12.02.2020

A Importância da Cidade Perdida de Vilcabamba e sua Relação com o Império Inca.


          “Mil Escaleras”, caminho Inca de acesso a Vilcabamba la Vieja.


                     Para que os filhos dos Incas sejam retirados 

dos Reinos del Perú." (anotação no documento 

assinado em Cuzco a 4 de outubro de 1572 

pelo secretário do vice-rei Francisco 

de Toledo, Álvaro Ruiz de Navamuel) (1)



 VILCABAMBA LA VIEJA - RUÍNAS NO ESQUECIMENTO

Seguindo a rota deixada pelos incas, em direção à nascente do rio Vilcabamba, no desfiladeiro Qollpaqasa, a mais de quatro mil metros de altura, as sombras assolam a paisagem com seus verdes impressionantes, arrastando a vegetação pelas encostas até o fundo a seus pés. Acima, os picos nevados ultrapassam os seis mil metros.


Marcado por sons de animais e pássaros da selva, como o pássaro tunki, por exemplo, da família do "galinho das rochas" (2), o rio Consevidayoq lança suas águas abrindo caminho nas pedras, como há quinhentos anos. Ali  também se encontra a flor "Raymondi" que só pode ser vista neste local. Esta flor mede aproximadamente 3 metros e é a maior flor do mundo. Então, nos encontramos a 1420 metros acima do nível do mar.


O rio segue seu curso, surpreendido por todos esses ruídos que parecem despertar as vozes antigas. Somos nós que assustamos os fantasmas desse passado distante. Chegamos a Vilcabamba la Vieja, que os especialistas chamam de "o último bastião dos Incas".


“... e caminhando entraram às dez do dia na cidade de Vilca Bamba, todos a pé, que é um terreno muito acidentado e difícil de caminhar e não para cavalos de forma alguma.”  Murúa



Como uma enorme tumba vazia que o tempo quis preservar dentro da escuridão da floresta úmida e solitária, Vilcabamba foi queimada e viu o último Inca do Tahuantinsuyo ser arrastado cativo direto para os braços da morte. Árvores gigantescas desenham sombras nas paredes do templo, tornando pedras escuras em abandono. Vilcabamba, a cidade que a selva tentou esconder, como uma criança inocente que alguém cobre com véus para preservar.


“A cidade inteira foi encontrada saqueada, de sorte que se  os espanhóis e os índios amigos o tivessem feito, não estaria pior, porque os índios e índias fugiram todos e foram para as montanhas levando tudo que podiam." (Murúa


“... ordenou-lhes que saíssem pelo morro denominado Ututo, que é uma montanha brava, depois do Inca Quespi Tito, porque havia chegado notícia ao general que ele ia fugindo com algumas pessoas para os Pilcozones, que é uma província atrás os Andes, em direção ao rio Marañón. " (Murúa)



Da época da invasão espanhola até 1572, os remanescentes da civilização Inca habitaram na região de serra e selva entre os rios Urubamba e Apurímac. Em 1539, Vitcos, a primeira capital desta região, foi abandonada por Tito Cusi Yupanqui após a morte de seu pai Manco Inca. 


Adentrando cada vez mais na floresta com seu povo, mudou-se para a nova capital, conhecida como Vilcabamba la Vieja. Este último refúgio foi despovoado e abandonado quando foi capturado pelos espanhóis em 1572. Então o Inca era Tupac Amaru.


“Toda a gente entrou na cidade de Cuzco em ordem com os prisioneiros. O capitão Martín García de Loyola, que tinha aprisionado Tupa Amaro, conduzia-o-o com uma corrente de ouro no pescoço, e seu sobrinho Quispitito ia com outra de prata."  Murúa


Como sempre, parece muito difícil determinar o lugar exato que tenha servido de cenário para os últimos Incas do Tahuantinsuyo. Este último refúgio foi capturado pelos espanhóis em 1572, quando foi despovoado e abandonado. No início do século 20, a localização original de Vilcabamba havia sido esquecida e sua existência erroneamente questionada.


Isso mesmo, no início do século XX, a localização original de Vilcabamba estava esquecida, sendo posta em dúvida sua existência. Hiram Bingham, o descobridor de Machu Picchu e Vitcos, fez apenas uma breve visita ao  lugar em 1911. 


