2.18.2012

ATAHUALPA - ESTRIBILHO DE UMA MORTE ANUNCIADA









Para falar sobre Atahaulpa, podemos usar o testemunho de Pedro Pizarro (#), que esteve com ele nos últimos dias de sua vida e escreveu em seu livro, Relación del Descubrimiento y Conquista de los Reinos del Perú, a impressão que teve dele, como um homem de grande poder e carisma.

Pizarro disse que Atahualpa era um homem bem disposto e de boa aparência, corpo bem feito, sem ser muito gordo, bonito de rosto, circunspecto, olhos implacáveis. Disse que era muito temido por seu povo e amado como Deus.

Quando "tiraram este senhor do madeiro onde ele foi morto, seus índios se aproximaram e cavaram a terra, onde seus pés haviam estado, quatro dedos, e a levaram como relíquia."
"Eu me lembro que o senhor de Guailas (Huaylas) pediu permissão para ir ver a sua terra e ele a deu, dando-lhe tempo que fosse e voltasse, e se atrasou um pouco, e quando voltou, na minha presença, chegou com um presente de fruto da terra, e tendo chegado diante dele, começou a tremer de tal forma que mal podia se manter em pé. Atahualpa levantou a cabeça um pouco, e, sorrindo, lhe fez sinal para que saísse."(1)

  
De acordo com Pizarro, Atahualpa usava a mascapaycha, que era a borla real ou "coroa" (2), o que significa que ele se considerava Inca, mesmo quando Huascar ainda estava vivo, sendo este soberano, senhor e verdadeiro Inca. Atahualpa usava o llauto na cabeça, que eram tranças coloridas de lã, da espessura de um dedo médio, por um de largura, à maneira de coroa mas, sem pontas, redonda, da largura de uma mão que encaixava na cabeça. Na frente, uma borla costurada neste llauto, da largura de uma mão ou um pouco mais, de lã muito fina, escarlate (*em espanhol original- grana) (3), muito bem cortada, presa por alguns tubinhos de ouro, muito subtilmente, até a metade. A lã era fiada, dos tubos para baixo, retorcida, que era o que caía em sua testa, os tubinhos de ouro tomavam todo o llauto. Esta borla, de um dedo de grossura, caía até um pouco acima das sobrancelhas, ocupando toda a frente.
Atahualpa tinha muitos líderes com ele: eles ficavam lá fora, em um pátio, quando ele chamava algum, este entrava descalço até onde ele estava e, vindo de fora, de outro lugar, deveria entrar descalço e carregando uma carga ou "fardo" em sinal de submissão. Quando seu capitão Challicuchima veio com Hernando Pizarro e entrou para vê-lo, entrou descalço, com uma carga na cabeça, jogou-se a seus pés e beijou-os, chorando. "Atahualpa, com o rosto sereno, lhe disse: -Seja bem-vindo alli Challicuchima, o que significava:  - Seja bem-vindo, bom Challicuchima."
  
Eles todos andavam raspados, e os 'orejones' (4) com o cabelo cortado a 'sobre peine' (5). Vestiam roupa muito fina e macia.
"Este senhor colocava a manta sobre a cabeça, atando-a sob o queixo, tapando as orelhas: fazia isso para tapar uma orelha que estava rompida, que, quando o prenderam os de Guascar (Huascar) a quebraram." 
  
As vestes de Atahualpa. 
  
"Este senhor vestia roupas muito delicadas." 


Além de ser uma pessoa interessante, Atahualpa era fascinante. Não foi o suficiente usar roupas finas e delicadas, feitas com o melhor Cumbi, comumente usadas pelos Incas, ele ousou mais. Pizarro descreve um momento em que, talvez para mostra-se um pouco mais, impondo sua presença, vestiu uma roupa feita de lã de morcego.
Como se isso fosse a coisa mais natural do mundo.


Pizarro conta que, certo dia, Atahualpa fazia uma refeição servida pelas mulheres que traziam a comida e a colocavam diante dele, em umas "bandejas" de junco verde, muito finas e pequenas. Estava sentado em um assento de madeira vermelho muito bonito, de um pouco mais de um palmo de altura, o qual mantinham, sempre, coberto com uma manta muito fina, ainda que ele estivesse sentado nele. Essas "bandejas" de junco, já mencionadas, eram, sempre, estendidas diante dele, quando queria comer e, alí, colocavam todos os manjares em pratos de ouro, prata e barro, e os que lhe apetecíam, ele fazia sinal para que trouxessem e uma das mulheres o segurava nas mãos enquanto ele comia.


"Pois estando ele dessa maneira, comendo, e eu presente, levando um pedaço da iguaria à boca, ele deixou cair uma gota na roupa que vestia, e dando a mão para a índia, levantou-se e foi para seu aposento para vestir outra roupa, e voltou, usando uma camiseta e uma manta marrom escura. Aproximando-me dele, toquei em sua manta, que era mais suave que a seda, e eu disse: - Inca, de que é esta veste tão suave? Ele me disse: - É de uns pássaros que andam de noite, em Puerto Viejo e em Tumbez, que mordem os índios. Chegou a declarar que era de pelo de morcego. Dizendo-lhe de onde podiam juntar tanto morcego, respondeu:. - Aqueles cães de Tumbez e Puerto Viejo, que haveriam de fazer senão usar isso para fazer roupas para o meu pai? E é assim que esses morcegos mordem à noite, índios, espanhóis e cavalos, e tiram tanto sangue que é coisa de mistério, e assim averiguou-se ser essa veste de lã de morcego, e era da cor deles, pois em Puerto Viejo e em Tumbez e em sua região, há uma grande quantidade deles. "




"E eu não vi em todo o Perú, índio semelhante a esse Atahualpa, nem de sua ferocidade ou autoridade."







"Certa vez, um súdito veio queixar-se de que um espanhol levou algumas vestes de Atahualpa; o Marquês (6) enviou-me para descobrir quem era, chamar o espanhol e castigá-lo. O índio me levou a uma cabana (7), onde havia uma grande quantidade de baús; o espanhol já tinha ido embora e, dizendo-me que, dalí, ele tomara uma veste do senhor, eu, perguntando-lhe o que continham aqueles baús, mostrou-me alguns que continham tudo o que Atahualpa havia tocado com as mãos e tinha deixado depois, e roupas que havia descartado: em uns, as bandejas que havia atirado aos seus pés quando ele comia e, em outros, os ossos das carnes ou aves que comia; em outros, os sabugos das espigas de milho que havia tomado em suas mãos; finalmente, tudo o que ele havia tocado. Perguntei a eles para que tinham aquilo alí. Responderam-me que era para queimar, porque a cada ano eles queimaram tudo isso, porque o que tocavam os senhores e os filhos do sol deveria ser queimado, transformado em cinzas e ser solto no ar, que ninguém deveria tocar em nada. E, de guarda, estava um comandante com índios que guardava a tudo, e que recolhiam das mulheres que o serviam."


