, políticas, religiosas e, também, bélicas. A partir do Qhapac Ñan, toda uma rede de caminhos secundários, igualmente importantes, ligava, completamente, o Tahuantinsuyo.


Pavimentadas com pedras, apesar da concepção das estradas não ter um padrão único e, sim, adaptado à geografia de cada região, foram feitas para durar. A largura das estradas também varia: em algumas áreas chega a ter 15 metros, em outras, atinge um metro e meio, para poder flanquear algumas ravinas ou barrancos. Ao longo de toda a rede viária, a cada vinte quilômetros, ou segundo a necessidade, havia construções chamadas tambos (2). Esses tambos podiam acomodar os transeuntes e viajantes, além de armazenar alimentos, grãos e roupas. O exército imperial inca, quando em campanha, também, servia-se desses tambos. O Qhapaq Ñan foi a base para o desenvolvimento do Tahuantinsuyo e sua consolidação como Império -  se estendia até o norte da Argentina, norte do Chile, Bolívia, todo o Peru e Equador, chegando ao sul da Colômbia. Unindo selva, serra e litoral, o caminho andino, que se desdobrava em todo um sistema de estradas e pontes, com um intenso tráfego de pessoas, animais e mercadorias, deixou de cumprir seu papel original assumindo seu lugar na História, como parte integrante da Cultura do Planeta.


O Caminho Principal possuía 5.200 quilômetros e ia de Quito (Equador) até Cusco (Peru), e terminava no que é hoje Tucumán, Argentina, cruzando montanhas e colinas, com alturas de mais de 5.000 metros. 


O Caminho da Costa, paralelo ao mar, possuía 4.000 quilômetros e ligava-se ao Qhapac Ñan através de várias conexões. Tanto este quanto a Via Costeira possuíam uma largura máxima de quatro metros.
São quatro as principais estradas. A primeira ia de Cusco (Peru) até Quito (Equador) e Pasto (Colômbia). A segunda estrada ia de Cusco para Nazca (centro do Perú) e Tumbes ( fronteira entre Perú e Equador). Uma terceira estrada principal ia de Cusco a Chuquiabo (Bolívia). E a quarta via levava de Cusco para Arica (Chile), com ramificações até o rio Maule (Chile) e San Miguel de Tucumán (Argentina).


O Qhapac Ñan tornou-se um caminho mítico e o símbolo de toda a grande Civilização da Antiga América do Sul, passando a representar, no coração dos que o buscam nos dias atuais, um sentido mais espiritual, mais fluido, mais imaginário, do que representava para o povo Inca em sua realidade cotidiana. O que era material assume, hoje, um caráter espiritual e aventureiro - unindo o passado ao presente, através de seu pavimento de pedras cinzentas; transportando-nos, de volta, às origens de uma América tão pouco compreendida.
Construído durante o auge do Império, no século XV, era seu traço de união e vetor de intercâmbio e circulação, irrigando-o com vida, conduzindo, diariamente, pessoas de todas as "classes", como militares, comerciantes, artesãos e... os chasquis. Estes, eram mensageiros que, revezando-se a cada cinco quilômetros, corriam pelas estradas, para levar toda espécie de mensagens, o que permitia que elas chegassem o mais rápido possível ao seu destino.


A cada sete quilômetros havia um Pukara (3) que controlava o movimento das estradas, a cada vinte quilômetros, um tambo, e a cada cinquenta quilômetros, chegava-se a uma cidade importante. Até hoje, mesmo através de caminhos menos preservados, pode-se chegar a todos os grandes lugares de cerimonial pré-colombianos, tais como Chavin de Huantar, Tihuanaku, Machu Picchu, Vale Sagrado do Urubamba, às grandes cidades do Império como Tumebamba e Cusco, numerosas ruínas de edifícios militares, comunidades rurais e centros urbanos, cidades coloniais históricas, como Ingarpica, Cuenca, Cajamarca y Tarma. Concomitantemente, pode-se, até mesmo, chegar a sítios arqueológicos de outras culturas pré-colombianas como a dos Cañaris, Mochica, Chimu.


