2.04.2011

YAWAR MAYU - TRAVESSIA DA MORTE








Nos Andes, o conceito de morte não é definido como o momento em que o corpo
pára de respirar. É um longo, longo, processo que inclui a aproximação do ato propriamente dito e continua após a expiração, quando os mortos continuam a habitar o mundo dos vivos. 
Assim, os mortos andinos são mais corretamente definidos na palavra quéchua huañuc - "mortal"  (a palavra quéchua huañuy ("morrer") foi usada para significar "completamente e perfeitamente" e não significa o fim absoluto da existência humana, mas, sim, uma nova etapa) - a morte é um processo gradual e não termina quando o corpo termina. Este longo processo pode ser identificado em uma série de condições que são consideradas morte temporária ou quase-morte: sono profundo ou "coma", desmaio, bebedeira ou quase-morte.


(Huañuc é um processo intermitente que marca a passagem de vital e fresco (mas, também, sem forma e mutável)  para o imutável tipo de existência típico de seres muito velhos - uma analogia com plantas, animais e pessoas que passam de estados de vida tenra, suculenta e de rápida mutação, como é o caso de plantas tenras e bebês, para estados pesados, de muito longa duração, como cascas secas, árvores, pessoas idosas e ancestrais mumificados.
O estado de huañuc termina com os rituais finais de luto que transformam a pessoa em um permanente,  ou consagrado, ancestral. Durante a sua transformação, o aspecto não-corpóreo do falecido é preparado para embarcar em uma viagem que termina no reencontro com os antepassados, em seu lar ancestral.
Por outro lado, o conceito de princípio vital ou vigor da anima que, em quéchua é conhecido pelos termos upani ou camaquen. Durante o período colonial também encontramos os termos anima e alma, como em animacunata (espíritos dos mortos).
Guaman Poma descreveu os espíritos de pessoas do Collasuyu e Cuntisuyu que partiam para Puquina Pampa e Coropuna onde eles se uniriam. Ainda hoje, em Cuzco, a montanha Coropuna é conhecida como a terra dos mortos. 
Também se acredita que o mundo dos mortos incluía fazendas onde continuavam a semear e a lavrar os campos pois tinham fome e sede. Assim, o alimento e a bebida eram, periodicamente, oferecidos aos mortos. No século XVII, Cristóbal Haca Malqui, relatou que o aumento do número de mortos havia causado um aumento excessivo no mundo ancestral, de tal forma que os campos distribuídos (topos) se haviam reduzido ao tamanho de uma unha. 


Tal como outrora, ainda se acredita nisso hoje, com alguma variação de região para região.


A crença em uma terra dos mortos, com os campos e culturas, continua. Em Sonqo, comunidade a nordeste de Cusco, dizem que os ancestrais (machukuna - antigo povo) vivem em um mundo paralelo à moderna comunidade; seus campos de batata ocupam o mesmo lugar (em uma outra dimensão), dos campos da comunidade local.
Embora habitando outra dimensão, os mortos continuam a existir em estreita associação com os seus restos mortais. Os Incas respeitosamente cuidavam de suas múmias como sagradas e, os contemporâneos agem de modo semelhante: nas comunidades rurais é comum ver o crânio de um antepassado, no alto de uma prateleira, velando por seus descendentes.


Consideram, também, que é muito perigoso deixar que uma "alma" não alcance o seu destino. Se algo der errado ela voltará para a comunidade. A "anima" poderia causar terríveis doenças, acidentes e aparecer antes do iminente desenlace de um parente ou amigo. Assim, infelizes episódios são atribuídos, não ao indivíduo, mas, à natureza malévola de sua anima
Nem todas as anima alcançam seu destino - o mundo ancestral. 
As almas dos indivíduos pecadores não podem deixar o corpo e estão condenadas a vagar com a carne pútrida apodrecendo fora dele. Essas criaturas são conhecidas como Kukuchi e lembram, na tradição ocidental, os condenados a permanecer no purgatório (ou a vagar no limbo). Os kukuchi são condenados a vagar pelas geleiras; são muito temidos pelo seu desejo de comer carne humana.

O ponto chave de tudo o que estou dizendo é justamente o que determina nessa viagem pelo mundo dos mortos se a travessia será satisfatória, ou não. Trata-se da Achachaca ou Ponte dos Cabelos. Achachaca é uma ponte estreita, fina, sobre um rio largo, feita de cabelo humano. Há quem sustente que existe um bando de cães de cor negra, por ali, e não é difícil que, em algumas comunidades, matem os cães assim descritos quando são encontrados. Devo confessar que gostaria de ter encontrado mais material de pesquisa para apresentar um melhor relato dessa travessia.
A travessia da Ponte de cabelos, Achachaca, parece ser o aspecto mais descrito e conhecido da viagem do morto. A travessia é considerada muito perigosa e a ajuda humana, necessária. Oferendas de cabelo humano são queimadas para que a anima consiga atravessar a ponte com êxito. 

Também acredita-se na travessia do perigoso Puka Mayu, Rio Vermelho (também chamado Yawar Mayu, Rio de Sangue) que é feita pelo espírito que, no caso, é transportado por cães pretos, marrons ou malhados.
O mundo dos mortos é o mesmo lugar dos que esperam para nascer. Durante os rituais de sepultamento, ao falecido são oferecidas, para a viagem, roupa, comida e bebida. Ele prossegue, ao longo de rios subterrâneos, e sobe três níveis, dentro de uma montanha, antes de alcançar sua pacarina no lago das terras altas. Os três níveis se relacionam com a jornada de três anos, daí a necessidade de três banquetes rituais anuais, por parte da comunidade, para alimentar seus mortos.
O papel dos cães parece ser muito relevante, em se tratando de Yawar Mayu, o Rio de Sangue.
Tem mais sorte em contar com a ajuda deles para atravessar o Rio quem trata bem os cães enquanto está vivo.
Os cães não apenas podem mover-se entre os domínios da vida e da morte, mas também são capazes de ver as almas dos mortos. Por outro lado, as almas infelizes podem assumir a forma de cães pretos e visitar seus parentes vivos à noite.