                           ESTRIBILHO DE UMA MORTE ANUNCIADA

  
  
"Tendo chegado, pois, Almagro e as pessoas já mencionadas, Atahualpa perturbou-se e entendeu que havia de morrer, e um dia, enquanto fazia a refeição com o Marquês, perguntou-lhe como ele repartiria os índios entre os espanhóis. O Marquês disse que daria um chefe para cada espanhol. Atahualpa disse se cada espanhol estaria cada um com seu chefe. O Marquês disse que não, mas que fariam cidades onde os espanhóis estariam juntos. Ouvindo isso, Atahualpa disse - eu vou morrer: quero te dizer, apo, o que os cristãos deverão fazer com esses índios para que possam servir-se deles: se a algum espanhol deres mil indios, terá de matar a metade para poder servir-se deles, e assim disse ao Marquês que o havia de matar."

"O Marquês assegurava dizendo a ele que lhe daria a província de Quito, e que os cristãos levariam de Cajamarca a Cuzco. Porque, como Atahualpa era um índio sábio, veio a entender que o enganava, tinha uma grande amizade com Hernando Pizarro, que lhe prometera que não deiraria que o matassem, e por isso dizia Atahualpa não havia visto espanhol que parecesse senhor como Hernando Pizarro. Pois, estando assim, as coisas, determinou o Marquês Don Francisco Pizarro enviar seu irmão Hernando Pizarro para a Espanha com o tesouro de Sua Majestade. Quando Atahualpa soube da ida de Hernando Pizarro, chorou, dizendo que o haviam de matar, porque Hernando Pizarro ia embora, o que assim se passou... "




"Nisso o Marquês foi sempre muito cristão, que de ninguém tirou o que merecia."
 
Uma pequena reflexão sobre o que o autor considera ser um cristão. O que é ser um cristão? Chegar a um lugar, roubando as casas das pessoas, seus bens, suas propriedades, matando seu proprietário, seus moradores e partilhar os despojos em "nome de Deus" de uma maneira cristã? Eu não sei se as pessoas são irracionais, ignorantes, ingênuas, manipuladoras ou, simplesmente, manipuladas. Nenhuma pessoa deveria ser rotulada, mas algumas pessoas não podem ser chamadas de outra forma.
"Pois, tendo feito essa divisão entre aqueles que entraram em Cajamarca quando da prisão de Atahualpa, quero dizer, todos os espanhóis que com o Marquês ali entraram, como se fizera por decreto lque os que depois vieram não lhes davam nada, levantou-se grande confusão entre os Oficiais do Rei e os que tinham vindo com Almagro, dizendo que o tesouro que Atahualpa havia mandado era incontável e que, se o decreto fosse respeitado, eles nunca teriam nada.
Concordaram, pois, os Oficiais e Almagro que Atahualpa deveria morrer, tratando entre eles que, morto Atahualpa, acabaria o decreto feito acerca do tesouro."
  
Os eventos foram se desenrolando como um estribilho mórbido de uma triste melodia que se repete até desaparecer, completamente, dentro da morte.
  
"Então disseram ao Marquês Don Francisco Pizarro que não convinha que Atahualpa vivesse, porque se ele fosse libertado, sua Majestade perderia a terra e todos os espanhóis seriam mortos, e na verdade, se isso não fosse tratado com malícia (como foi dito) teriam razão, porque seria impossível, libertando-o, ganhar a terra. Pois o Marquês não quis chegar a isso.

"Vendo isso, os Oficiais fizeram muitas exigências, colocando o serviço de Sua Majestade à frente. Estando isso assim, atravessou um demônio de uma língua, que dizia Felipillo, um dos rapazes que o Marquês tinha levado para a Espanha, que andava enamorado de uma mulher de Atahualpa, e para tê-la deu a entender ao Marquês que Atahualpa estava organizando grande ajuntamento de pessoas para matar os espanhóis, em Cajas. "
  
Traição, mentiras, palavras trocadas - elementos que se juntaram para formar a trama da morte de Atahualpa.



"Pois tendo sabido disso o Marquês, prendeu a Challicuchima, que andava livre, e, perguntando-lhe dessa gente que a má lingua dizia que se estava juntando, mesmo que negasse, dizendo que não, o tal de Felipillo dizia o contrário, mudando as palavras que os indios diziam a quem lhes perguntasse desse caso. Pois o Marquês Don Francisco Pizarro concordou enviar Soto a Cajas para ver o que de fato acontecia..."


Francisco Pizarro foi pressionado, principalmente por Almagro e pelos oficiais, a ordenar a morte de Atahualpa, porque isso seria muito conveniente para todos. 



"... à partida de Soto, pressionaram o Marquês com muitas exigências e a má língua, por sua vez, ajudava com seu retrucar, conseguiram convencer o Marquês que Atahualpa deveria morrer, porque o Marquês zelava muito dos negócios de Sua Majestade, e assim o fizeram temer, e contra a sua vontade condenou Atahualpa à morte, mandando que o estrangulassem e, após a morte, o queimassem, por ter ele irmãs como mulheres. "


"Certo: Poucas leis estes senhores tinham lido pois, ao infiel, sem defesa, davam-lhe essa sentença. Pois Atahualpa chorava e dizia que não o matassem, que não haveria indígena na terra que pudesse ser controlado sem ele mandar, e que eles o tinham prisioneiro, que haveriam de temer, e se o tinham por ouro e prata, que ele lhes daria dois tantos do que havia mandado."   

"Eu vi chorar o Marquês, de pesar, por não ser capaz de lhe dar vida, pois certamente temeu as petições e o risco que havia na terra se ele se libertasse."


Atahualpa aceitou batismo cristão antes de morrer, não por causa da conversão, mas pela fé que tinham, ele e todos os Incas, que se o corpo não fosse preservado, uma pessoa não poderia renascer. 




"Este Atahualpa tinha dado a entender a suas esposas e índios que se não queimassem o seu corpo, ainda que o matassem, haveria de voltar para eles, que o sol, seu pai, o ressuscitaria. Pois, ao levá-lo para estrangular, na praça, o Padre Frei Vicente de Valverde, já mencionado, pregou a ele, dizendo que se tornasse cristão, e ele disse que caso se tornasse cristão, se o queimariam, e disse que como não o haveriam de queimar, que queria ser batizado, e assim o Frei Vicente o batizou e o estrangularam, e no dia seguinte o sepultaram na igreja que os espanhóis tinham em Cajamarca."
  