Especificamente em Cajamarca, palco triste do que representou o "fim" do Tahuantinsuyo, com a prisão e morte de Atahualpa, o Qhapaq Ñan do Chinchaysuyo percorre a região, longitudinalmente, com caminhos secundários, transversais, o que faz com que Cajamarca esteja entrecortada de antigas estradas. De norte a sul o Qhapac Ñan, vindo de Huamachuco até Cajabamba, passando por Cauday, baixando ao río Crisnejas, subindo até Chancay pela subida do Inca, dali passando Ichocán, San Marcos, Namora, contornando a lagoa de Sulluscocha até chegar aos Banhos do Inca (Pultumarca, local favorito de Atahualpa), atravesando la zona de Shaullo. Dos Banhos do Inca, o caminho conduz a Cajamarca e, dalí, até Rumichaca, depois Incatambo (San Pablo), subindo, outra vez, até o noroeste, até Chancay Baños (Santa Cruz) passando pela área de Pucará antes de cruzar, várias vezes, la ravina de Huancabamba para alcançar, depois, Caxas e Ayabaca, em Piura. Completando, ainda existem vestígios desses caminhos de Cajamarca a Hualgayoc, a Bambamarca e a Celendín, na estrada para Chachapoyas. Há, ainda, um caminho transversal partindo de Huancabamba, em Piura, que passa por San Ignacio e Jaén, em Cajamarca, indo em direção a Kuelap em Chachapoyas. Outros, ainda, ligando Cajamarca à costa pelo vale de Chicama em La Libertad ou pelo vale de Jequetepeque até Lambayeque.




Ainda que os especialistas no assunto comparem o Qhapac Ñan à rede de estrada do antigo Império Romano, particularmente, creio eu que não possa haver comparação possível, visto que foi construído nas alturas dos Andes, chegando a cinco mil metros acima do nível do mar, com todas as dificuldades que a obra de engenharia teve de enfrentar para sua realização. É, definitivamente, uma das grandes maravilhas do mundo, atravessando quinze ecorregiões diferentes, quatro delas ameaçadas de extinção ( Yungas Peruanas, os Cerrados Secos do Marañón, o Matagal Chileno e a Selva de Inverno do Chile.





O "Qhapaq Ñan", O Grande Caminho Inca, que estendia suas veias através de suas estradas e trilhas, ao longo de quarenta mil quilômetros, unindo os Andes - montanhas, litoral e selva foi declarado pela Unesco, em 21 de junho de 2014, Patrimônio Mundial da Humanidade.
O reconhecimento permitirá financiamento de organizações internacionais para a conservação e a restauração dos caminhos e santuários erguidos em torno da via.

Na Bolívia,  há dois trechos desse caminho: o caminho "Takesi" e a rota do "El Choro". O primeiro se estende por 70 km e o segundo, por 90 km, ambos ao norte de La Paz.
Infelizmente, há  trechos descobertos em mal estado de conservação e muitos foram destruídos, alguns chegaram a ser usados por caminhões da atividade de mineração.

No Peru, o caminho teve vários setores afetados por agricultores e autoridades. Em Chachapoyas, na selva central peruana, foi destruído para que fosse construída uma trilha com espaço para veículos usados na mineração.



(1) Caminho Principal (ou Real).


(2) em Quéchua, significa descanso.


(3) Posto Fortificado, Aduaneira.









                                                                     

1.25.2011

QUENA - A VOZ DA MONTANHA, QUE CHAMA...




Quena é a flauta dos Andes, construída de madeira ou bambú que, antigamente, era feita de osso, argila ou metal. A típica quena dos incas possuía  vinte centímetros de comprimento, feita do osso da pata da lhama. Possuem seis furos em linha reta, na parte da frente.


Conta a lenda que...


Nos tempos antigos as Virgens do Sol , que utilizavam lã de vicunha para tecer os mantos sagrados, saíam para ir juntas aos mercados para escolher os mais bonitos novelos. Em uma dessas visitas, foram acompanhadas pela filha de um grande curaca (1). Andaram por um caminho que se alongava em meio a pequenas colinas até chegar ao seu destino. De repente, do alto, veio o som de uma flauta que só a filha do curaca parecia ouvir. Deteve-se ela e, então, como em um sonho, caminhou, lentamente, até aquele que tocava a flauta misteriosa. Quando alcançou o espaço aberto de onde estava vindo o som, pode observar que era um pastor de lhamas que, enquanto apascentava os animais, tocava seu instrumento. 


Apaixonaram-se no momento em que, em silêncio, se olharam...


No entanto, a diferença social que havia entre os dois era uma barreira a esse amor e, encontravam-se com dificuldade; só se viam quando ele a chamava com sua flauta, tocando a mesma canção que ela escutara a primeira vez. 
Uma tarde ela não veio. Em vão o pastor tocou a flauta, muitas vezes, chamando-a. 


O crepúsculo trouxe a noite quando ele, sem poder suportar mais, desceu até o povoado para averiguar a causa de sua ausência. A aldeia estava em festa e a moça que ele amava iria se casar com o filho de um curaca vizinho, inimigo do pai da garota. O noivo chegara com um séquito e muitos presentes. Os moradores olhavam, admirados, tanta riqueza, porém, com indiferença.
Quando a buscaram, para que recebesse o noivo, não a encontraram. Havia desaparecido como que tragada pela terra. Em vão, a buscaram. Pensou-se até que o pai não queria casá-la com o filho do inimigo. Houve ameaças e o povo saiu a procurá-la até nas aldeias mais afastadas sem, no entanto, lograr êxito.