Para finalizar, em uma analogia entre o mundo dos mortos e o dos vivos, eu citaria o etnógrafo e escritor peruano José María Arguedas que deu seu recado ao falar sobre a palavra INCA. 
Inca não significa, apenas, o imperador, "INQA" (segundo ele, esta é a verdadeira forma) é o nome para o modelo original de cada ser, segundo a mitologia quéchua. Assim, as miniaturas humanas podem ser mais poderosas do que gigantes, pois são capazes de conter a potência de todos os antepassados em cada indivíduo.









2.02.2011

O BRILHO DE OURO DO VERDADEIRO TESOURO DE ATAHUALPA







"O templo do Sol estava silencioso e frio. Uma leve bruma envolvera a cidade, adentrando o Templo, como presságio. Huascar Inca parou diante da imagem do Punchau (Inti) e, sem muita emoção, ficou, apenas, observando. Os tempos ancestrais o haviam trazido a esse momento, a um mundo que beirava a perfeição, no qual o Sol podia brilhar para sempre, saltando de luz em luz, nas paredes de ouro do Qoricancha.
A figura do Sol, feita de ouro maciço, seu rosto redondo e vivo, seus raios como chamas de fogo, em uma única peça dourada, tão grande que alcançava de uma parede a outra, fez com que pensasse, por um minuto, na grandeza do Império do Sol. Não havia outro deus como o Sol, nem jamais haveria e, portanto, ninguém, também, maior do que seu Filho. Jamais os Incas adorariam outros deuses. A  Lua. as Estrelas, o Relâmpago, o Arco-íris, eram, apenas, deuses complementares de Seu séquito de luz e criação. 
Lembrou-se de quem era e caminhou até a porta. O Filho do Sol deveria brilhar, dia após dia, como o Pai, para todos - apesar da chuva, da tempestade, do vento, da neve, da escuridão, da morte... Não existe alternativa para tão grande responsabilidade. Pisou com força na direção da saída. A decisão estava tomada - não existem recônditos sob o Sol..."




                                                  




O Qoricancha, Templo do Sol, estava, estranhamente, iluminado nessa tarde nebulosa do ano de 1.532.
O Inca, que tantas vezes percorrera o mesmo caminho, dentro do templo, sentia-se cheio de presságios nesse dia, ao voltar-se para contemplar os corpos embalsamados dos Incas ancestrais. Estes, margeando a figura do Sol, pareciam respirar, sentados em suas cadeiras de ouro, sobre as placas reluzentes do metal. Todos os rostos, voltados para o povo, menos seu pai, Huayna Qhapaq que, posto diante da representação do Sol, mantinha seu rosto voltado para Ele, como seu Filho mais querido.
O Inca caminhou, mais uma vez, até a porta principal do Templo que, abrindo-se para o Norte, reluzia ao sol, como o resto das paredes, cobertas com placas de ouro. Um ruído suave e constante chamava a atenção para a sala dedicada à Lua, suas portas forradas com placas de prata, com a imagem Lunar em uma enorme peça de prata maciça, Mamacullia (Mãe Lua), à qual oram e sacrificam as princesas. Os corpos das rainhas ancestrais ladeavam a sala e a múmia da rainha, mãe de Huayna Qhapaq, face a face com a Lua, ocupava lugar de destaque nela.
Notou que todas as outras salas permaneciam silenciosas - a sala das Estrelas, dos Relâmpagos, Raios e Trovôes, bem como a sala do Arco-íris. Todos esses deuses secundários, inclusive a própria Lua, não eram adorados - só o Sol deveria ser adorado - os outros, eram respeitados como tendo sido criados por ele. e por fazerem parte de seu séquito divino.

Cusco, com seu refulgente templo e seus palácios de ouro, recebia das minas e garimpos, a cada ano, cerca de 15 mil arrobas de ouro e 50 mil de prata, além de numerosas cargas de ouro e pedras preciosas de todos os cantos do Império.

Anexo ao Templo, o Jardim do Sol, que Huascar  havia criado, rivalizava, com aquele, em beleza, porém não em riqueza. Ali, tudo era de ouro e pedras preciosas: torrões de terra, imitados com primor, em ouro e prata, caracóis, lagartos que se arrastavam na terra, delicadamente esculpidos no metal dourado, a relva, as plantas, árvores com frutos de ouro e prata, borboletas delicadas postas nos galhos, pássaros nas árvores como que cantando e voando e sugando o mel das flores - tudo de ouro - o grande milharal, com suas folhas, pendões e espigas que pareciam de verdade; a raiz sagrada da quínua e, para, completar, vinte lhamas de ouro com seus filhotes, equipamentos e pastores.

Passaram-se quase quinhentos anos e o mistério transformou-se em segredo, o segredo fez-se mito e o mito se agita, ao vento do tempo, como bandeira de lendas. Os Incas calaram-se - mesmo sob tortura; os espanhóis  nunca desistiram, embora frustrados com o resultado da busca; e os arqueólogos procuram, até hoje, sem cessar. Seria mesmo verdade que o túnel que conduz ao tesouro inca parte do Qoricancha e tem uma de suas saídas nas proximidades das impressionantes muralhas de Sacsayhuaman, em um lugar chamado Chinkana Grande?

No momento em que o ouro era retirado pelos espanhóis para ser levado à Espanha, muitas peças, principalmente, sagradas, não foram encontradas - objetos do jardim de ouro, por exemplo. Naquele momento, começou a especular-se sobre o que acontecera ao ouro dos Incas. Ali, nascia a lenda de que o ouro estaria em salas e túneis secretos sob o Qoricancha.






