12.05.2020








 


Nas serenas noites de verão a lua reina, poderosamente, na escuridão entre as estrelas, iluminando adoravelmente cada recôndito com centelhas de fantasia, até que o sol volte a ofuscar seu reinado de brilhos com um manto de realidade. Os vales despertam sob as bênçãos de rios mais ou menos caudalosos, riachos barulhentos e lagoas serenas, portais de mundos que vão diminuindo de tamanho até tornarem-se micromundos impossíveis de serem percebidos. O sol começa a colaborar para que a temperatura esquente, rapidamente, na altura dos riachos no fundo dos vales, mas a natureza, em constante reboliço, alterna temperaturas extremas nesses vales e montanhas de verdes extremados, altitudes em conflito e picos nevados. Dia, noite, sol e sombra, ventos excessivos espalhando a calma do tempo com seus dedos nervosos de ar. Variações constantes, tempestades frequentes, chuvas de raios nas terras altas esfacelando tardes ensolaradas, neve e granizo regendo o movimento nas alturas, nos topos remotos de várias altitudes, nos picos branquinhos de neve como açúcar. Às vezes na mesma tarde, no mesmo dia, como revoluções por segundo.

Por vezes um terremoto sacode o âmago da serra, o bastante para deslocar a terra, fazendo-a deslizar, desencadeando desordens.

A Cordilheira dos Andes surgiu como resultado de um choque ocorrido entre duas placas tectônicas há milhões de anos, quando a placa de Nazca moveu-se na direção da placa sul-americana e, sendo mais densa, entrou por baixo da outra, causando a elevação do terreno sobre a zona de choque, dando origem às elevadas montanhas que hoje formam a cordilheira.

Se baixássemos os desfiladeiros profundos ao nível da planície,

Se as altas montanhas caíssem ou fossem transportadas a admiráveis distâncias.

Se os lagos rompessem uma saída repentina formando um rio e a tudo inundassem

como nos tempos antigos, na pré-história, quando o mundo, em convulsões frequentes e intensas debatia-se provocando elevações que fizeram surgir as enormes cordilheiras e grandes depressões e transformações de terreno, e repetidas erupções de vulcões, alguns, nos dias de hoje,  extintos, outros, ativos, como deuses da natureza dormitando e despertando em seus tronos de fogo, lava e cinzas.

A terra andina está em permanente batalha, batendo e levando golpes transformadores, tornando caos em criação, criando, destruindo e recriando, tornando ruínas em ilhas de vida. Assolada pelos elementos, atormentada pelo tempo como um pesadelo mórbido de torturante e repentina beleza. Alturas de tirar o fôlego, ainda hoje assoladas por ventos, tormentas desfeitas contra o corte das alturas, climas rígidos nos topos entre neve ou névoa e isso não é uma opção.

Terrenos acidentados de paisagens diferentes que mudam a cada passo nos fazendo sentir gigantes e pequenos, frágeis e terrenos, ávidos de ar e de vida. Simples criaturas cansadas, deitadas sobre a grama onde guanacos pastam; pequenos borrões divinos moldados em animais humanos olhando, estupefatos, o céu de nuvens que mudam tão rápido quanto as paisagens, de onde algumas estrelas ousam brilhar de dia. 

A paisagem é sucessão de quadros que a mente do artista sonha e recria, fazendo com que ela esteja lá, fugidia como as nuvens branquinhas que passam e se transformam, atropelando-se para depois desaparecer no azul intenso do céu. Dizem que depois da mais terrível tempestade o arco-íris é a contínua aliança entre o povo Inca e Deus, desenhado no céu e nas encostas das montanhas mais altas, suavemente pintado em nuanças de cores brilhantes e eternas.

 A grandeza desses montes, dessas montanhas tão altas, dessa Cordilheira erguida na força dos deuses de criação e de destruição. Fantasticamente emoldurada nessa aquarela pálida, ora desbotada à custa de chuvas inesperadas, repentinas aguadas e, quando tudo parece perder cor e morrer num colorido sem forma e único, nos deparamos, olhos extasiados, como um astronauta do futuro admirando o passado, o desenrolar do imenso tapete amarelo das punas acrescentando cor à vegetação rasteira, de gramíneas dispersas em imensas planícies amarelas, amarelas, amarelas, a céu aberto...