Fiz essa foto de como teria sido o bairro das Cantutas no antigo Cuzco.
¨Não tiveram os Incas outros ídolos, nem seus nem de outras pessoas, com a imagem do Sol, nem naquele tempo nem em qualquer outro, porque não adoravam outros, apenas ao Sol, embora não falte quem diga o contrário.¨ Garcilaso de la Vega, Comentários Reales.
Imagine uma viagem no tempo até a antiga Cuzco dos tempos de paz e tranquilidade, e que, voltando uns quinhentos anos, chegássemos ao bairro de Las Cantutas, tão bem descrito por Garcilaso de la Vega, em seus "Comentarios Reales"..."... Outro bairro chamado Cantutpata, que significa andenes (plataforma) de cravíneas. Chamam Cantut a algumas flores muito bonitas que se assemelham às cravíneas da Espanha... ...são plantas muito grandes, e porque naquele bairro havia umas enormes (que eu mesmo cheguei a ver), foi chamado assim. " (1)
Voltando pelo caminho de flores, subindo até a rua que divide a cidade em duas, Hanan e Hurin Cuzco (Alta e Baixa Cuzco), e que conduz ao norte, ao misterioso Antisyuo (Amazônia) e sua floresta sombria, tomamos a direção oposta, no rumo da cidade...
Eu posso imaginar a sensação maravilhosa que se experimentava, ao entrar nesse bairro, no momento exato em que o olhar se enchia de cor ao encarar as calçadas com seus arbustos perenes, que subiam mais de três metros, ramificados e vistosos, e desciam, carregados de flores, pendendo em cachos terminais, com suas coroas tubulares, de cálices curtos, explodindo em cor - cantutas roxas, de cor rosa, algumas amarelas, outras de cor branca - tantas, a ponto de dar nome ao bairro -- a cantuta era a flor sagrada dos Incas, dedicada ao Sol, por isso, plantada em toda parte. O fato de haver um bairro nobre com esse nome, cheio de palácios e de flores, reitera isso, e nos faz pensar na grandeza de andar por aquelas ruas de pedra, sempre tão limpas e conservadas, ouvindo a profusão de pássaros cantando nas árvores, deleitando-nos com a invasão de beija-flores no espaço dos jardins repletos de cantutas floridas. Nossa imaginação nos obriga a tocar em suas pequenas folhas ásperas e alternadas, elíptico-lanceoladas, de um suave verde acinzentado.
Poderíamos entrar em uma de suas casas palacianas, a fim de espiar um pouquinho...
Não, melhor ainda, vamos ao palácio do Inca...
A temperatura da rua é um pouco mais fria do que o interior dos palácios, mas não a ponto de precisarmos nos aquecer, de alguma forma. E basta entrar em um aposento qualquer, onde não haja nenhuma corrente de ar, para deixar de ter a sensação de frio que trazemos da rua.
No Tahuantinsuyo (nome dado ao Império), durante o ano todo, não há diferença de inverno e verão, ou seja, as regiões frias se mantém sempre frias, o mesmo acontece com as regiões de clima ameno e com as quentes, sempre da mesma maneira.
Como a temperatura é mais fria e seca do que de calor e umidade, não existem moscas, apenas algumas, ao sol, pois, nos aposentos, não entra nenhuma; nem mosquitos que picam... A cidade se encontra limpa de tudo isso.
No palácio, como em todas as casas reais, há jardins e pomares nos quais o Inca e seus familiares encontram uma forma de recreação. Neles, existem frondosas árvores, plantas e flores perfumadas e muito bonitas, de todas as que se costuma encontrar pelos domínios do Inca, por todo o Tahuantinsuyo.
No entanto, no palácio do Inca, além do jardim normal, existe um outro, todo em ouro e prata, imitando, em tamanho natural, muitas árvores e outras plantas menores, com suas folhas, flores e frutos; umas que começam a brotar, outras em crescimento, algumas em seu tamanho adulto.
Pés de milho com folhas, raízes, espigas e flor: os cabelos de ouro e todo o resto de prata. Do mesmo modo, em muitas outras plantas, as flores são de ouro e o resto de prata.
O jardim está cheio de animais e insetos, grandes e pequenos, imitando os verdadeiros, de ouro vazado e prata: coelhos, ratos, lagartos, cobras, borboletas, raposas, gatos selvagens, pois não há gatos domésticos em todo o Império (2). Aves e pássaros, de todo tipo, alguns postos nas árvores, como se cantassem, outros como se voassem e sugando o mel das flores.
Montes de achas de lenha, feitos em tamanho natural, de ouro e prata, como depositadas para o uso no serviço da casa.
Como outros palácios e templos, este é todo revestido com placas de ouro e os apartamentos reais, tanto aqui, como em qualquer lugar nas províncias, estão cheios de figuras humanas, pássaros, animais selvagens como ursos, pumas, raposas, gatos selvagens, veados, vicunhas, todos em ouro vazado e prata, em forma e tamanho natural, colocados nas paredes, nos vãos e nichos.
"Imitavam ervas e plantas das que nascem pelos muros e as colocavam nas paredes de modo a parecer que ali haviam nascido. Espalhavam, pelas paredes, lagartixas e borboletas, ratos e cobras grandes e pequenas, que pareciam ir para cima e para baixo nelas. "
De repente, assola-nos a maravilhosa visão do assento de ouro maciço, que chamam tiana, no qual senta-se o Inca, em todo o seu esplendor. Agora vazia, podemos observar que a tiana tem um terço de altura, sem braços nem espaldar, um pouco côncava no assento, posta sobre um grande tablado quadrado de ouro...
Em todo o trabalho doméstico, tanto no serviço de mesa quanto no de adega e culinária, as vasilhas, pequenas e grandes, são todas de ouro e prata, e assim é em cada pousada, ou tambo, para serem usadas no momento em que o Inca chegue, sem que seja necessário levá-las de um local para outro. Cada casa do Inca, tanto as que existem nas Estradas Reais, como as das províncias, todas tem o que é preciso para recebê-lo quando ele chega, quer seja com seu exército ou para visitar seus domínios. Nessas casas reais há muitos celeiros, feitos de ouro e prata, não para colocar grãos, mas para a grandeza e majestade da casa e de seu senhor.
Tanto no palácio, quanto nas casas, há banheiros com grandes bacias de ouro e prata, nas quais lavam-se os incas, e canos de prata e ouro, pelos quais chega a água até as bacias. Também em lugares de fontes termais naturais, existem banheiros feitos de forma majestosa e rica.
Ao entrar nos aposentos reais, o quarto está vazio, completamente exposto pelas enormes portas que se abrem para os jardins, apenas tocadas pelas mãos do vento que agita os finíssimos tecidos de Cumbi que recobrem os vãos (3). A luz do sol faz a manhã nascer no aposento, incidindo brilhos no ouro e na prata como estrelas.
Não há tapeçaria nas paredes, porque, como sabemos, estão cobertas com ouro e prata.
Muita roupa de cama e de vestir. A roupa de cama é toda de cobertores e mantas de lã de vicunha, tão delicados e bem feitos, colocados por baixo e por cima - sem colchões.
"Este citado Inca (4) tinha sua celada uma chuco [capacete], anas pacra, masca paycha [borla real] e seu chanbi [clava] e uallcanca [escudo]. Tinha sua manta azul clara e sua camiseta levava azul entre três tocapus [tecido feito à mão texturizado] e a parte de baixo verde e quatro atadeiros nos pés. "(Guaman Poma)
A roupa de vestir, sempre nova, porque o Inca não coloca uma roupa duas vezes, dando-a, em seguida, a seus parentes.
Ao entrar nos aposentos reais, o quarto está vazio, completamente exposto pelas enormes portas que se abrem para os jardins, apenas tocadas pelas mãos do vento que agita os finíssimos tecidos de Cumbi que recobrem os vãos (3). A luz do sol faz a manhã nascer no aposento, incidindo brilhos no ouro e na prata como estrelas.
Não há tapeçaria nas paredes, porque, como sabemos, estão cobertas com ouro e prata.