O cronista Felipe de Pomares, nos primórdios do século XVII, referiu-se a um príncipe inca chamado Carlos, neto de Cristóbal Paullu Inca, descendente direto de Huayna Qhapaq que, para casar-se com uma espanhola chamada Maria Esquivel, teria lhe contado ser o guardião de uma imensa fortuna escondida. Depois do casamento, ela buscara esse tesouro e, sem encontrá-lo, começara a insultar o marido, constantemente, chamando-o de pobre, incitando-o, desse modo, a lhe mostrar o tal tesouro que ela, enquanto espanhola, buscava sem cessar. Um dia, cansado de tantos insultos, ele decidiu que lhe mostraria e, então, depois de vendar-lhe os olhos, conduziu-a, às vezes, a pé, outras, no colo, por inúmeros becos e porões.
Quando chegaram a um largo subterrâneo, ele lhe tirou a venda e ela pode ver "o mais fabuloso tesouro que se possa imaginar". Contou ela depois que pode ver milhares de objetos de ouro brilhando à luz da tocha: ali estavam estátuas dos incas, todas de ouro, do tamanho de uma criança de doze anos. Havia, ainda, vasos, pratos e outros objetos, tudo de ouro.
O marido vendou-lhe, outra vez, os olhos e conduziu-a, dali, sem levar nada. Louca de ódio, ela o denunciou às autoridades. Era crime ocultar tesouros que, na concepção do governo, pertenciam à Coroa de Espanha: decretaram sua prisão, com a esperança de que, sob tortura, confessasse o local do tesouro. Tudo inútil, ele conseguira fugir para Wilcabamba, último refúgio inca nos Andes.


Em 1814, don Mateo Garcia Pumakahua, descendente de inca e conspirador contra os exércitos reais do Perú, ao que parece, para convencer o coronel Domingo Luis Astete de que haveria ouro bastante para financiar uma revolta independentista, conduziu-o, olhos vendados, através da Praça de Armas de Cusco, depois, até um riacho, talvez o Choquechaca, e, dali, por um caminho secreto no subsolo da cidade. Ali, olhos arregalados, Astete pôde ver pumas com olhos de esmeralda, tijolos de ouro e prata e inúmeras peças de grande valor. Astete pode notar que, naquele momento, o relógio da catedral marcava as nove badaladas da noite.

Alexander Von Humboldt, em seu livro "Views of Nature" (London, Henry G. Bohn, 1850) relata o seguinte:

"O filho de (cacique) Astorpilca, um interessante e simpático de dezessete anos de idade, levou-nos para as ruínas do antigo palácio. Vivendo em grande pobreza, sua imaginação estava cheia de imagens do esplendor subterrâneo e tesouros de ouro que, nos assegurou, estavam escondidos debaixo dos escombros onde estávamos pisando. Ele disse que um de seus antepassados cobrira os olhos de sua esposa e, depois, passando por passagens complicadas a levou aos jardins subterrâneos do Inca. Lá a mulher contemplou a criação de peças de ouro mais puro, árvores com folhas e frutos, pássaros em seus ramos. Entre outras coisa, viu a cadeira de ouro de Atahuallpa..."

(continua) "O filho de Astorpilca me assegurou que, no subsolo, um pouco à direita do lugar onde eu estava, havia uma grande árvore Datura, ou Guanto, cheio de flores, caprichosamente feita de ouro e placas de ouro e que seus galhos estendiam-se até a cadeira do Inca. A mórbida fé, com a qual o jovem afirmava sua crença nessa estória fabulosa, causou uma profunda e melancólica impressão em mim.
Essas ilusões são acalentadas, entre o povo daqui, como meio de garantir-lhes consolação em meio a grande privação e sofrimento terreno. Eu disse ao rapaz, " Já que você e seus pais acreditam, tão firmemente, na existência desses jardins, você não sente, em sua pobreza, um desejo de desfrutar desses tesouros que estão tão próximos de você?" A resposta do jovem peruano foi tão simples e  expressiva  da calma resignação dos habitantes indígenas do país que eu coloquei observações, embaixo, em espanhol, no meu jornal. "Tal desejo ( tal antojo)", disse ele, "nunca nos alcança. Meu pai diz que seria pecado ( que fuese pecado) se nós tivéssemos os galhos de ouro, com todos os seus frutos de ouro, nossos vizinhos brancos nos odiariam e nos feririam. Nós temos um pequeno campo e bom trigo (buen trigo)."


Fiz questão de sublinhar esta breve declaração que, ao contrário do que tenta mostrar a preconceituosa descrição do famoso autor de Views of Nature, Alexander Von Rumboldt, simplesmente, expressa a essência do povo Inca e não seria preciso mais nada para revelar o verdadeiro tesouro de Atahualpa, escondido, em meio aos outros tesouros, materiais, valiosos, preciosos, duradouros mas, passíveis de roubo e apropriação indébita. O verdadeiro tesouro Inca, não pode ser roubado, não foi derretido, muito menos exportado para a Europa, ainda que sob tortura. O espírito desse povo ainda brilha, como o próprio Sol que ele representa. Ainda guardam a si mesmos,  preservam-se, incólumes, puros e verdadeiros, esperando pela volta daquele que eles esperam para libertá-los da opressão dos que ignoram e existência de uma civilização que não conhece o roubo, a mentira ou o ócio. Ama Sua, Ama Llulla, Ama Quella.
  



Nos primeiros dias do mês de março de 2003, a imprensa do mundo inteiro divulgou que  o arqueólogo espanhol Anselm Pi Rambla havia encontrado  um grande túnel, ou galeria subterrânea, de uns dois quilômetros de comprimento, no subsolo da antiga cidade Inca de Qosqo, atual Cusco, que unia  a construção denominada Qoricancha, antigo Templo do sol, atualmente Convento de Santo Domingo à fortaleza de Sacsayhuaman, situada ao norte da cidade.




De acordo com Rambla e seus colaboradores, o túnel não passava de uma pequena parte de um grande emaranhado de galerias, câmaras e mausoléus que, seguramente, estendiam-se no subsolo da cidade, como indicavam os modernos e sofisticados radares que haviam assinalado uma rede de comunicação entre o Convento de Santo Domingo com o Convento de Santa Catalina (Marcahuasi), com a Catedral (Templo de Wiracocha Inca), com o palácio de Huascar, com o Templo de Manco Capac (Colcampata) e com o Huamanmarca. A uns cem metros de profundidade, sob a moderna superfície da cidade de Cusco.
Todos os edifícios estão em perfeito alinhamento astronômico, com o qual se confirmaria que os antigos peruanos também guiaram suas construções pela posição do Sol, da Lua e das constelações.



Em julho de 2.000, quando da assinatura do acordo entre o Instituto Nacional de Cultura do  Perú e a Orden de los Dominicos de Cuzco de um lado e a sociedade de pesquisa de Anselm Pi Rambla (Sociedad Bohic Ruz Explorer) do outro, muitos foram os opositores ao citado projeto e, apesar da grandiosidade da descoberta, após cinco meses apenas, em agosto do ano 2.003, o Instituto Nacional de Cultura do Perú rescindiu os acordos que autorizavam os trabalhos de escavação e pesquisa existentes sob uma grave acusação: o projeto havia sido um grande engano.





As mesmas autoridades, que impediram a continuação dos trabalhos de busca a novos túneis para confirmar a realidade de todas essas lendas, insistiram para que Rambla encerrasse as escavações realizadas no Templo, as quais permaneceram inacabadas, deixando a conclusão dos trabalhos a cargo do grupo de pesquisa: as obras incluíram o pagamento da mão de obra, honorários profissionais, o custo dos materiais para o preenchimento das escavações, bem como a recolocação do material retirado. Do mesmo modo, tiveram de pagar uma caução de seis mil dólares como garantia do cumprimento da realização do encerramento das obras, cujo beneficiário era o Convento de Santo Domingo, de onde partia o túnel. 










1.29.2011

A PONTE DO INCA




"O aventureiro olhou para o alto, ansioso por fincar bandeira nas alturas do Aconcágua. Estava a dez passos do "Cementerio de los Andinistas" (1) e podia sentir o desalento que perpetua a história dos que tombam sem hastear a bandeira de seus países; enterrados,ali como atestado do despreparo, da irresponsabilidade ou da falta de sorte. Procurou não pensar, evitou sentir. Seu pé fincava-se, no chão, com força, em uma desesperada tentativa de enxergar-se maior do que a empreitada. O guia aproximou-se, calmamente, com um sorriso e uma desculpa. Hoje, não iriam a lugar nenhum. O clima mudara, rapidamente, outra vez, seria impossível alcançar o topo nos próximos dias. Ele tentou retrucar, calando-se, imediatamente, ao lembrar-se do cemitério. O guia consolou-o: ainda não afrontaria o vento gelado da montanha mas... mostrar-lhe-ia os segredos e mistérios da Ponte do Inca..."


No caminho para Las Cuevas, na fronteira com o Chile, encontramos um dos balneários mais famosos da Argentina. Os banhos nessas águas são recomendados para diversas doenças e as características naturais da região rivalizam com o mistério de suas lendas... para encantar-nos.


Em 1965, uma devastadora avalanche destruiu o lindo Hotel Puente del Inca que havia, anteriormente, sobrevivido a inúmeras catástrofes. Era uma construção sólida, suntuosa, com acesso subterrâneo aos banhos termais - nessa área emergem fontes de água quente, mineral, que borbulham sem parar. 
As provas do deslizamento ainda estão lá, revelando a cascata de rochas que rolou, abruptamente, para o fundo do vale.
Felizmente, hóspedes e funcionários foram salvos "milagrosamente" ao abrigarem-se na igrejinha que permaneceu intacta e pode ser vista ainda hoje.


Localizada na Cordilheira dos Andes, a 2.720 metros acima do nível do mar, a Puente del Inca (Ponte do Inca), é famosa por ser uma ponte natural, única no mundo, declarada Monumento Natural. Ao que parece, teria sido formada pela ação das águas excessivamente minerais e pela ação das águas termais nos sedimentos depositados no fundo de uma cavidade. Devido a elas, a coloração laranja, amarela, ocre tinge toda a área e, qualquer objeto que se coloque sob elas fica de tal forma impregnado de sais minerais que adquire uma aparência de pedra.

Na margem direita, as famosas termas com cinco fontes do mesmo tipo, mas de diferentes temperaturas e componentes. A paisagem, cercada de montes, estica-se dezenas de metros sob a Ponte, nas águas do rio Las Cuevas.





Quarenta e sete metros de comprimento por vinte e oito de largura sobre o Rio Las Cuevas. Chama-se Ponte do Inca porque a nobreza Inca servia-se de suas medicinais águas termais que fluem das piscinas sob ela. 


A história da Ponte começa com o Caminho do Inca e suas lendas...


Supõe-se que os Incas  tenham aproveitado de suas águas com propriedades curativas. Sua fama vem, justamente, de seus banhos termais. Construções existentes, ao lado e sob a ponte, como pequenas piscinas por onde as águas correm termais, originárias de fontes naturais com temperaturas variando entre 34 e 38 graus. Os banhos são recomendados para perturbações do sistema nervoso, doenças reumáticas, tratamento ginecológico, crianças anêmicas, raquitismo e artrite.


A área é ideal para o turismo de aventura, escalada de montanha, equitação e esportes na neve.









Nas proximidades, encontra-se o "Cerro Los Penientes", chamado assim porque seus paredões de pedra, quando olhados da distância, parecem enormes monjes em procissão.


Desde a ponte, quando o sol faz brilhar o amanhecer em tons, absolutamente, dourados, revelando estalactites de rocha, há um mundo mágico que nos transporta, desenhando fluidos arco-íris na água e no gelo, insinuando conotações fantásticas na natureza que sempre fez do lugar algo sagrado para os Incas.