"Eles encontraram naquela montanha muitas cascavéis, dizem eles, e agradeceram a Divina Majestade que ninguém correu perigo com elas, porque são extremamente perigosas. O cansaço e o trabalho que no caminho, com a necessidade, passaram, tornaram-se flores e alegria, através da boa presa que fizeram. ” Murúa



“ A terra é tão temperada que nas bordas das cabanas e na parte de trás as abelhas criam favos de mel  como os de Espanha, e o milho é colhido três vezes ao ano, ajudadas as semeaduras pela boa disposição da terra e pelas águas com as quais se rega em seu tempo. Dão-se pimentais em grande abundância, coca e cana-de-açúcar para fazer mel e açúcar e iúcas, batata-doce e algodão. " Murúa


Hiram Bingham, ao descobrir Machu Picchu e Vitcos, em 1911, fez uma breve visita ao local de Vilcabamba onde, realmente, encontrou as ruínas entre a densa vegetação e, simplesmente, declarou que o local era de pouca importância. Ele acreditava que já havia descoberto o lugar de Vilcabamba Ia Vieja em Machu Picchu.


Porém, em 1994, outro americano, Gene Savoy, refez o trajeto de Bingham até Espiritu Pampa. Após um estudo detalhado das crônicas espanholas, Savoy chegou à conclusão de que Machu Picchu não corresponde às descrições de Vilcabamba e que Espiritu Pampa se encaixa perfeitamente.

Segundo Murúa o povoado tinha uma área de meia légua de largura e um trecho bem longo de comprimento no trajeto de Cusco onde criavam-se papagaios, galinhas, patos, coelhos da terra, perus, faisões, grasnadeiras, pavõezinhos, araras e muitas outras espécies de pássaros de diversas cores e muitas casas e cabanas cobertas de palha. Dentre as árvores, muitas goiabeiras, pacaes(3), lúcumas e outras diversas árvores frutíferas e silvestres. 


Segundo ele, "o Inca tinha a casa com os seus altos e baixos revestidos de telhas e todo o palácio pintado com uma grande diferença de pinturas segundo o seu costume, o que era algo muito (bom) de se ver."


O autor também descreve que havia uma praça com capacidade para um certo número de pessoas, onde confraternizavam e se regozijavam. Segundo ele, as portas da casa eram feitas de cedro muito perfumado, de árvores que havia naquela região.


Murúa afirma que os Incas quase não sentiam falta de nada da grandiosidade e suntuosidade de Cusco naquele localidade isolada (ou, nas  palavras dele, desterrada), porque lá eles traziam tudo que o fosse necessário para seu conforto e alegria e eles estavam lá com prazer. 


Vilcabamba... perdida em uma inóspita região de montanhas e selva entre os rios Urubamba e Apurímac. Em 1539, Vitcos foi abandonada após a morte de Manco Inca que, antes de morrer, recomendou que seu povo se mudasse para Vilcabamba. Naquela data, ele moveu seu povo mais ainda na direção da floresta...


Mas, pensando nas dificuldades que os Incas estavam passando e no pouco tempo que Manco Inca teve para reunir seu povo em um lugar seguro, é de se imaginar que Vilcabamba já existisse, pelo menos em sua estrutura física, e não que fora "construída" por Manco, como muitos atribuem.




Segundo Murúa Manco Inca fundou a sede de Vilcabamba, na província de Vitcos, aproveitando-se de que os espanhóis se encontravam muito ocupados com os distúrbios que estavam acontecendo de Collao e Charca,  
"e disse aos seus vassalos e aos capitães que estavam com ele:

Já me parece que será uma força morar aqui, porque os espanhóis conseguiram fazer mais do que nós e tiraram mais terras de nós e nos expulsaram delas e do que meus avós e antepassados possuíam e ganharam, vamos povoar aqui até que os tempos mudem.”  


Dessa forma, o Inca preferiu voltar a Vitcos, de onde havia saído,  comunicando isso aos seus e, depois de fazê-lo, disse-lhes que permanecessem em Vilcabamba, pois já não poderiam ir com segurança a parte alguma, pois tudo já se encontrava ocupado pelos espanhóis. 


A forma como Túpac Amaru foi capturado na selva será o assunto de outro artigo, discutido em profundidade. Por enquanto, tentei apenas relatar o que é mais relevante para Vilcabamba, o que aconteceu no lugar. A prisão do Inca de Vilcabamba precisa ser contada com mais tempo e cuidado.


Segundo Murúa, quando os espanhóis saíram em perseguição aos Incas, eles, realmente, encontraram o ídolo do Sol, de ouro, e muita prata, ouro e pedras preciosas de esmeralda, muitas roupas antigas, tudo isso, de acordo com o que foi comentado, estava avaliado em mais de um milhão (em moeda da época), e tudo foi dividido  entre espanhóis e indígenas amigos dos espanhóis, e até dois sacerdotes que estavam no acampamento puderam desfrutar de suas partes.