"Isso foi antes que Soto retornasse dando conta do que lhe fora ordenado, e quando chegou, ele trouxe a nottícia de não haver visto nada, nem haver nada, o que, ao Marquês, foi muito pesaroso havê-lo morto, e muito mais a Soto, porque ele dizia que ele estava certo, que muito melhor seria enviá-lo para a Espanha, e que ele se obrigaria a colocá-lo no mar, e certamente essa seria a melhor coisa que se poderia fazer com esse índio porque ficar na terra não era aconselhável; também se entendeu que ele não vivera muitos dias, porque era índio muito talentoso e muito importante."
  
Pizarro narra o momento de dor que foi a morte de Atahualpa e como todos se sentiram perdidos sem ele. No instante da sua morte, era ele o Inca, pois Huascar já não vivia. Esta foi a principal razão dada pelos espanhóis para matar Atahualpa, o assassinato de Huascar. Para todos os que viviam em torno de Atahualpa, como se pode ver, ele era, realmente, o Filho do Sol, que já não brilhava,  que foi embora... 
  
"Pois, morto Atahualpa, como eu disse, havia dado a entender a suas irmãs e mulheres que, se não fosse queimado, retornaria a este mundo. Algumas pessoas se enforcaram e uma sua irmã com algumas índias, dizendo que iriam ao outro mundo para servir Atahualpa, ficaram duas irmãs que choravam muito, com tambores e cantando, contando as façanhas de seu marido. Esperaram até que o Marquês saisse fora do seu quarto, e vieram ao lugar onde Atahualpa costumava estar; e me imploraram que as deixasse entrar e, quando entraram, começaram a chamar Atahualpa, buscando-o pelos cantos, bem baixinho. Como viram que não lhes respondía, chorando alto, saíram. Eu perguntei a elas o que buscavam. Disseram-me o que tenho dito. Eu as desenganei, dizendo que os mortos não retornavam até o dia do juízo."(8)
  
Aos poucos, apagou-se a luz de todas as lâmpadas, como que tocadas pelo vento. Aos poucos foi se extinguindo o som dos tambores e flautas, a música parou, morreu o estribilho, as lágrimas secaram enquanto o tempo passava e as gerações se sucederam sepultando os sonhos. Como em uma procissão de amor e esperança, as sombras daquelas mulheres parecem perpetuar a busca pelo Inca. Cantando no silêncio, como fantasmas que deslizam no vazio do tempo, contando as façanhas de Atahualpa, chamando-o pelo nome, bem baixinho. 


                                  Fim da História?
                                                              
  
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1) O texto original de Pedro Pizarro está escrito de uma maneira difícil de entender, então eu coloquei, primeiro, as palavras adaptadas para a língua espanhola atual, simplesmente mudando as letras, tais como (-v) em vez de (-u), como na palavra seruicio (servicio) (serviço), por exemplo, mas não para alterar as palavras no seu significado, simplesmente para facilitar a compreensão quanto às letras. Como no exemplo abaixo:


"Aquerdome que el senor de Guailas le pidio licencia para ir a uer su tierra, y se la dio, dandole tiempo en que fuese y biniese, y tardose algo mas, y quando uoluio, estando yo presente, llego con un presente de fructa de la tierra, y llegado que fue a su presencia, enpezo a temblar en tanta manera, que nose podia tener en los pies. El Atagualpa alzo la caueza un poquito, y sonrriendose le hizo sena que se fuese." (texto original) 


(2) O traje do Inca consistia de um turbante multicolorido, aderido à cabeça, chamado llauto, que trazia, na parte da frente, uma insígnia chamada MASCAPAYCHA (borla de cor vermelha); acima do Llauto, sobressaindo pela frente, eram colocadas duas penas da ave Qoriquenque, presas por uma placa de ouro que representava a imagem do sol.

3) Real Academia Española - Diccionario de la Lengua Española 

grana2. (De grano, tumorcillo). 
1. f. cochinilla2.
2. f. quermes (‖ insecto hemíptero).
3. f. Excrecencia o agalla pequeña que el quermes forma en la coscoja, y que, exprimida, produce color rojo. 
4. f. Color rojo obtenido de este modo. (cor vermelha obtida desse modo)


(4) (Andes, Hist) oficial e nobre Inca. 


(5) sobre peine. (no pente)
1. loc. adv. Dicho regularmente de cortar el cabello: Por encima de él y sin ahondar mucho. (dito, regularmente, de cortar o cabelo - por cima e sem afundar muito)

(6) Francisco Pizarro.

(7) bohío. 1. m. Cabaña de América, hecha de madera y ramas, cañas o pajas y sin más respiradero que la puerta. Real Academia Española - Diccionario de la Lengua Española. (cabana da América, feita de madeira e bambú, ramos ou palha e sem aberturas, a não ser a da porta)

(8) "Era costume entre esses índios que a cada ano as mulheres chorassem a seus maridos e parentes, carregando suas roupas e armas diante de si, e muitas índias, carregadas com muita chicha, atrás, e outras tocando tambores e cantando as façanhas dos mortos, iam de monte em monte e de lugar em lugar onde os mortos, estando vivos, haviam ido, e quando se cansavam, sentavam-se, bebíam e, descansados, voltavam ao pranto até que acabasse a chicha."(Pedro Pizarro)

(9) "... que tendo ido Hernando Pizarro e dividido o tesouro que se havia juntado, coube aos cavaleiros oito mil "pesos" por parte, e aos que lutavam a pé, quatro mil: isso era dando partes inteiras porque houve muito poucos aos quais foram dadas, a alguns cavaleiros foram dadas uma parte e meia, a outros uma parte e três quartos, e aos que íam a pé, três quartos, e meia parte, e a muito poucos a parte inteira, que se repartia conforme o que cada um servía e o cavalo que tinha, apesar de Almagro querer que fosse de forma diferente, ele e seu parceiro tomaram a metade e, aos demais espanhóis deram um mil, e aos que deram mais, dois mil pesos. "


BIBLIOGRAFIA

Pizarro, Pedro. Relación del Descubrimiento y Conquista de los Reinos del Peru.

(#)Pedro Pizarro foi um cronista espanhol e conquistador. Ele participou da maioria dos eventos da conquista espanhola do Peru, e escreveu um longo relatório  sob o título de Relación del Descubrimiento y conquista de los Reinos del Perú, que terminou em 1571.

link para o original em espanhol neste blog:


                         





                                                              

2.13.2012

TAHUANTINSUYO - AS PERFEITAS ENGRENAGENS DO IMPÉRIO







Padre Blas Valera, em seus livros, fala das leis e direitos que havia no governo dos Incas - "tão político e tão digno de louvor."




A lei municipal tratava acerca das vantagens específicas que cada província ou cidade tinha, dentro de sua jurisdição, e a lei agrária tratava da divisão e medição das terras e de sua distribuição entre os moradores de cada aldeia. Esta lei era cumprida com a máxima diligência e honestidade - os medidores encarregavam-se de aferir as terras por partes, com as suas peças de cordas que eles chamavam Tupu (1), e as repartiam entre os moradores, designando, a cada um, a parte que lhe cabia.

O direito comum era o que determinava que as pessoas agissem em conjunto (exceto os idosos, crianças e doentes) para fazer coisas e trabalhar pelo país, tais como a construção de templos, as casas do Inca ou dos senhores, arar suas terras, construir pontes, estradas, etc. 

Havia também a lei de fraternidade, que ordenava a todos os habitantes de cada aldeia que ajudassem uns aos outros a arar, a semear e realizar as colheitas, construir suas casas e outras coisas desse tipo, sem qualquer remuneração.

A lei chamada Mitachanácuy, que é 'mudar-se', às vezes, por turnos ou famílias, na qual todo o trabalho e produção realizados em comum tivessem a mesma conta, medida e distribuição que havia nas terras, para que cada província, cada cidade, cada família, cada pessoa, trabalhasse apenas o que lhe cabia, e que aquele trabalho fosse alternando-se, para que pudessem descansar.

A lei sobre as despesas ordinárias, que proibia o luxo em roupas comuns, preciosidades, como ouro e prata e pedras preciosas. Esta lei eliminava completamente a superficialidade em banquetes e refeições, mandando que, duas ou três vezes por mês, os moradores de cada cidade fizessem juntos as refeições em frente aos seus líderes. Também que se exercitassem em jogos militares ou populares para que vivessem em paz e harmonia, e para que os pastores e outros trabalhadores agrícolas pudessem animar-se, divertindo-se.
  
A lei em favor dos que eram chamados pobres mandava que os cegos, mudos e coxos, aleijados, velhos, decrépitos, doentes incuráveis e outros que não podiam cultivar a terra, podendo gerar seu próprio sustento, fossem alimentados pelos depósitos públicos. Esses mesmos depósitos públicos deveriam prover aos hóspedes que ali chegassem, estrangeiros, peregrinos e viajantes, para os quais havia essas casas públicas, chamadas corpahuaci - hospedarias - onde recebiam tudo que fosse necessário. A mesma lei ordenava que duas ou três vezes por mês todos esses necessitados fossem chamados a participar das refeições e reuniões públicas, para que a alegria comum fizesse com que se sentissem melhor.
  
A lei doméstica continha duas coisas: em primeiro lugar, que ninguém estivesse ocioso, mesmo as crianças de cinco anos se ocupavam em coisas muito leves, de acordo com sua idade. Assim, os cegos, coxos e mudos, se não tivessem outras doenças, também trabalhavam em várias coisas; as outras pessoas, enquanto tivessem saúde, ocupavam-se cada um em seu ofício e benefício, e entre eles era uma questão de grande vergonha e desonra ser punido em público por ociosidade. A mesma lei determinava que as pessoas fizessem suas refeições com as portas abertas para que os ministros dos juízes pudessem entrar livremente para visitá-los. Alguns juízes eram encarregados de visitar os templos, lugares, edifícios públicos e casas particulares: chamavam-se  llactacamayu.
  
  
Estes llactacamayu, pessoalmente ou através de seus representantes, frequentemente visitavam as casas para ver o cuidado e a diligência que tanto os homens quanto as mulheres tinham para com suas casas, família, obediência, aplicação e ocupação das crianças. Diligentemente observavam os ornamentos, objetos de decoração, limpeza e cuidado, móveis, roupas, objetos de cozinha e tudo o que tivesse relação com a casa. Recompensados ​​com elogios públicos eram os que estavam em dia com suas obrigações (os que não estivessem eram punidos). 

Havia outras leis morais e ordenanças, respeitadas em comum e em particular, mas essas foram as principais. 
  
"A ordem e a maneira que os Incas tinham de conquistar as terras e a maneira que usavam para ensinar as pessoas a vida política e cívica, certamente não é para esquecer ou subestimar, porque desde os primeiros Reis, aos quais os sucessores imitaram,  fizeram guerra apenas movidos por alguma razão que lhes parecia suficiente, como a necessidade de submeter os bárbaros à vida humana e política, ou por lesões e dores que os povos vizinhos impunham aos seus súditos, e antes que fizessem a guerra, notificavam aos inimigos uma, duas ou três vezes. "(Garcilaso)
  
Depois de haver conquistado uma província, os Incas levavam o ídolo principal daquele lugar até Cuzco, como se fosse um refém, colocavam-no em um templo até que o senhor e seu povo se desiludissem de seus deuses vãos e adorassem o Sol. Nesse primeiro momento, não lançavam ao chão os deuses estrangeiros, não desonrando a província conquistada, para que os nativos não desdenhassem do desprezo de seus deuses, até que  os tivessem também conquistados na adoração do Sol. Faziam o mesmo com o líder local, que levavam a Cuzco e todos os seus filhos, presenteando-os, para que eles, frequentando a corte, aprendessem, não apenas as leis, costumes, a língua, mas também os ritos e cerimônias. Isso restituía ao líder sua antiga dignidade e senhorio. Então os súditos lhes serviam e obedeciam como a um senhor natural. Para que os soldados vencedores e vencidos se reconciliassem, tivessem perpétua paz e amizade, para que se perdesse e esquecesse qualquer raiva ou rancor que pudesse ter nascido durante a guerra, mandavam que entre eles fossem celebrados grandes banquetes, abundância de presentes, e que ali se encontrassem também os cegos, coxos e mudos e outros pobres deficientes, para que desfrutassem da liberalidade real. "Naqueles festas havia danças de donzelas, jogos e alegrias de jovens, exercícios militares de homens maduros. Além disso, lhes davam muitos presentes de ouro e prata e penas para adornar seus vestidos e enfeites nas principais festas. Faziam outras doações de roupas e jóias, que entre eles eram muito valorizadas. 
Com esses e outros dons, o Inca presenteava aos povos conquistados, de forma que, ainda que fossem bárbaros e brutos, concordavam em ser anexados com tal amor e trabalho, com tamanho vínculo, que nenhuma província nunca rebelou-se. Para que nunca houvesse razão de queixas, de modo que elas não causassem rebeliões, confirmava-se e promulgava-se as leis, foros e estatutos antigos, sem mudar nada, caso não fossem contrários às leis do Tahuantinsuyo. Se houvesse necessidade, mudavam os habitantes de uma província para outra - dando-lhes terras, casas, servos, gado, em abundância. Para o lugar deles, mandavam cidadãos de Cuzco ou de outras províncias fiéis para que, como soldados, ensinassem aos moradores as leis, ritos, cerimônias, e a língua oficial do reino. 
  
"... tiradas algumas coisas adequadas para a segurança do Império, todo o resto das leis e direitos dos súditos eram mantidos, sem tocar em nada. As propriedades e patrimônios, públicos e privados, mandavam os Incas que se mantivessem livres e inteiros, sem diminuição. Nunca permitiram que seus soldados roubassem ou saqueassem as províncias e reinos que haviam conquistado e rendido por armas e, aos rendidos, os nativos destas, em um curto espaço de tempo fornecíam-lhes governos de paz e encargos de guerra, como se fossem velhos soldados do Inca, de há muito tempo, e fossem servos muito fiéis."(Garcilaso)
  
Havendo conquistado uma nova província,  o Inca tentava compor e ordenar os assuntos da região, para o que mandava que fossem registrados em nós e contas (2), as pastagens, montanhas altas e baixas, terras agriculturáveis, propriedades, minas de ouro, prata e cobre, salinas e fontes, lagos e rios, algodoais, árvores frutífera e gado. Todas essas coisas e outras eram contadas, medidas e gravadas na memória. Primeiro as de toda a província, depois as de cada cidade e por último as de cada pessoa; o comprimento e a largura das terras agriculturáveis, dos campos eram medidas e claramente relacionadas, não para aplicar a si mesmo ou a seu tesouro qualquer das coisas que pediam notícia, mas para que, conhecida, perfeitamente, a fertilidade e abundância ou a esterilidade e a pobreza da região e de seus povos, fosse determinado o que os nativos iriam contribuir e no que iriam trabalhar. Também para que pudesse chegar a tempo o socorro de abastecimento, roupas, qualquer outra coisa que tivessem necessidade em tempos de fome ou de guerra. Mandava ser de conhecimento público e notório tudo o que fosse feito a serviço do Inca, tanto dos chefes quanto do país. Assim, nem os súditos poderiam diminuir nada do que tivessem obrigação de fazer, nem os chefes ou os seus representantes poderiam prejudicá-los. 




"O peso dos impostos que aqueles Reis impunham a seus súditos era tão leve que parece brincadeira o que adiante diremos, aos que lerem. No entanto, os Incas, não contentes ou satisfeitos com todas estas coisas, distribuíam com fartura as coisas necessárias para a alimentação e o vestir, sem outros muitos presentes, não apenas aos senhores e nobres mas também aos plebeus e aos pobres, de tal maneira que, com muita razão, poderiam chamar-se diligentes pais de família ou cuidadosos cuidadores, do que Reis,..." (Garcilaso)
  
De acordo com a conta e medida que se fizera da província conquistada, eram colocados seus pontos de referência e limites, para que fosse separada de seus vizinhos. E para que, no futuro, não houvesse confusão, colocavam nomes próprios e novos aos montes e colinas, campos, prados e fontes, e outros lugares, se antes eles tinham nomes, eles eram confirmados, acrescentando algo novo, que os distinguisse das outras regiões. Em seguida, repartiam as terras, a cada aldeia da província o que lhes pertencia, para que fosse território particular, proibindo que esses campos e lugares universais, identificados e medidos dentro dos limites de cada povo, de modo algum se confundissem. 
  
As minas de ouro e prata, antigas ou recém-descobertas, eles as davam aos governantes e seus familiares e os súditos poderiam pegar o que quisessem, não para tesouros, mas para adornar os vestidos e para os enfeites de suas principais festas e para alguns copos nos quais os curacas (chefes) bebessem. Parece que não faziam caso das minas, esqueciam-se delas e deixavam perder - havia pouquíssimos mineiros para extrair e derreter o metal, apesar de, em outros ofícios e artes, existirem inúmeros oficiais. Os mineiros, fundidores de metais e outras pessoas empregadas naquele trabalho não pagavam outro imposto que não fosse o devido ao seu trabalho e ocupação. 
  
Eles eram obrigados a trabalhar dois meses, com esses dois meses pagavam seu tributo - o tempo restante do ano, gastavam como quisessem. Apenas trabalhavam as pessoas da província que tinham isso por ofício particular e conheciam a arte, os chamados metaleiros. O cobre, chamado anta, usavam no lugar do ferro, do qual faziam as armas, facas e instrumentos de carpintaria, os grandes prendedores que as mulheres usavam em suas roupas, os espelhos, as enxadas com as quais capinavam e os martelos para os ourives, pelo que apreciavam muito esse metal, e porque para todos era mais aproveitado do que a prata ou o ouro, extraíam mais quantidade de cobre do que de outros metais. Pessoalmente, acho que isso era feito com a intenção de não banalizar o ouro e, sim, valorizá-lo. Afinal, acreditavam que o ouro era o suor dourado do Sol, portanto sagrado. 
  
"Daí também nasceu que os reis do Peru, por terem sido assim, fossem tão amados e queridos por seus súditos que os índios de hoje, sendo já cristãos, não podem esquecê-los, em seus trabalhos e necessidades, com lágrimas e gemidos, gritam em voz alta a chamá-los um a um pelos seus nomes, porque não se lê que qualquer um dos antigos reis da Ásia, África e Europa tenham sido para os seus súditos nativos tão cuidadosos, tão gentis, tão proveitosos, francos e liberais, como foram os Reis Incas para com os seus." (Garcilaso)
  
Os curacas eram como nobres, de acordo com Garcilaso, senhores de vassalos, como eram os duques, condes e marqueses de Espanha, e como senhores verdadeiros e naturais, presidiam na paz e na guerra aos seus: eles tinham poderes para fazer cumprir as leis particulares, para compartilhar impostos, para sustentar sua família e todos os seus súditos em tempo de necessidade, de acordo com as ordenanças e estatutos do Inca. 
Embora eles não tivessem autoridade para fazer as leis ou declarar direitos, também sucediam por herança nos negócios e na paz nunca pagavam tributo, e em suas necessidades eram providos desde os depósitos reais e não dos comuns. Os outros, inferiores aos capitães, tais como os cabos de esquadrão de dez e de cinquenta, não eram livres de impostos, porque não eram de "linhagem clara". 
Os generais e os mestres de campo poderiam escolher os cabos de esquadrão: uma vez eleito, não podiam tirar-lhes os cargos: eram perpétuos. (3) 


Eles pagavam tributo de acordo com seu ofício de decuriões e também tinham o cuidado de olhar e visitar os campos, propriedades, casas reais, vestuário e alimentação das pessoas comuns. 
  
Os outros governadores e ministros eram nomeados pelo Inca, de menor a maior subordinados a todas as coisas do governo e os impostos do Império. Havia pastores maiores e menores, aos quais entregavam todo o gado real e comum. Estes o guardavam com grande fidelidade, de modo que não faltava um só. Sua tarefa era a de afugentar as feras - não havia ladrões. 


Havia guardas, observadores maiores e menores de campos e fazendas. Havia responsáveis ​​e administradores, juízes e visitantes. O trabalho de todos eles era que não faltasse ao seu povo coisa alguma do necessário: havendo necessidade do que quer que fosse, imediatamente avisavam aos governadores e curacas e ao próprio Inca, para que provessem, o qual faziam maravilhosamente, especialmente o Inca, que nesta matéria de forma alguma queria que o povo o visse como Rei, mas como um pai de família e um tutor muito diligente. 
  
"Os juízes e visitadores tinham o cuidado e a diligência que todos os homens se ocupassem de seus ofícios e que, de forma alguma estivessem ociosos, que as mulheres tratassem de cuidar de suas casas, seus quartos, suas roupas e alimentos, de criar seus filhos, enfim, de fiar e tecer para sua casa; que as meninas obedecessem a suas mães, a suas amas, que sempre estivessem envolvidas em trabalhos domésticos e femininos, que os homens e mulheres idosos e portadores de necessidades especiais se ocupassem de algum trabalho útil para eles, até mesmo recolher galhos secos e palha, ou remover os piolhos, levando-os aos decuriões ou cabos de esquadras. O ofício  adequado dos cegos era o de limpar o algodão removendo os caroços e debulhar o milho." (Blas Valera)
  
Havia oficiais de vários trabalhos que reconheciam e mantinham seus professores, como ourives de ouro, prata, cobre e latão, carpinteiros, pedreiros, canteiros, lapidadores de pedras preciosas. 


Havia ministros oficiais lavradores para visitar os campos, caçadores de aves e pescadores, tanto de rios quanto do mar, tecelões, sapateiros, homens que cortavam madeira para as casas reais e edifícios públicos, ferreiros que fabricavam as ferramentas de cobre para as suas necessidades. Havia muitos outros oficiais mecânicos; embora numerosos, todos eles desempenhavam com muito cuidado e diligência suas funções e obras de suas mãos. 
"Os animais de carga para transportar suprimentos, para todas as partes, eram desse gado que os espanhóis chamam de carneiros (4), sendo mais semelhantes aos camelos (removido a corcunda) do que aos carneiros, e embora fosse costume, entre os índios, andar carregados, o Inca não permitia isso no seu serviço se não fosse necessário. Mandava que fossem poupados de todo o trabalho que pudessem ser poupados, porque dizia que os queria preservar para uso em outras obras, nas quais fossem imprescindíveis e melhor aproveitados, como em fortalezas e casas reais, na construção de pontes e estradas, passeios e valas e outras obras de benefício comum, nas quais os índios estavam sempre ocupados. "


Mandava o Inca que fosse comum a todos os nativos da província, o sal que se fabricava, tanto o das fontes de água salobra como o da água do mar, os peixes dos rios, córregos e lagos, o fruto das árvores nascidas no local, o algodão, o cânhamo, e enquanto comuns, que todos colhessem o que tivessem necessidade, e nada mais. Cada um, em suas terras, tinha permissão para plantar as árvores frutíferas que quisesse e poderia desfrutar disso à vontade.
As frutas e legumes plantados, o Inca repartia em três partes: a primeira para o Sol, seus templos, sacerdotes e ministros, a segunda para o patrimônio real (governadores e ministros reais, que estivessem fora de suas terras de origem) e para os depósitos comuns, a terceira parte para os nativos da província e os habitantes de cada aldeia. A cada um a sua parte, o suficiente para sustentar sua casa.


Esta divisão era feita pelo Inca em todas as províncias do Império, para que em tempo algum fosse pedido às pessoas tributo algum de seus bens e propriedades, nem eles fossem forçados a dá-los a ninguém, nem aos seus superiores, nem aos depósitos comuns de suas cidades ou aos governadores do Inca ou ao próprio Inca, nem aos templos ou aos sacerdotes, nem mesmo para os sacrifícios que faziam ao Sol. Os frutos que sobravam da parte que cabia ao Inca eram deixados nos depósitos comuns de cada cidade e os que sobravam das terras do Sol também eram destinados aos pobres (deficientes, coxos, aleijados, cegos, etc.). 
                                    
                                                            


                                                               ### 



  
1) topo (topo ou tupu: a medida baseada no passo humano equivalente a aproximadamente 2700 m²; 0.27 Ha.; 0.67 acres). 

(2) quipo ou quipu - Cada um dos nós coloridos que constituíam o sistema de escritura e contabilidade dos Incas. Mais no pl:. os Quipus.

(3) Alguns eram de dez soldados e outros, cinqüenta.  Os capitães menores eram de cem soldados, outros, quinhentos, e outros, mil. Os mestres de campo eram de três, quatro e cinco mil guerreiros. Os generais eram de dez mil para cima: chamavam-se Hatun Apu, que significa grande capitão.

(4) llama, alpaca, vicuña.






BIBLIOGRAFIA
Garcilaso de la Vega, Comentarios Reales.
Padre Blas Valera, Las Costumbres Antiguas de Perú y La Historia de los Incas 
  
  





  
                                                               

2.12.2012

INTIP CHURIN - FILHOS DO SOL- O TRIGO E A PALHA





                                                                     Tupac Amaru I



"Orgulharem-se de ser filhos do Sol era o que mais os obrigava a serem bons, para destacarem-se dos outros, na bondade e no sangue, de modo que os índios acreditassem que um e outro lhes veio por herança. E assim acreditavam, e com tanta certeza, na opinião deles, que quando algum espanhol falava elogiando alguma coisa das que os Reis ou algum parente deles tivesse feito, respondiam os índios: "não te espantes, pois eram Incas." E, se, pelo contrário, desacreditavam de alguma coisa mal feita, diziam: "não acredites que Inca algum tenha feito isso, e, se fez, não era Inca, apenas algum bastardo espião." ... "(Garcilaso de la Vega) 
  
Ao estabelecer qualquer lei ou o sacrifício, tanto no sagrado quanto no profano de seu governo, atribuíam ao primeiro Inca Manco Capac, dizendo que ele tinha ordenado todas elas, algumas que havia deixado elaboradas e postas em uso e outras, delineadas, para que seus descendentes, por sua vez, as aperfeiçoassem. Porque ele era o Filho do Sol, vindo do céu para governar e dar leis a todos, leis para o benefício comum dos homens e, também, os sacrifícios que eles deveriam oferecer em seus templos.


  
"Entre eles, um com o outro, diziam que o Inca, não contente de tê-los retirado das feras e tê-los transformado em homens, nem satisfeito com os muitos benefícios que lhes havia feito, ensinando a eles as coisas necessárias para a vida humana, as leis naturais para a vida moral e o conhecimento de seu Deus, o Sol, o que seria suficiente para que fossem seus escravos perpétuos, se fizera homem para dar-lhes suas insígnias reais e, finalmente, ao invés de impor tributos (1) e impostos, lhes havia transmitido a majestade de seu nome, de tal forma que entre eles era tido por sagrado e divino, que ninguém ousava proferi-lo senão com a maior reverência, só para citar o Rei; e que, agora, para lhes dar mais importância, tornou-se tão comum que todos podem falar de boca cheia, feito filhos adotivos, contentando-se eles em ser meros vassalos do Filho do Sol "(Garcilaso)


Todas as vezes que o Inca (e seus descendentes) sentia-se morrer, dizia que voltaria "para o céu, para descansar com seu pai o Sol". Assim, Manco Capac, o primeiro Inca disse a todos os Incas de privilégio que, tendo que deixá-los, para ir descansar com seu pai, o Sol, queria dar-lhes o máximo de seus favores, o sobrenome de seu nome real, "para que eles e seus descendentes vivessem honrados e estimados por todo o mundo. Então, para que vissem o amor que tinha por eles, como filhos, mandou que eles e seus descendentes, para sempre, se chamassem Incas, sem qualquer distinção ou diferença de uns ou outros, como haviam sido os favores e outras concessões passadas, mas que plenamente, e de forma geral, desfrutassem todos da majestade desse nome. "(Garcilaso)


Esses primeiros vassalos que teve Manco Capac, ele os amava como filhos e deu-lhes suas insígnias e nome reais e os chamou de filhos, porque ele esperava deles e seus descendentes que, como tais filhos, servissem ao seu Inca atual e aos que o sucedessem nas conquistas de outros índios para aumentar seu império, e que deveriam guardar tudo no coração e na memória, como vassalos leais. Só não queria que suas esposas e filhas se chamassem Pallas, como as de sangue real, porque não sendo as mulheres capazes de servir na guerra, tão pouco o eram para o sobrenome e nome reais. Estes são os chamados Incas de privilégio.  


Como relata Garcilaso, a quase total extinção do Incas reais e desses de privilégio em sua época:



"Desses Incas, feitos por privilégio, são os que agora existem no Peru que são chamados Incas, e suas esposas são chamadas de Pallas e Coyas, por desfrutar da depreciação que a eles e às outras nações, nisso e em muitas outras coisas semelhantes, lhes fizeram os espanhóis. 


Que Incas de sangue real há poucos, e por sua pobreza e necessidade, desconhecidos, senão este ou aquele, porque a tirania e a crueldade de Atahualpa os destruiu. E os poucos que dela escaparam, ao menos os mais principais e notórios, acabaram em outras calamidades, como diremos em seus lugares. "(Garcilaso)




Das insígnias usadas pelos Incas na cabeça, o Inca Manco Capac reservou uma para ele próprio e os Incas (reis) seus descendentes: uma borla vermelha, como um 'rapacejo' (2), que se estendia pela frente de um lado a outro da face. A do príncipe herdeiro era amarela e menor do que a do pai. (3)


SEPARANDO A PALHA DO TRIGO... 




Considerando a grandeza das concessões e do amor com que o Inca as havia feito, os Incas de privilégio buscaram títulos que igualassem a altura da sua coragem e significassem, também, suas virtudes. Assim, entre outros títulos que inventaram, um foi Capac, que significa rico, não de bens materiais, que, como dizem, este Príncipe tinha riqueza de espírito, mansidão, misericórdia, generosidade, justiça, magnanimidade, desejo e obras para fazer o bem aos pobres. Assim, dignamente, o chamaram Capac - que também significa rico e poderoso em armas; o outro nome foi Huacchacúyac, amante e benfeitor dos pobres, para que significasse os benefícios que aos seus havia feito.
Desde então, o príncipe foi chamado Manco Capac, tendo sido chamado, até aquele momento, Manco Inca.


Como assegurou Garcilaso, Manco é nome próprio, mas "não sabemos o que isso significa na linguagem geral do Peru, ainda que na particular, que os incas tinham para conversar entre si (a qual, me escrevem do Peru, já se perdeu completamente) deve ter tido algum significado... "


O nome Inca, quando usado para o Príncipe, significa Senhor, Rei ou Imperador, para os demais significa senhor, e em todo o seu significado, significa homem de sangue real, porque os curacas (chefes), por maiores senhores que fossem, não eram chamados Incas.


Para distinguir o Rei dos demais Incas, o chamam  Zapa Inca, que significa Único Senhor. Também chamavam a este seu primeiro Rei e a seus descendentes Intip Churin, que significa Filho do Sol, mas este nome não lhe davam por imposição, mas porque acreditavam nisso.


O Inca Manco Capac morreu e deixou por príncipe herdeiro Sinchi Roca, seu filho primogênito e da Coya Mama Ocllo Huaco, sua esposa e irmã. Além do príncipe deixou outros filhos e filhas, que se casaram uns com os outros, para manter limpo o sangue que descendia do Sol, porque ele realmente deveria permanecer limpo, sem misturar-se com outro sangue, porque o tinham por divino e todos os outros por humano, embora de grandes senhores, de vassalos chamados curacas.
O Inca Sinchi Roca se casou com Mama Ocllo (ou Mama Cora) sua irmã mais velha, para imitar o exemplo do pai e dos avós Sol e Lua, porque acreditavam que a Lua era a irmã e esposa do Sol. Fizeram  este casamento para conservar limpo o sangue e para que ao filho e herdeiro lhe pertencesse o reino tanto por sua mãe como por seu pai. Os outros irmãos, legítimos e ilegítimos, também casaram-se uns com os outros, para preservar e aumentar a sucessão dos Incas. Mas o casamento destes irmãos, uns com os outros, que havia ordenado o Sol e que o Inca Manco Capac havia mandado, foi porque não tinham filhos com quem se casassem, de modo que o sangue fosse mantido limpo. A partir de um certo momento, não podiam mais casarem-se com a irmã, apenas o Inca herdeiro, o que conservaram eles no processo da história.



O Inca Manco Capac foi pranteado por seus súditos com grande sentimento e choro e o funeral durou muitos meses; embalsamaram seu corpo para tê-lo consigo e mantê-lo à vista; adorando-o como Deus, Filho do Sol; oferecendo-lhe muitos sacrifícios.
  
É verdade que os Incas fizeram as leis e ordenanças, recuperando algumas, novamente, e reformando outras, segundo eram solicitadas pelo tempo e as necessidades. O importante a definir é, ainda que um ou outro Inca tenha se destacado como grande legislador, dando muitas leis novas, emendando e ampliando todas as que encontrou prontas, e que tenha ordenado muitos ritos e cerimônias em seus sacrifícios, transformando muitos templos com grandes riquezas, e que tenha ganho muitos reinos e províncias, isso tudo era atribuído ao primeiro Inca, como no início de seu império. 


Pedro de Cieza de León, na primeira parte da 'Crónica del Peru', escreveu em cada província a relação que davam dos costumes de cada uma delas, bárbaras ou políticas, dizendo o que cada nação tinha antes que os Incas as tivessem conquistado e o que tiveram depois  de terem prevalecido. Demorou nove anos para recolher e escrever as relações que lhes foram dadas (1541-1550):


"Por que nesta primeira parte tenho muitas vezes que tratar dos incas e dar notícia de muitos edifícios e outras coisas memoráveis, pareceu-me justo dizer algo sobre eles neste lugar, para que os leitores saibam o que estes senhores foram e não ignorem o seu valor....


...havia antigamente grande desordem em todas as províncias deste reino que chamamos de Peru, e que os nativos eram tão irracionais e ignorantes, que é inacreditável, porque dizem que eram muito brutais e que muitos comiam carne humana...
...saíam a guerrear entre si e se matavam e aprisionavam a todos os que pudessem...


Estando dessa forma todas as províncias do Peru, surgiram dois irmãos, um deles tinha por nome Manco Capac,... Esse Manco Capac fundou a cidade de Cozco e estabeleceu leis a seu modo, e ele e seus descendentes foram chamados de Incas, cujo nome que dizer ou significar Reis ou Senhores. Eles tinham tanto poder que conquistaram e imperaram desde Pasto até o Chile. E suas bandeiras estavam, ao sul até o rio Maule e ao norte até o rio Angasmayo, e esses rios eram os termos de seu império, tão grande que, de uma parte a outra tem mais de de mil e trezentas léguas. 

Eles construíram grandes fortalezas e fortes edifícios, e em todas as províncias colocaram capitães e governadores. Eles fizeram coisas tão grandes, e tiveram tão bom governo, que poucos no mundo os superaram. Eles eram muito brilhantes e tinham relevo mesmo sem as Letras, porque estas não foram encontradas nestas partes das Índias.


Eles ensinaram bons costumes a todos os seus súditos e lhes ordenaram para que calçassem sandálias em vez de sapatos, que são como 'albarcas'. Eles se preocupavam muito com a imortalidade da alma e outros segredos da natureza. Eles acreditavam que havia um Criador de todas as coisas, e ao Sol tinham por Deus Soberano, para o qual construíram grandes templos. "(Cieza de León)


FALAREMOS DAS LEIS EM OUTRO CAPÍTULO DESSA HISTÓRIA...

Os sacerdotes da casa do Sol, em Cuzco, eram todos Incas de sangue real, mas para os outros serviços do templo eram Incas de privilégio. 
O Sumo Sacerdote, ou Sacerdote Principal, deveria ser um tio ou irmão do Inca ou, pelo menos, de sangue legítimo, de modo que os sacrifícios e cerimônias estivessem em conformidade com o templo metropolitano - em todos os negócios proeminentes, de paz ou de guerra, colocavam Incas por superiores.

Deixo a Cieza de León as últimas palavras, vindas do passado, tentando fazer do futuro uma esperança...

"... Ganharam tanto a graça de todos, que foram por eles amados em grau extremo, como me lembro de ter visto através dos meus olhos a velhos índios, diante de Cuzco, olhar para a cidade e fazer grande alarido, o que se transformava em lágrimas de tristeza, contemplando o tempo presente e se recordando do passado, onde, naquela cidade, por tantos anos tiveram por senhores gente sua, que haviam sido capazes de atraí-los para o seu serviço e amizade de uma forma diferente da maneira dos espanhóis. " (Cieza de León)

"Mas deixemos o que foi feito para Deus, que Ele sabe porquê e, no que de aqui por diante for feito, supliquemos que nos dê Sua graça para que paguemos alguma coisa a pessoas que tanto devemos e que tão pouco nos ofenderam para terem sido tão molestadas por nós, estando o Perú e as outras Índias tantas léguas de Espanha e tantos mares no meio. (Cieza de León)


                                                                 ######


(1) Pechos são aqueles pagos ou contribuições que davam ao Rei os homens bons chamados, comumente, plebeus (pecheros), ou do estado geral em razão de sua vassalagem, defesa na guerra e conservação na paz.
(2) rapacejo - Fio coberto ou 'fio de alma', de cânhamo ou o algodão, sobre a qual se torce estame, de seda ou de metal para formar franjas. Fio de alma, é o fio que forma o núcleo da resultante. 

(3) Esta borla vermelha, que era a insígnia da dignidade real, chamava-se Mascapaicha (e não Mascaipacha, como é, muitas vezes, erroneamente, escrita e, apesar da vermelha ser usada, apenas, pelo Soberano, franjas semelhantes eram utilizadas pelos nobres e parentes.

(4) albarca - Rústicos sapatos de couro, ou de borracha que cobre a planta dos pés e os dedos, com uma borda em torno dela, e amarrados com cordas ou correias para o peito do pé ou tornozelo.
 



BIBLIOGRAFIA


Garcilaso de la Vega, Comentarios Reales.
Pedro de Cieza de Léon, La crónica del Peru.


Os textos originais em espanhol podem ser lidos aqui mesmo, no blog, na seguinte postagem:



https://princesinhadisol.blogspot.com/2011/06/intip-churin-hijos-del-sol-el-trigo-y.html

https://princesinhadisol.blogspot.com/2011/07/de-los-tributos-del-tahuantinsuyo.html

https://princesinhadisol.blogspot.com/2011/07/hablando-de-las-leyes-en-el.html