O nome do lugar vem de uma lenda...



Há muito, muito tempo... muito antes da chegada dos espanhóis...




A LENDA DA PONTE DO INCA



O sucessor do Império Inca encontrava-se, gravemente, enfermo. Ele era um príncipe sábio e justo, como o pai, e todos o amavam muito. Em todo o Tahuantinsuyo todos oravam aos deuses fazendo sacrifícios e oferendas por sua saúde. Porém o príncipe só piorava e todos temiam que sua morte colocasse em risco o futuro do Império. Ao consultarem os Amautas (2), estes disseram que o príncipe recuperaria a saúde se pudesse banhar-se nas águas de um certo lugar, muito distante, na direção do sul, entre as rochas e montes da Cordilheira. Lá, segundo eles, brotava uma água capaz de curar todas as doenças. 
No entanto, para se chegar lá, deveriam atravessar distâncias, desertos e escalar montanhas. Sem perder tempo, o Inca ordenou que se preparasse uma comitiva para acompanhar o príncipe e pela manhã partiram de Cusco em busca das poderosas águas. Ao amanhecer, seguiram pela estrada - com muitas lhamas, carregadas de alimentos e de todo o necessário para uma viagem tão longa. Apesar da preocupação com o príncipe, a viagem lhes proporcionou conhecer uma parte do Tahuantinsuyo que os deixou maravilhados.

A longa travessia os conduziu por montanhas abruptas, vales tranquilos, campos desertos e prados verdejantes, rios, riachos, noites enluaradas e dias de ouro e luz. Por dias e dias estiveram a caminho, compartilhando com a natureza e seus deuses uma experiência única.

De dia o sol lhes proporcionava todas as nuanças de verde e o colorido de muitas flores exóticas; a grandeza e o esplendor da natureza os arrebatava. À noite, os espectros gigantescos das montanhas os colocava, diante do desconhecido, com assombro - sons e ruídos como se a terra falasse com eles com voz que só eles pudessem compreender, repetindo o eco nos precipícios, na imensidão dos vales.

Até que, como um anúncio de que estavam próximos do objetivo, estacaram, paralisados pela visão do monte mais bonito e misterioso que haviam visto. Estavam diante do Aconcágua, o pico mais alto da Cordilheira dos Andes e seu poderoso Apu (3).
Vencendo a surpresa e o entusiasmo, seguiram em frente e, depois de uma curta caminhada, na qual muitas lebres atravessaram seu caminho como que para saudá-los, chegaram, quase no final da tarde, a uma ravina. Lá embaixo, encaixado na ravina, corria um rio caudaloso, que avançava, invencível, sobre as pedras. 

O som da trombeta, a quepa, (4) quebrou o silêncio para anunciar que haviam chegado. Porém, não havia nada a fazer: as fontes termais estavam do outro lado da ravina, inacessíveis.

Um desânimo total abateu-se sobre eles diante da impossibilidade que se apresentava. Passaram ali a noite, cansados e esperando que o Sol, Pai de todos os Incas, trouxesse uma solução para o problema. 

Pela manhã, como que liderados pelo poder e amor do Sol, do qual todos Incas são filhos, os soldados da comitiva, guerreiros do Inti (5), começaram a abraçar, uns aos outros, formando uma ponte humana para que o Filho do Sol pudesse alcançar o outro lado. O Inca caminhou sobre suas costas, com o filho nos braços e, assim, pode chegar até as fontes termais, encontrando a cura para o menino. 

Quando olhou para trás, para agradecer aos seus guerreiros, estes se haviam petrificado, tornando-se o que hoje conhecemos como "Puente del Inca".

Talvez seja essa a minha lenda favorita pelo que ela representa. Assim é o grande Tahuantinsuyo. O poder do Sol aliado à força dos homens e mulheres de um reino, eternamente, em busca da perfeição. Essa lenda representa muitas coisas. Há o divino, presente em todas as etapas do caminho e em todas as descobertas e há o lado humano, buscando superar suas dificuldades com união e fé, nunca desistindo de seus objetivos e cumprindo seu dever até o fim. 

Essa lenda, certamente, expressa o Tahuantinsuyo em sua forma mais simples e, ao mesmo tempo, mais grandiosa: terra de deuses, pátria do Sol, nação de guerreiros.

Contam alguns que, quando a noite se aproxima, quando os montes estão esfumados, envoltos em véus de surpreendentes formas, pode-se ver passar uma caravana de estranhas figuras, como que saída do tempo, do silêncio, atravessando de um monte a outro, eternamente buscando pelas águas que curam. 



(1) localizado no lado sul da rota que une Mendoza a Santiago do Chile, a uma distância de 1.500 metros da "Puente del Inca", a seis quilômetros de Los Penitentes. 

(2) pessoa de grande sabedoria, professor, mestre.

(3) espírito da montanha

(4) (quepa ou pututu) - grande trombeta feita de um grande caracol marinho, com o canal interno espiral.

(5) em quéchua, Sol.












              (ARGENTINA - ÚLTIMO RAIO DE SOL DO GRANDE TAHUANTINSUYO)
















1.28.2011

PRINCESINHA DE PEDRA - A LENDA






Nos tempos do Império Inca, as gigantescas escadas que pendiam sobre o Vale Sagrado deixaram florir o maior e melhor milho do Tahuantinsuyo, as frutas mais doces, as flores mais belas e plantas medicinais para suprir os mercados. O mítico monte Linle foi esculpido para isso e os habitantes de Pisaq podiam orgulhar-se de viver ali.
Naquele lugar, Pachacutec mandara construir uma cidade-fortaleza para abrigar sua Panaka.