Muita roupa de cama e de vestir. A roupa de cama é toda de cobertores e mantas de lã de vicunha, tão delicados e bem feitos, colocados por baixo e por cima - sem colchões.
"Este citado Inca (4) tinha sua celada uma chuco [capacete], anas pacra, masca paycha [borla real] e seu chanbi [clava] e uallcanca [escudo]. Tinha sua manta azul clara e sua camiseta levava azul entre três tocapus [tecido feito à mão texturizado] e a parte de baixo verde e quatro atadeiros nos pés. "(Guaman Poma)
A roupa de vestir, sempre nova, porque o Inca não coloca uma roupa duas vezes, dando-a, em seguida, a seus parentes.
Nos aposentos de Huascar e Chuqui Huipa (Chuqui Llanto), os últimos Inca e Coya do Tahuantinsuyo, também havia as roupas da rainha, com suas cores e desenhos (tocapu), em tons de verde e azul semelhantes às do seu amor, irmão e marido. "E tinha sua lliclla [manta] azul claro e o do meio verde escuro e seu acxo [saia] verde e o de baixo de tocapu [tecido feito à mão texturizado]. Puramente boa e alegre contentava a seu marido,..."(5)
Mas onde está o Inca, afinal? Porque só encontramos aposentos vazios neste palácio?
É a hora da refeição principal em todo o Tahuantinsuyo. No palácio, a comida é sempre abundante, pois é preparada para todos os parentes que queiram vir para cear com o Inca, e também para os servos da casa real, que são muitos. A hora da principal refeição, pela manhã, é entre oito e nove horas e há uma outra, antes do anoitecer, com os últimos raios do sol.
No Tahuantinsuyo dorme-se cedo e desperta-se mais cedo ainda, pois tudo deve ser feito sob a luz do Sol.
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(1) Cantuta/ Kantuta/ qantuta (Cantua buxifolia) - É a flor nacional do Peru, também chamada 'Flor Sagrada dos Incas'. Nativa do Peru, Bolívia e norte do Chile, cresce a uma altura de cerca de 3 metros, com pequenas folhas verde-cinzentas e flores de cor roxa, rosa, branca, amarela e listrada em graciosos ramos arqueados. Existe uma lenda, provavelmente oriunda dos povos que serviam aos Incas e não propriamente uma lenda Inca, que conta de dois reis, Illimani e Illampu, que haviam ferido um ao outro, mortalmente, em uma batalha e, no leito de morte, clamaram por vingança através de seus filhos. A história se repetiu quando os dois filhos morreram em batalha. No entanto, Pachamama, deusa da terra, ordenou um castigo aos dois reis que haviam causado tal tragédia: suas estrelas deveriam cair à terra e tornar-se picos cobertos de neve que teriam seus nomes. As pétalas vermelhas e amarelas da Cantuta simbolizam as cores dos dois reis mais jovens, e o verde representa a esperança.
(Flor de Cantuta)
Segundo Garcilaso de la Vega: "En aquel andén fundó el Inca Manco Cápac su casa real, que después fue de Paullu, hijo de Huayna Cápac. Yo alcancé della un galpón muy grande y espacioso, que servía de plaza en días lluviosos, para solemnizar en él sus fiestas principales. Sólo aquel galpón quedaba en pie cuando salí del Cozco; que otros semejantes, de que diremos, los dejé todos caídos. Luego se sigue, yendo en cerco hacia el Oriente, otro barrio llamado Cantutpata, quiere decir andén de clavellinas. Llaman Cantut a unas flores muy lindas, que asemejan en parte a las clavellinas de España. Antes de los españoles no había clavellinas en aquella tierra. Seméjase el Cantut, en rama y hoja y espinas, a las cambroneras de la Andalucía; son matas muy grandes, y porque en aquel barrio las había grandísimas (que aun yo las alcancé), le llamaron así."
(2) Os felinos eram domesticados para viverem nos palácios.
(3) Não havia o costume de usar cortinas.
(4) Inti Cusi Hualpa Huáscar Inca.