“Embora houvesse opiniões de teólogos e doutos, de que semelhantes despojos eram injustos e não podia ser levado embora, pouco proveito teve isso, que a lei da ganância desenfreada prevaleceu sobre a lei natural e divina, e assim tomaram tudo,..."

"...com muitos cântaros e vasos de prata e ouro com os quais os incas se serviam. Parte que havia escapado da fome dos espanhóis e dos Pizarros, em Cuzco, no princípio, e parte que haviam, então, trancado e depois retirado, e mesmo ali haviam esculpido peças à sua maneira, para restaurar as tantas que os espanhóis haviam perdido e lhes haviam tirado com desordem e pouco temor de Deus,..." 

"...como se os Incas e os índios não fossem senhores de fazendas, mas que tivessem perdido o domínio e se aplicasse a quem primeiro poderia tomá-lo à força, e assim obtiveram êxito todos aqueles que o fizeram, e se apoderaram daquilo como, na verdade, foi coisa mal feita. " Murúa


É até difícil descrever toda a destruição que houve ali, naquela época. Tupac Amaru estava há cinco dias em fuga, fugindo em canoas em rios caudalosos, tentando alcançar Pilcosones, outra província terra adentro, para fugir dos espanhóis. Para piorar a mulher de Tupac Amaru estava cheia de medo e tristeza por estar grávida, a ponto de dar à luz, numa situação extrema e ele mesmo, o próprio Inca, por amá-la tanto, ajudava-a a carregar sua trouxa de roupas, e esperava por ela, caminhando devagar para esperá-la.. 


O Inca Tupac Amaru era muito amável, bem aparentado e discreto, gentil e racional, sério e sincero. Como qualquer Inca, não se importava com o valor material do ouro e das outras coisas e, segundo Murúa, "...nem mostrou estima ou pareceu dar importância a tudo que ele lá havia perdido... 


Os espanhóis já haviam renomeado a cidade "... cidade de San Francisco de la Victoria, que assim já se chamava a Vilcabamba." Murúa

Eu recomendo que, caso você queira saber mais sobre o que realmente aconteceu naquela época, leia essa página de Murúa que estou sugerindo.

“Como na hora em que emparelhavam com a janela onde estava o vice-rei, e o capitão Loyola mandava que os índios retirassem seus llautos, e Topa Amaro a borla que usava como insígnia real, mas eles não queriam, apenas tocavam os llautos com as mãos, inclinando a cabeça na direção de onde estava o vice-rei. Murúa

 "Alguns dizem que quando o capitão Loyola lhe disse para tirar a borla que o vice-rei estava ali, Tupa Amaro respondeu que não queria, porque quem era o vice-rei senão um yanacona do Rei, que quer dizer servo do Rei, e que o Capitão Loyola ficou indignado com isso, deixou a corrente de ouro que carregava na mão com a qual Topa Amaro ia preso, e deu-lhe dois pescoções, parecendo-lhe que estava a serviço de Sua Majestade e agradava ao vice-rei, que por todos os presentes foi julgado indigno de um nobre cavaleiro, fosse o que fosse." Murúa


"Topa Amaro e seu sobrinho Quispitito Yupanqui foram presos na casa de Dom Carlos Inca, filho de Paulo Topa, a qual o Vice-rei fizera uma fortaleza. " (Murúa)


                                                                    
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(1) Esse documento fornece testemunhos fundamentais, como nomes e idades das mulheres e filhos dos Incas capturados em Vilcabamba. Topa Amaro tinha apenas um filho, Don Martín, do qual não se disse a idade, e uma filha de três anos chamada Isabel; felizmente, sabe-se que o menino era recém-nascido, pois o cronista Frei Martín de Murúa menciona que, no momento da prisão do Inca, sua esposa “estava temerosa e triste por estar em dias de parto e que ele mesmo, como a amava tanto, a ajudava a carregar sua trouxa e esperava por ela, caminhando pouco a pouco. "
Bernabé Cobo euivocou-se ao presumir que Dona Juana Pilco-Huaco e Dona Magdalena fossem suas filhas.

(2) Ave pernalta com cerca de 25 cm de comprimento, com plumagem preta na parte inferior do corpo e castanha na parte superior; vive perto de águas estagnadas, na América Central e do Sul.


(3) Inga brachyptera
Inga brachyptera ou pacae é uma árvore frondosa da família das mimosoideae. Esta é uma árvore na zona andina. 



FONTES: 

Documento firmado en Cuzco el 4 de octubre de 1572 por el secretario del virrey don Francisco de Toledo, Álvaro Ruiz de Navamuel – el cual lleva la anotación: "Para que se saquen de los Reynos del Piru alos hijos de los Yngas".

Fray Martin de Murúa, Historia General del Peru.

Saiba Mais: