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2.05.2021

Desvendando a Mancha de Sangurimas do Derrotero de Valverde.

 

                    

A mancha conspícua (1) de sangurimas que salta à vista e chama a atenção.


As "Sangurimas" na floresta são descritas para mim como árvores com folhagem branca; mas eu não consigo descobrir se elas são uma espécie de Cecropia ou de algum gênero relacionado. As "Flechas" são provavelmente a gigantesca cana-de-flecha, Gynerium saccharoides, cuja haste floral é o habitual material para flechas de índio. ¨                                                                                                                      Richard Spruce





O botânico escocês Richard Spruce, viajou pela América do Sul, a partir da costa  atlântica brasileira até a costa do Pacífico do Equador, de 1849 a 1864.  Foi o primeiro etnobotânico da América do Sul (2), descrevendo pela primeira vez as plantas usadas por várias tribos amazônicas, como as espécies alucinógenas usadas pelos xamãs e as espécies tóxicas usadas como ingredientes em venenos. Registrou o vocabulário de 21 línguas indígenas amazônicas, descobrindo um grande número de novas espécies de plantas, incluindo 400 espécies de briófitas como musgos e hepáticas, que eram sua especialidade. 
Mas, na verdade, as sangurimas são Espeletia, um gênero botânico pertencente à família Asteraceae. 


Espeletia, comumente conhecida como 'frailejones' ("grandes monges"), é um gênero de subarbustos perenes, da família do girassol. O gênero foi descrito formalmente pela primeira vez em 1808 e batizado em homenagem ao vice-rei de Nova Granada, José Manuel de Ezpeleta.


Espeletia killipii (ou espeletia argentea) prospera em ecossistemas de páramos de alta altitude, exibindo uma impressionante roseta de longas folhas prateadas projetadas para minimizar a perda de calor. O tronco é espesso, com folhas suculentas e peludas dispostas em denso padrão espiral e as folhas murchas ajudam a proteger as plantas do frio. 


Distinta por suas grandes flores amarelas em forma de margarida, espeletia killipii utiliza essas flores não apenas para reprodução, mas também como um farol para os escassos polinizadores de seus duros habitats de montanha. 

Espeletia é bem conhecida por contribuir para o mundo na sustentabilidade da água, ao capturar o vapor de água das nuvens que passam em seu tronco esponjoso,  liberando-o através das raízes no solo, ajudando a criar vastos depósitos de água subterrânea de alta altitude e lagos que eventualmente formarão rios. 



No coração da enigmática cordilheira Llanganates do Equador, essa árvore misteriosa e resistente prospera nas florestas envoltas em névoa. Reconhecida por suas características únicas e conexão com a tradição local, esta árvore ocupa um lugar fascinante na história e cultura equatorianas. Muito especial é sua associação com o lendário "Derrotero de Valverde", um guia que supostamente conduziria a um dos maiores tesouros escondidos da história: o tesouro perdido de Atahualpa, o último imperador Inca.



A árvore espeletia, nativa da região de Llanganates, é uma espécie robusta e duradoura adaptada às condições desafiadoras de seu habitat de alta altitude. Essas árvores são caracterizadas por seus troncos retorcidos, casca coberta de musgo e folhas perenes, que lhes dão uma aparência marcante contra o pano de fundo enevoado dos Andes.


A espeletia é extremamente valorizada pelas comunidades locais por sua importância ecológica e prática. Suas raízes contribuem para a estabilização das encostas das montanhas, prevenindo a erosão do solo no terreno acidentado da região. A madeira da árvore, embora raramente colhida devido aos esforços de conservação, é conhecida por sua densidade e durabilidade, tornando-a uma espécie de último recurso para os moradores locais que precisam de materiais para suportar condições adversas.


Além disso, a árvore fornece um habitat para uma variedade de flora e fauna, incluindo orquídeas, bromélias e uma infinidade de espécies de pássaros. Sua presença é um componente crítico do delicado ecossistema dos Llanganates, uma das regiões de maior biodiversidade do Equador.


A cordilheira dos Llanganates é tão enigmática quanto imensamente bela. Coberta por densas florestas nubladas e terrenos traiçoeiros, há muito tempo está envolta em lendas e segredos. Entre essas histórias, nenhuma é mais famosa do que a "lenda" do tesouro de Atahualpa. De acordo com a tradição, esse tesouro foi escondido em Llanganates para evitar que fosse encontrado pelos conquistadores espanhóis durante o século XVI.


O "Derrotero de Valverde", um guia atribuído a Valverde, um espanhol que, cerca de cinquenta anos após a morte de Atahualpa, teria ficado rico depois de ter sido levado até o tesouro pela família de sua noiva Inca. Ao morrer,  deixou instruções escritas para sua localização, o chamado Derrotero de Valverde contendo instruções enigmáticas sobre a localização desse tesouro escondido. No entanto, o guia é notório por suas descrições vagas e poéticas, como referências a marcos, riachos e características naturais únicas, incluindo árvores como a espeletia. Isso levou caçadores de tesouros e historiadores a especular sobre o possível papel da árvore na marcação ou ocultação de partes do tesouro.


A relação entre a árvore espeletia e o "Derrotero de Valverde" decorre das descrições detalhadas, embora enigmáticas, da paisagem natural de Llanganates no guia. A espeletia, com sua aparência distinta e abundante na região, é um dos marcos mencionados no documento. Caçadores de tesouros frequentemente vasculham áreas densas com árvores espeletia, acreditando que suas formas e localizações incomuns podem esconder pistas ou até mesmo câmaras ocultas contendo artefatos.



Embora nenhuma evidência definitiva tenha vinculado a árvore espeletia ao tesouro de Atahualpa, seu papel no "Derrotero de Valverde" continua sendo uma parte cativante da "lenda". A tradição local frequentemente se entrelaça com a árvore, pois os mais velhos contam histórias de exploradores que se perderam entre as árvores ou descobriram marcas estranhas em sua casca. Essas histórias aumentam a mística da espeletia e sua conexão potencial com a caça ao tesouro mais duradoura do Equador.



Apesar de sua associação com a caça ao tesouro, a árvore espeletia e seu ecossistema circundante enfrentam ameaças de desmatamento e atividade humana. Os esforços de conservação visam proteger a biodiversidade dos Llanganates, garantindo que suas maravilhas naturais, incluindo a espeletia, perdurem por gerações futuras.


Para exploradores e cientistas modernos, essa árvore  simboliza a rica herança natural do Equador e o fascínio duradouro do desconhecido. Seja como uma testemunha silenciosa do passado ou uma chave para desvendar um dos maiores mistérios da história, esta árvore notável continua a conquistar a imaginação de todos que se aventuram em seu domínio.



A árvore espeletia e o "Derrotero de Valverde" nos lembram que história, natureza e lenda muitas vezes se entrelaçam de maneiras fascinantes, deixando-nos com perguntas que despertam curiosidade e admiração — e talvez, apenas talvez, um tesouro esperando para ser encontrado.


                          

   

                                                                            

                                                                                                                                                                                                                                                 


12.05.2020

Uma Visão Po[etica da Cordilheira dos Andes agora e no Império Inca.








 


Nas serenas noites de verão, a lua reina poderosamente na escuridão, entre as estrelas, iluminando adoravelmente cada recôndito com centelhas de fantasia, até que o sol volte a ofuscar seu reinado de brilhos com um manto de realidade. Os vales despertam sob as bênçãos de rios mais ou menos caudalosos, riachos barulhentos e lagoas serenas, portais de mundos que vão diminuindo de tamanho até tornarem-se micromundos impossíveis de serem percebidos. 

O sol começa a colaborar para que a temperatura esquente, rapidamente, lá nos riachos, no fundo dos vales, mas a natureza, em constante reboliço, alterna temperaturas extremas nesses mesmos vales e montanhas de verdes extremados, altitudes em conflito e picos nevados. 

Dia, noite, luz e sombra, ventos excessivos espalhando a calma do tempo com seus dedos nervosos de ar. Variações constantes, tempestades frequentes, chuvas de raios nas terras altas esfacelando tardes ensolaradas, neve e granizo regendo o movimento nas alturas, nos topos remotos de várias altitudes, nos picos branquinhos de neve como açúcar. Às vezes na mesma tarde, no mesmo dia, como revoluções por segundo.

Por vezes um terremoto sacode o âmago da serra, o bastante para deslocar a terra, fazendo-a deslizar, desencadeando desordens.

A Cordilheira dos Andes surgiu como resultado de um choque ocorrido entre duas placas tectônicas há milhões de anos, quando a placa de Nazca moveu-se na direção da placa sul-americana e, sendo mais densa, entrou por baixo da outra, causando a elevação do terreno sobre a zona de choque, dando origem às elevadas montanhas que hoje formam a cordilheira.

Se baixássemos os desfiladeiros profundos ao nível da planície... Se as altas montanhas caíssem ou fossem transportadas a admiráveis distâncias... Se os lagos rompessem uma saída repentina formando um rio e a tudo inundassem como nos tempos antigos, na pré-história, quando o mundo, em convulsões frequentes e intensas debatia-se provocando elevações que fizeram surgir as enormes cordilheiras e grandes depressões e transformações de terreno, e repetidas erupções de vulcões, alguns, nos dias de hoje,  extintos, outros, ativos, como deuses da natureza dormitando e despertando em seus tronos de fogo, lava e cinzas...

A terra andina está em permanente batalha, batendo e levando golpes transformadores, tornando caos em criação, criando, destruindo e recriando, tornando ruínas em ilhas de vida. Assolada pelos elementos, atormentada pelo tempo como um pesadelo mórbido de torturante e repentina beleza. Alturas de tirar o fôlego, ainda hoje assoladas por ventos, tormentas desfeitas contra o corte das alturas, climas rígidos nos topos entre neve ou névoa e isso não é uma opção.

Terrenos acidentados de paisagens diferentes que mudam a cada passo nos fazendo sentir gigantes e pequenos, frágeis e terrenos, ávidos de ar e de vida. Simples criaturas cansadas, deitadas sobre a grama onde guanacos pastam; pequenos borrões divinos moldados em animais humanos olhando, estupefatos, o céu de nuvens que mudam tão rápido quanto as paisagens, de onde algumas estrelas ousam brilhar de dia. 

A paisagem é sucessão de quadros que a mente do artista sonha e recria, fazendo com que ela esteja lá, fugidia como as nuvens branquinhas que passam e se transformam, atropelando-se para depois desaparecer no azul intenso do céu. Dizem que depois da mais terrível tempestade o arco-íris é a contínua aliança entre o povo Inca e Deus, desenhado no céu e nas encostas das montanhas mais altas, suavemente pintado em nuanças de cores brilhantes e eternas.

 A grandeza desses montes, dessas montanhas tão altas, dessa Cordilheira erguida na força dos deuses de criação e de destruição. Fantasticamente emoldurada nessa aquarela pálida, ora desbotada à custa de chuvas inesperadas, repentinas aguadas e, quando tudo parece perder cor e morrer num colorido sem forma e único, nos deparamos, olhos extasiados, como um astronauta do futuro admirando o passado, o desenrolar do imenso tapete amarelo das punas acrescentando cor à vegetação rasteira, de gramíneas dispersas em imensas planícies amarelas, amarelas, amarelas, a céu aberto...