O lugar foi chamado Pisaq, pela enorme quantidade de perdizes (ou pisaqas) que lá existiam; hoje é chamada Linle, sem que haja uma explicação para o nome, talvez por ser o nome do monte. Para alguns autores, Pisaq vem da palavra quéchua pisaq, que seria o nome de um pássaro extinto; outros, dizem que era o nome do governador da região. O caso é que a palavra existe, em quéchua, e é utilizada para designar uma ave parecida com a perdiz europeia e que vive, especialmente, a três mil e oitocentos metros do nível do mar.
Às portas do Vale Sagrado dos Incas - um lugar cortado pelo sagrado rio Willkamayu que irriga suas entranhas e que por muitos séculos, ou mesmo milhares de anos, tem exalado magia e mistério.

Quando os visitantes vêm para a praça de Pisaq ainda podem encontrar um tipo de comércio que, se ao longo dos anos está desaparecendo, ainda persiste, apesar da força, inexorável, dos tempos modernos: é o sistema de trocas - este sistema comercial foi usado pelos antigos povos da Cordilheira dos Andes, muito antes dos Incas - é a troca de produtos sem dinheiro. Troca-se artesanato, produtos agrícolas, produtos animais como lã. É um sistema eficaz e simples, que permite a pessoas, de diferentes áreas geográficas, o acesso a outros produtos.

Para além das fachadas de pedra que ostentam detalhes de linhas perfeitas - muralhas... Aquedutos que conduziam a água pelas artérias da montanha sagrada... Ninhos de condor ao longo das vertentes, para além de torres e bastiões... Duas cidades de pedra, um observatório astronômico, templos magníficos, o Intiwatana, a necrópole nas cavidades da rocha, onde colocavam  os mortos...

Mais um dia amanhece e, diante da cidade, na encosta ocidental do Willkamayu, no alto de uma colina, o monólito, que tem a figura de uma mulher com phullu (uma espécie de manta) dobrado sobre os ombros, desafia o tempo, a distância e o amor - como o próprio Tahuantinsuyo, que ainda espera... como ela...


  
Há muitos e muitos anos... em Pisaq...


Seu povo, de boa índole, sofria com o assédio do povo da floresta, os antis, que, no tempo das chuvas, aproveitavam para invadir o lugar. Os Incas, seus aliados, não podiam ajudar, pois não conseguiam passar para o outro lado quando o rio ficava caudaloso. A linda princesa Inkill Chumpi  nascera nessa situação e, embora tivesse muitos pretendentes no próprio Vale Sagrado, quando menina ouvira o oráculo do arco-íris, Wankar Kuichi, que estivera prisioneiro em um dos morros diante de Pisaq, profetizar que muitos príncipes viriam de diferentes regiões e que casar-se-ia com ela aquele que pudesse construir a ponte sobre o rio em uma só noite.
Ela, então, afastava todos os pretendentes de Pisaq, esperando pelo prometido salvador, até que, certo dia, Asto Rimaq, filho do kuraka dos wallas, reino do misterioso Antisuyo, chegou. O jovem lhe trouxe muitos presentes maravilhosos porém, nenhum como o Qoriqenqe, belíssimo pássaro de dourada plumagem, com listras azuis, amarelas e vermelhas, e que revelava o futuro com seu doce canto. 
Ao tomar conhecimento da profecia de Wankar Kuichi, o Qoriqenqe declarou que a ponte seria construída em uma única noite e que as pedras se desprenderiam sozinhas das pedreiras. Os dois jovens, Inkill e Asto, deveriam cruzar o rio sagrado. Asto Rimaq ficaria na margem do rio e a linda Inkill subiria pela encosta levando a melhor Coca, como sagrada oferenda, deixando as folhas caírem ao chão, depois de beijá-las, constantemente, até chegar ao topo. Ele foi enfático ao afirmar que, se ela se voltasse para olhar, os dois jamais se veriam, outra vez, e morta estaria a esperança do seu povo.
Ela prometeu seguir as instruções do pássaro e, depois de atravessar o Willkamayu, começou a subir pela encosta. Mal caiu o primeiro punhado de Coca sentiu-se um tremor que foi crescendo até converter-se em um estrondoso movimento. As pedras se desprendiam sozinhas e os blocos voavam sobre as águas. Seu andar movia o ambiente como se tivesse vida. Algumas roçavam-se e o contacto produzia raios e relâmpagos. De repente, tudo parou, de uma vez. Foi então que, a linda Inkill não pode aguentar a curiosidade e, virando-se para olhar, foi transformada em pedra, enquanto o desditoso prometido era arrastado pelas turbulentas águas do Willkamayu - a gigantesca ponte não pode ser construída.
Consumida pela tristeza, a ave de Asto Rimaq disse que seu fim estava próximo e que, assim que morresse, entregassem sua plumagem ao Inca. O amarelo, segundo indicou, era o símbolo da riqueza, o azul, sinônimo da sabedoria e o vermelho, do poder. 
Disse ainda que o Inca deveria mantê-las juntas. Se as separasse, determinaria a queda do Tahuantinsuyo. Huayna Qhapaq, que não sabia disso, pois os sacerdotes guardaram o segredo só para eles, dividiu as penas que estavam em sua testa, cingidas pela maskapaycha, entre seus dois filhos, Huascar e Atahualpa, o que teria  precipitado o final do Império.

Essa lenda é muito linda e também muito triste; também muito mágica.
Pode ser lida em:
Maximiliano Rendon, "Leyendas del Valle Sagrado de los Incas y otros Estudios”, Cusco, 1960



 

1.27.2011

A ROSA DOS INCAS - ENTRE PÉTALAS DE SANGUE E DE PEDRA.

                                              pendente em forma de gota de rodocrosita



                                              Conta a lenda Diaguita que... (1)



Um chasqui da região de Andalgalá (2) fez questão de cobrir, ele mesmo, a imensa distância que o separava da Capital, a fim de entregar, pessoalmente, ao Inca, um presente. Depois de três longos dias e noites, alcançou as últimas pedras da estrada que levava à morada do Filho do Sol. Cansado, feliz e emocionado, apresentou ao Inca as pétalas cor de sangue de uma rosa, petrificada, que levava consigo, como dádiva...

