Uma lufada veio repentinamente empurrando a grama alta, levantando as abundantes ramificações rasteiras dos pés de amora silvestre (1) agrupados a quase três mil metros de altura. Uma breve lufada mais quente, alisando suas folhas verde-escuras, ásperas, empurrando-as com força, deixando, temporariamente, à mostra o lado de trás dessas folhas compostas de três folíolos cobertos de pelos tão pequenos e densos que as deixam esbranquiçadas. Depois, com mais força ainda, lança essas estruturas vegetais elípticas, bordas serreadas, de bases arredondadas com pontas afiadas, contra os próprios caules espinhosos, quase a ponto de arrancá-las; as nervuras pinadas das folhas, marcadas com veias secundárias retas até a borda, iniciam o movimento de volta, juntando-se, outra vez, como se tentassem esconder seus ramos floridos, essas inflorescências axilares e terminais de vistosas flores hermafroditas que rompem o verde das plantas com cimeiras simples ou compostas, cachos ou panículas e flores solitárias, esbranquiçadas, rosadas, começando já a exibir seus primeiros frutos globosos cor de vinho, que mais tarde hão de torna-se escuros. Na natureza, os arbustos da amora silvestre atingem, apenas, um metro, um metro e meio de altura, com boas colheitas de frutos, nos meses chuvosos (2), porém, para colhê-los, às vezes, é preciso uma foice, devido aos espinhos.
Quinhentas e dez plantas com propriedades medicinais foram registradas no norte do Peru. Dois mil quatrocentos e noventa e nove usos diferentes foram registrados para as quinhentas e dez espécies encontradas. As mesmas espécies são frequentemente usadas para várias condições médicas e são aplicadas de maneiras diferentes para a mesma condição: uso tópico como cataplasmas ou banhos, uso oral com a ingestão de extratos vegetais, ou pelo uso de um ¨Seguro¨ que nada mais é do que um frasco cheio de ervas e perfumes servindo de amuleto protetor. A relação homem-natureza parece ter-se mantido ao longo dos séculos desde a época incaica como se as mesmas lufadas de vento os mantivesse a salvo da destruição mas, as florestas montanhosas podem estar caminhando para uma extinção semelhante à sofrida pelo povo inca.
Vários fatores têm contribuído para a perda e a degradação dessas florestas, submetidas a processos de exploração desmedida, colonização desenfreada, desmatamento, fragmentação, extração de recursos não madeireiros, tudo agravado pelo crescimento populacional, pela desigualdade social e uma falta de planejamento quanto à mineração e, mesmo no tocante à agricultura. O que teria sido inimaginável na época inca, cuja organização funcionava de modo quase perfeito, expõe a vulnerabilidade das florestas montanas, com ênfase para as florestas nubladas cujo ecossistema parece ser afetado de modo especial, pois essas matas não se adaptam muito bem a variações climáticas e todas essas mudanças podem interferir no ciclo e na disponibilidade da água, colocando em risco plantas e animais.
(1) Rubus floribundus kunth (Rosaceae) “zarzamora”.
(2) Novembro e Dezembro.