(5) Tentei descrever os aposentos de Huáscar e Chuqui Huipa (Chuqui Llanto), os últimos Inca e Coya do Tahuantinsuyo, (décimo segundo Inca e décima segunda Coya), de acordo com o que os cronistas disseram: [reina], Chuqui Llanto, Coya : dizem que era belíssima e branquinha, que não tinha nenhuma mancha no corpo. E no semblante e muito alegre e cantora, amiga de criar passarinhos. (Guaman Poma)
BIBLIOGRAFIA
Garcilaso de la Vega, Comentarios Reales. ( em especial o Cap. XX)
Guaman Poma, Nueva Corónica y Buen Gobierno (1615)
É a hora da refeição principal em todo o Tahuantinsuyo. No palácio, a comida é sempre abundante, pois é preparada para todos os parentes que queiram vir para cear com o Inca, e também para os servos da casa real, que são muitos. A hora da principal refeição, pela manhã, é entre oito e nove horas e há uma outra, antes do anoitecer, com os últimos raios do sol.
No Tahuantinsuyo dorme-se cedo e desperta-se mais cedo ainda, pois tudo deve ser feito sob a luz do Sol.
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(1) Cantuta/ Kantuta/ qantuta (Cantua buxifolia) - É a flor nacional do Peru, também chamada 'Flor Sagrada dos Incas'. Nativa do Peru, Bolívia e norte do Chile, cresce a uma altura de cerca de 3 metros, com pequenas folhas verde-cinzentas e flores de cor roxa, rosa, branca, amarela e listrada em graciosos ramos arqueados. Existe uma lenda, provavelmente oriunda dos povos que serviam aos Incas e não propriamente uma lenda Inca, que conta de dois reis, Illimani e Illampu, que haviam ferido um ao outro, mortalmente, em uma batalha e, no leito de morte, clamaram por vingança através de seus filhos. A história se repetiu quando os dois filhos morreram em batalha. No entanto, Pachamama, deusa da terra, ordenou um castigo aos dois reis que haviam causado tal tragédia: suas estrelas deveriam cair à terra e tornar-se picos cobertos de neve que teriam seus nomes. As pétalas vermelhas e amarelas da Cantuta simbolizam as cores dos dois reis mais jovens, e o verde representa a esperança.
(Flor de Cantuta)
Segundo Garcilaso de la Vega: "En aquel andén fundó el Inca Manco Cápac su casa real, que después fue de Paullu, hijo de Huayna Cápac. Yo alcancé della un galpón muy grande y espacioso, que servía de plaza en días lluviosos, para solemnizar en él sus fiestas principales. Sólo aquel galpón quedaba en pie cuando salí del Cozco; que otros semejantes, de que diremos, los dejé todos caídos. Luego se sigue, yendo en cerco hacia el Oriente, otro barrio llamado Cantutpata, quiere decir andén de clavellinas. Llaman Cantut a unas flores muy lindas, que asemejan en parte a las clavellinas de España. Antes de los españoles no había clavellinas en aquella tierra. Seméjase el Cantut, en rama y hoja y espinas, a las cambroneras de la Andalucía; son matas muy grandes, y porque en aquel barrio las había grandísimas (que aun yo las alcancé), le llamaron así."
(2) Os felinos eram domesticados para viverem nos palácios.
(3) Não havia o costume de usar cortinas.
(4) Inti Cusi Hualpa Huáscar Inca.
(5) Tentei descrever os aposentos de Huáscar e Chuqui Huipa (Chuqui Llanto), os últimos Inca e Coya do Tahuantinsuyo, (décimo segundo Inca e décima segunda Coya), de acordo com o que os cronistas disseram: [reina], Chuqui Llanto, Coya : dizem que era belíssima e branquinha, que não tinha nenhuma mancha no corpo. E no semblante e muito alegre e cantora, amiga de criar passarinhos. (Guaman Poma)
BIBLIOGRAFIA
Garcilaso de la Vega, Comentarios Reales. ( em especial o Cap. XX)
Guaman Poma, Nueva Corónica y Buen Gobierno (1615)