'Certo dia, há muito tempo atrás, um destemido guerreiro inca decidiu, ousadamente, quebrando todas as regras do Tahuantinsuyo, adentrar o templo das Virgens do Sol, para espiar. Ao ver uma delas, apaixonou-se, sendo, por ela, correspondido. Do amor impossível, que os dois não puderam evitar, ela conceberia uma criança e, então, resolveram fugir, juntos, para o sul.
O Inca colocou grupos armados para persegui-los mas, jamais logrou encontrá-los. O tempo passou e tiveram muitos filhos, porém, eternamente amaldiçoados pela transgressão que haviam cometido. Quando ela morreu, sepultaram-na no topo da montanha e ele, não suportando a solidão, morreu logo depois...'

Certa tarde, o chasqui, encontrando sua tumba, ficou impressionado ao ver que desabrochava, em pétalas de sangue, a pedra que a cobria. Ele, então, arrancou uma das rosas para presenteá-la ao Inca. Este, aceitando a rosa de rodocrosita que lhe oferecia o chasqui, emocionou-se, de tal modo, que perdoou o amor dos amantes fugitivos e, a partir de então, todas as princesas passaram a usar pedaços da pedra como símbolo de paz, perdão e profundo amor.



Esta é uma lenda diaguita. O povo diaguita ocupou o território da atual província de Catamarca, La Rioja, Santiago del Estero e Tucumán (Argentina).
   





A pedra, é a Rodocrosita. Os Incas, que a chamaram de "Rosa Inca", acreditavam que a rodocrosita era o sangue de seus antigos reis e rainhas que fora transformado em pedra.







Rodocrosita é a Pedra Nacional da Argentina, também chamada "piedra del inca". 
A mineralização é de origem vulcânica, localizada em uma cratera, constituída por riolita, nas SIERRAS CAPILLITAS, pertencente ao Nevado de Aconquija, na província de Catamarca, na Argentina, a 3.200 metros acima do nível o mar. 
A região de Catamarca produz estalactites de rodocrosita que são únicas em sua coloração. Ao fazer cortes transversais, pode-se ter faixas concêntricas de luz e sombra, sempre brincando com os tons.






No noroeste argentino, nos Vales Calchaquies, os diaguitas desenvolveram uma cultura rica. Resistiram, por mais de cem anos, ao avanço espanhol: guerras Calchaquies, nas quais se destacaram os líderes Kipildor (Quipildor), Viltipoco (1561), Chalemin, Juan Calchaqui, Koronhuila ( chamado pelos espanhóis de Coronilla).

Existem umas 62.000 pessoas que falam espanhol, na província argentina de Catamarca, Salta, Santiago del Estero, La Rioja e extremo noroeste de Tucumán que, em 2001, se consideravam pertencentes a esse grupo étnico. No entanto, os diaguitas foram extintos, como parte, é claro, da invasão espanhola em território americano. Trouxeram a guerra, a fome, as doenças e, por último, a mestiçagem. 

No momento da chegada espanhola, os diaguitas estavam incorporados ao Tahuantinsuyo, perfeitamente adaptados; tendo alcançado um alto nível na exploração agrícola e na criação de lhamas. Fabricavam adornos de prata e cobre e eram mestres na arte da cerâmica.






A música diaguita pode ser conhecida através de estudos arqueológicos. Nos cemitérios foram encontrados instrumentos musicaiss, tais como a flauta andina de quatro vozes feita de pedra - provavelmente, essas flautas eram populares e tenham sido, também, fabricadas de materiais mais leves, de madeira ou bambú. Também foram encontrados cornetas, apitos de pedra, com um furo lateral, que emite um som agudo, dependendo de estar tampado, ou não, o orifício. Pelos instrumentos encontrados, pode-se apurar que sua música tinha tom militar.



Pallo de lluvia - inicialmente idealizado para atrair a chuva em época de seca e colheita; é feito de tronco de cacto e reproduz um som de chuva que, dependendo do movimento das mãos e do tamanho do instrumento, vai desde o som de um chuvisco ao de uma tormenta.


Viviam em casas de pedra com telhados de palha. Eram bravos guerreiros que, antes de se incorporar ao Tahuantinsuyo, haviam lutado com os Incas; combateram os espanhóis, de modo ferrenho, e suas armas típicas eram o arco e a flecha - combatiam a pé. Em tempos de guerra, os diaguitas habitavam aldeias fortificadas ou "pukara", localizadas em lugares elevados e de difícil acesso; de fácil defesa e apropriados para lançar objetos, desde o alto, nos que os atacavam. Esses lugares eram construídos com muralhas de pedra e, algumas vezes, com entradas de madeira. Em tempos de paz, suas casas eram construídas com materiais vegetais e os terrenos divididos com pircas (3).



A economia diaguita baseava-se na agricultura e criação de lhamas, úteis no transporte da carga; completando-a com caça a aves e pequenos animais e o comércio entre outros povos, principalmente os povos litorâneos, dos quais obtinham peixes, mariscos, conchas, etc. Cultivavam o milho, abóbora, batata, quinua... Com os povos do interior, faziam intercâmbio de metais, coca e alguns alimentos vegetais.

As características geográficas da região onde habitavam os diaguitas corresponde aos "Valles Transversales", formados pelas cadeias montanhosas que se desprendem da Cordilheira dos Andes, interrompendo a planície interior. A vegetação écomposta por bosques, alfarrobeiras; a fauna, por raposas e perdizes, entre outros animais. 

Todas estas culturas foram de alto desempenho. Além das atividades que realizavam, dedicavam-se, muito, ao pastoreio do rebanho de lhamas, que desenvolveram a partir da domesticação dos animais. Quase durante todo o ano os animais alimentavam-se nos arredores dos vales mas, no verão, os rebanhos eram levados aos ricos pastos da Cordilheira.