Tempos depois acharam-na morta, no lugar onde, sempre, encontrava-se com o pastor de lhamas. Passou o tempo  e sua tumba, todas as manhãs, estava coberta de flores do campo. Um dia, porém, a encontraram profanada. 


O pastor, enlouquecido, havia tirado, de seus restos mortais, um osso da perna, fugindo para longe. Com o osso fez uma flauta que soava mais doce do que qualquer outra. E, todos os dias, ao entardecer, sentado diante da imensidão das montanhas, tocava sua flauta, como antes, chamando a amada, que não esquecia. Por isso dizem que a quena é tão suave e melancólica, porque nasceu da dor do amor...




 (1) Curaca: oficial do Império Inca, que ocupava a posição de magistrado, cerca de quatro níveis abaixo do Sapa Inca. Os Curacas foram os chefes dos ayllus ( clã da família ).





                                                                    







                                                                            

1.24.2011

A ESTÓRIA E O VERDADEIRO INCA.



Detalhe central do mural da  "historia del Qosqo"( por Juan Bravo), para o município de Cusco: a figura central é Pachacutec, como reconhecimento ao iniciador da expansão inca, a organização do Tahuantinsuyo e o legado que dura até hoje.


A Lenda do Amor Rebelde.


Essa estória de um autor anônimo deve ter servido para embalar muito sono de criança mas, como todas as lendas, servem para lições e para manter a memória viva. Não é diferente do que acreditar no Mapinguay, por exemplo, um enorme e corpulento animal, de um só olho e com as patas traseiras de boi terminadas em garras; a única maneira de destruí-lo seria cortando-lhe o olho. Para exemplificar o que digo, basta pensar na lenda do Chullachaqui, demônio da selva, criado, pelos padres espanhóis, para obrigar os incas a batizarem-se na igreja católica; ele aparece a todas as pessoas que não crêem em Deus e que não estão batizadas.


Bem, desse modo, leiam com bondade o conto de fadas que usei para ilustrar, de forma inversa, o que foi uma Civilização que pautava pelo cumprimento do dever de cada um para que os direitos de todos pudessem existir.



Ollantay:  Rebelião por Amor. 
  
Conta-se que o capitão Ollanta (ou Ollantay) apaixonara-se por Cusi-Coyllur, filha do Inca Pachacutec. Ao pedir a mão da princesa e ter seu pedido negado, revoltou-se, trancando-se em uma fortaleza. No entando, desse amor, a princesa Cusi-Coyllur dá à luz uma filha e o Inca Pachacutec morre de indignação e vergonha. 
O príncipe herdeiro, então, vinga-se, sitiando Ollanta e encerrando sua irmã em uma prisão. Depois de muitos anos, quando o Inca, finalmente, consegue a rendição da fortaleza, Hima-Sumac, filha do capitão e da princesa, intercede pelos dois, obtendo  perdão para ele e a libertação da mãe. 

Não que um Inca não pudesse apaixonar-se ou que não estivesse, enquanto ser humano, sujeito a isso. Mas, como disse, anteriormente, a estrutura do Tahuantinsuyo era uma verdadeira "máquina", com perfeitos encaixes, que não davam margem a atos  ¨desvairados¨. Em primeiro lugar, havia um respeito muito grande pela sociedade como um todo - ainda que ela fosse uma princesa, ninguém colocaria o Império em perigo por amor; a menos que ele não fosse Inca, o que não é o caso. 
Todos no Tahuantinsuyo sabiam qual era o seu lugar e o ocupavam com propriedade, era isso que garantia, sem ser preciso a força das armas; o funcionamento perfeito da "máquina" era o que proporcionava vida em abundância, prosperidade e fartura para todos. 
Também, nenhum Inca, muito menos Pachacutec, iria morrer de indignação ou vergonha. Antes, uma outra solução prática qualquer teria sido aplicada com referência ao tal capitão. 
Não  teriam perdido tantos anos, nem investido tanto, para sitiar uma fortaleza inútil, que não traria benefícios ao Império, nem acrescentaria nada a ele. Um Inca tinha suas responsabilidades, tinha também regras a seguir, não tomava decisões que não levassem a um bem comum - para isso contava com as Panacas, famílias nobres tradicionais que o circundavam, mesmo a sua prória Panaca; e todas elas ainda teriam de ouvir as múmias de seus ancestrais para tomar decisões. Isso era uma prática diária no Tahuantinsuyo. 
E, depois de tudo isso, dizer que a filha dos dois teria conseguido obter o perdão seria ultrapassar a loucura em si mesma. Viver no Tahuantinsuyo era uma dádiva; muitos povos, quando conquistados, por vezes sem a força de armas,  aceitavam fazer parte do Império, pois sabiam que isso era garantia de fartas colheitas e uma vida cheia de benefícios; benefícios esses que eram iguais para todos. As crianças, ao nascer, recebiam um "topo" de terra, o que lhes garantiria o sustento através da vida; os jovens, ao casar, recebiam ajuda para construir sua casa - ninguém ficava ao relento. Quando alguém morria, o "topo" voltava para o Estado para ser doado a outro recém-nascido. 
Para finalizar, trata-se de Pachacutec (Pachakutiq). Nada mais, nada menos do que o iniciador do Tahuantinsuyo. Sua figura representa o início de toda uma época de transição e reestruturação da sociedade inca, uma etapa de mudanças que continuaria, depois de sua morte, em 1471, com seu filho,  Tupac Yupanqui e seu neto, Huayna Capac. Foi ele quem, realmente, transformou o Tahuantinsuyo em um Império. 
Sua visão de Estadista e guerreiro conquistou muitas etnias e estados, expandindo seus domínios, sendo considerado um líder excepcional. Muitos hinos e épicos seriam cantados e contados sobre ele, como tributos a seus feitos.

Pachacutec, "aquele que muda o rumo da terra".

"... e os tais senhores caciques saíram de lá bem onde estava Wiracocha Inca e contaram a ele como o Inca Yupanqui os mandou ali para ver em que eram servidos, que eles o serviriam; e como Virachoca Inca os viu na sua frente e tão grande multidão de senhores e de tanto poder, regozijou-se muito daquilo (...) Depois de distribuir copos de chicha e porções de coca para eles, Viracocha Inca pôs-se de pé e considerando que, desde que seu filho mandara aqueles senhores e eles tanto o amavam e o queriam como senhor, era justo que ele também os encorajasse nisto. Fez-lhes uma certa oração, pela qual lhes agradeceu o que fizeram por ele e por seu filho, e que já sabiam (.. .) que até então tinha sido senhor de Cusco, e que saiu de lá por motivos que o moveram para isso; e que a partir de então Inca Yupanqui, seu filho,  seria  senhor da cidade de Cusco ”. Retirado de "Suma y Narración de los Incas", cronista Juan de Betanzos.




Ainda quando não havia sido designado como sucessor por seu pai, Wiracocha Inca, no momento em que este e seu filho Inca Urco, saíram da Capital, diante da iminência de um ataque mortal e sob terrível ameaça dos Chancas, tomou a si a tarefa de proteger a cidade e a vitória sobre eles fez com que Wiracocha o reconhecesse como sucessor em 1438. 


Implantou o sistema de mitmakuna, ou mitimaes -traslados- em todo o Tahuantinsuyo: eram grupos de pessoas enviadas pelo Estado a qualquer ponto conquistado pelo Inca a fim de realizar tarefas específicas de coesão. Colonizavam, ensinavam as técnicas e modos de produção cusquenhos, ou seja, da capital Cusco, ensinavam leis e costumes, divulgavam a religião dos Incas. Também controlavam as populações recém-incorporadas ao Tahuantinsuyo, produzindo os elementos básicos para cobrir suas necessidades, reproduzindo traços culturais para incorporá-los ao todo.
Com o aumento do Império, aumentou também a demanda de alimentos, moradias e necessidades básicas, pelo que Pachacutec investiu em uma série de obras de construção, como a formação de novos bairros , novas praças, etc,. Além  disso fez transformações na área agrícola, intensificando a produção, graças à criação de canais para melhor distribuição de água, bem como todo um novo sistema de armazenamento e a construção de plataformas - andenes - que eram terraços para plantio. Remanejou áreas, ao redor de Cusco, para que fossem utilizadas como sementeiras, relocando seus moradores, transferindo-os para outros lugares igualmente férteis.
Reedificou o Templo do Sol, tranformando-o de um humilde lugar de culto so sol a um suntuoso templo que passou a ser conhecido como Qoricancha (Templo de Ouro).
Foi quem organizou o Império em quatro regiôes, ou suyos (Tawantinsuyo - as quatro regiões), tendo como centro a cidade de Cusco, o umbigo, ou centro do mundo: a leste, Antisuyo, a oeste Contisuyo, ao norte o Chinchaysuyo e, ao sul, o Collasuyo. 


Diversas crônicas afirman que foi tambén um grande administrador, planificador, filósofo, observador da psicología humana e carismático general. Juan Díez de Betanzos em sua "Suma y Narración de los Incas" (1551) diz que Pachacutec foi um jovem íntegro, "muito virtuoso, gostava muito de ajudar os pobres¨.



                                    Monumento a Pachacutec em Aguas Calientes, 
                                              perto de Machu Picchu, no Perú.