Detalhe central do mural da "historia del Qosqo"( por Juan Bravo), para o município de Cusco: a figura central é Pachacutec, como reconhecimento ao iniciador da expansão inca, a organização do Tahuantinsuyo e o legado que dura até hoje.
A Lenda do Amor Rebelde.
Essa estória de um autor anônimo deve ter servido para embalar muito sono de criança mas, como todas as lendas, servem para lições e para manter a memória viva. Não é diferente do que acreditar no Mapinguay, por exemplo, um enorme e corpulento animal, de um só olho e com as patas traseiras de boi terminadas em garras; a única maneira de destruí-lo seria cortando-lhe o olho. Para exemplificar o que digo, basta pensar na lenda do Chullachaqui, demônio da selva, criado, pelos padres espanhóis, para obrigar os incas a batizarem-se na igreja católica; ele aparece a todas as pessoas que não crêem em Deus e que não estão batizadas.
Bem, desse modo, leiam com bondade o conto de fadas que usei para ilustrar, de forma inversa, o que foi uma Civilização que pautava pelo cumprimento do dever de cada um para que os direitos de todos pudessem existir.
Ollantay: Rebelião por Amor.
Conta-se que o capitão Ollanta (ou Ollantay) apaixonara-se por Cusi-Coyllur, filha do Inca Pachacutec. Ao pedir a mão da princesa e ter seu pedido negado, revoltou-se, trancando-se em uma fortaleza. No entando, desse amor, a princesa Cusi-Coyllur dá à luz uma filha e o Inca Pachacutec morre de indignação e vergonha.
O príncipe herdeiro, então, vinga-se, sitiando Ollanta e encerrando sua irmã em uma prisão. Depois de muitos anos, quando o Inca, finalmente, consegue a rendição da fortaleza, Hima-Sumac, filha do capitão e da princesa, intercede pelos dois, obtendo perdão para ele e a libertação da mãe.
Não que um Inca não pudesse apaixonar-se ou que não estivesse, enquanto ser humano, sujeito a isso. Mas, como disse, anteriormente, a estrutura do Tahuantinsuyo era uma verdadeira "máquina", com perfeitos encaixes, que não davam margem a atos ¨desvairados¨. Em primeiro lugar, havia um respeito muito grande pela sociedade como um todo - ainda que ela fosse uma princesa, ninguém colocaria o Império em perigo por amor; a menos que ele não fosse Inca, o que não é o caso.
Todos no Tahuantinsuyo sabiam qual era o seu lugar e o ocupavam com propriedade, era isso que garantia, sem ser preciso a força das armas; o funcionamento perfeito da "máquina" era o que proporcionava vida em abundância, prosperidade e fartura para todos.
Também, nenhum Inca, muito menos Pachacutec, iria morrer de indignação ou vergonha. Antes, uma outra solução prática qualquer teria sido aplicada com referência ao tal capitão.
Não teriam perdido tantos anos, nem investido tanto, para sitiar uma fortaleza inútil, que não traria benefícios ao Império, nem acrescentaria nada a ele. Um Inca tinha suas responsabilidades, tinha também regras a seguir, não tomava decisões que não levassem a um bem comum - para isso contava com as Panacas, famílias nobres tradicionais que o circundavam, mesmo a sua prória Panaca; e todas elas ainda teriam de ouvir as múmias de seus ancestrais para tomar decisões. Isso era uma prática diária no Tahuantinsuyo.
E, depois de tudo isso, dizer que a filha dos dois teria conseguido obter o perdão seria ultrapassar a loucura em si mesma. Viver no Tahuantinsuyo era uma dádiva; muitos povos, quando conquistados, por vezes sem a força de armas, aceitavam fazer parte do Império, pois sabiam que isso era garantia de fartas colheitas e uma vida cheia de benefícios; benefícios esses que eram iguais para todos. As crianças, ao nascer, recebiam um "topo" de terra, o que lhes garantiria o sustento através da vida; os jovens, ao casar, recebiam ajuda para construir sua casa - ninguém ficava ao relento. Quando alguém morria, o "topo" voltava para o Estado para ser doado a outro recém-nascido.
Para finalizar, trata-se de Pachacutec (Pachakutiq). Nada mais, nada menos do que o iniciador do Tahuantinsuyo. Sua figura representa o início de toda uma época de transição e reestruturação da sociedade inca, uma etapa de mudanças que continuaria, depois de sua morte, em 1471, com seu filho, Tupac Yupanqui e seu neto, Huayna Capac. Foi ele quem, realmente, transformou o Tahuantinsuyo em um Império.
Sua visão de Estadista e guerreiro conquistou muitas etnias e estados, expandindo seus domínios, sendo considerado um líder excepcional. Muitos hinos e épicos seriam cantados e contados sobre ele, como tributos a seus feitos.
Pachacutec, "aquele que muda o rumo da terra".
"... e os tais senhores caciques saíram de lá bem onde estava Wiracocha Inca e contaram a ele como o Inca Yupanqui os mandou ali para ver em que eram servidos, que eles o serviriam; e como Virachoca Inca os viu na sua frente e tão grande multidão de senhores e de tanto poder, regozijou-se muito daquilo (...) Depois de distribuir copos de chicha e porções de coca para eles, Viracocha Inca pôs-se de pé e considerando que, desde que seu filho mandara aqueles senhores e eles tanto o amavam e o queriam como senhor, era justo que ele também os encorajasse nisto. Fez-lhes uma certa oração, pela qual lhes agradeceu o que fizeram por ele e por seu filho, e que já sabiam (.. .) que até então tinha sido senhor de Cusco, e que saiu de lá por motivos que o moveram para isso; e que a partir de então Inca Yupanqui, seu filho, seria senhor da cidade de Cusco ”. Retirado de "Suma y Narración de los Incas", cronista Juan de Betanzos.
Ainda quando não havia sido designado como sucessor por seu pai, Wiracocha Inca, no momento em que este e seu filho Inca Urco, saíram da Capital, diante da iminência de um ataque mortal e sob terrível ameaça dos Chancas, tomou a si a tarefa de proteger a cidade e a vitória sobre eles fez com que Wiracocha o reconhecesse como sucessor em 1438.
Implantou o sistema de mitmakuna, ou mitimaes -traslados- em todo o Tahuantinsuyo: eram grupos de pessoas enviadas pelo Estado a qualquer ponto conquistado pelo Inca a fim de realizar tarefas específicas de coesão. Colonizavam, ensinavam as técnicas e modos de produção cusquenhos, ou seja, da capital Cusco, ensinavam leis e costumes, divulgavam a religião dos Incas. Também controlavam as populações recém-incorporadas ao Tahuantinsuyo, produzindo os elementos básicos para cobrir suas necessidades, reproduzindo traços culturais para incorporá-los ao todo.
Com o aumento do Império, aumentou também a demanda de alimentos, moradias e necessidades básicas, pelo que Pachacutec investiu em uma série de obras de construção, como a formação de novos bairros , novas praças, etc,. Além disso fez transformações na área agrícola, intensificando a produção, graças à criação de canais para melhor distribuição de água, bem como todo um novo sistema de armazenamento e a construção de plataformas - andenes - que eram terraços para plantio. Remanejou áreas, ao redor de Cusco, para que fossem utilizadas como sementeiras, relocando seus moradores, transferindo-os para outros lugares igualmente férteis.
Reedificou o Templo do Sol, tranformando-o de um humilde lugar de culto so sol a um suntuoso templo que passou a ser conhecido como Qoricancha (Templo de Ouro).
Foi quem organizou o Império em quatro regiôes, ou suyos (Tawantinsuyo - as quatro regiões), tendo como centro a cidade de Cusco, o umbigo, ou centro do mundo: a leste, Antisuyo, a oeste Contisuyo, ao norte o Chinchaysuyo e, ao sul, o Collasuyo.
Diversas crônicas afirman que foi tambén um grande administrador, planificador, filósofo, observador da psicología humana e carismático general. Juan Díez de Betanzos em sua "Suma y Narración de los Incas" (1551) diz que Pachacutec foi um jovem íntegro, "muito virtuoso, gostava muito de ajudar os pobres¨.
Monumento a Pachacutec em Aguas Calientes,
perto de Machu Picchu, no Perú.