Homens e mulheres eram de estatura bem baixa, de cor bronzeada clara. Praticavam a deformação craniana, prática comum entre eles. Adoravam o Sol. Possuíam sacerdotes, magos e feiticeiros. Acreditavam na imortalidade da alma.

(1) também chamados Calchaquies

(2) município da Argentina localizado na província de Catamarca

(3) muros de pedra seca, típico dos Andes 

 * Rodocrosita - O seu nome deriva da palavra grega para cor-de-rosa.



               (ARGENTINA, ÚLTIMO RAIO DE SOL DO GRANDE TAHUANTINSUYO)








                                                                            

1.26.2011

RUMIÑAHUI - O GENERAL DO OLHO DE PEDRA




"No ano de 1985 o Congresso Equatoriano determinou que o dia primeiro de dezembro de cada ano fosse um dia de lembrar Rumiñahui como herói e defensor do Reino de Quito."

Rumiñahui é um apelido; em quéchua significa " olho de pedra ". Certamente, além das referências históricas, que exaltam sua atitude firme contra os espanhóis, na Batalha de Monte Chimborazo, fora sempre um dos melhores guerreiros, senão o melhor, do exército de Atahualpa. 


Nascido em Pillaro, na atual província de Tungurahua, no Equador, com o nome de Pillahuaso, morreu no dia 25 de junho de 1535, após haver liderado a resistência contra os espanhóis, no norte do Império Inca ( atual Equador), em 1533. Assumiu a resistência, com mão de ferro, depois do assassinato de Atahualpa, pelos espanhóis, em Cajamarca. Os historiadores tendem a crer que tenha sido meio-irmão de Atahualpa, filho de alguma nobre, de Quito, com o Inca Huayna Capac.


Quando Francisco Pizarro prendeu Atahualpa, exigindo o resgate, Rumiñahui, prontamente, marchou para Cajamarca, levando uma grande quantidade de ouro mas, como se sabe, os espanhóis quebraram a palavra e Atahualpa foi morto antes que ele chegasse lá, o que fez com que voltasse a Quito, escondendo o tesouro, como já foi dito, anteriormente, na região de Llanganates.


Tomando conhecimento da resistência de Rumiñahui, Francisco Pizarro enviou seu lugar-tenente, Sebastián de Benalcázar, para tomar Quito e trazer todo o ouro que pudesse ser conseguido. As forças de Rumiñahui e Benalcázar se encontraram na Batalha de Monte Chimborazo, onde Rumiñahui foi derrotado. No entanto, antes que as forças espanholas invadissem Quito, Rumiñahui ordenou que fosse queimada até o chão, e que, as ñustas (virgens do templo) fossem mortas para preservar sua honra. Rumiñahui foi, finalmente, capturado, torturado e morto pelos espanhóis, mas nunca revelou a localização do tesouro.


Como general dos exércitos de Cuzco, Rumiñahui é lembrado por ter participado, em várias campanhas, nas quais ele pode secundar o próprio Atahuallpa e, constantemente, o acompanhava. Com a morte de Huayna Capac a aproximação entre os dois foi, naturalmente, ainda maior, seja pela experiência vivida, seja pela precipitação dos acontecimentos futuros. 
Rumiñahui teve intensa participação na guerra civil, movida por Atahualpa ao seu irmão, legítimo Inca de Cusco, Huascar Inca, mantendo estreito contato com seu líder. No início das hostilidades, esteve presente nos confrontos mais importantes, ao lado de Quizquiz e Chalcochima mas, quando a área de operações foi transferida para a capital inca, ele foi designado para proteger a retaguarda. Desse modo, encontrava-se em Cajamarca no terrível momento da captura de Atahualpa. 
Ao que parece, experiente general, quis atacar os espanhóis no momento de sua chegada; Atahualpa, no entanto, preferiu não fazê-lo. Rumiñahui permaneceu, então, acampado fora da cidade, com um exército armado de cinco mil soldados.
Historiadores e leigos (e eu) deparam-se com uma única questão que, ao que parece, jamais será respondida. 










Por que, então, Rumiñahui não moveu o seu exército e destruiu os espanhóis, naquele momento?
                                                    (minha pergunta de quinhentos anos)



Podemos inferir que a férrea disciplina militar incaica não permitiria que ele tomasse uma tal decisão sozinho, o que o fez esperar pela decisão de Atahualpa, mesmo em poder dos espanhóis. Em segundo lugar, por causa da rapidez da ação e da confusão causada, uma interferência sua poderia atentar contra a integridade física do Inca que, naquele momento, encontrava-se preso bem no meio dos inimigos e da matança.
Quando a derrota inca foi, claramente, exposta, Rumiñahui ordenou a retirada do exército para Quito, sem sofrer nenhuma perda.


Durante o cativeiro de Atahualpa, limitou-se a controlar a presença espanhola, enquanto a coleta do tesouro para o resgate era supervisionada, pessoalmente, por Quilliscache, irmão do Inca. Com a morte de Atahualpa, Rumiñahui percebeu que os espanhóis chegariam até os territórios e preparou-se para agir. Encontrou a oposição de Quilliscache que, preferia usar de diplomacia com os estrangeiros que já haviam dado provas de invencibilidade.


Revoltado com a fraqueza do herdeiro legítimo de Atahualpa, decidiu agir. Com o pretexto de um banquete em homenagem póstuma ao Inca, reuniu todos os parentes de Atahualpa e seus fiéis e, no meio da reunião, prendeu todo mundo. Antes de nomear-se Senhor de Quito, matou a Quilliscache, considerando-o um traidor da terra de seus antepassados. Os cronistas espanhóis fazem um relato macabro dessa morte, o que prefiro não compactuar, pois também haviam dito que ele matara todos os filhos de Atahualpa nessa ocasião, o que não procede, visto que, depois, apareceram vivos.


Inicialmente, as forças espanholas só podiam contar com as tropas de Banalcazar que, por conta própria, aventurara-se na conquista do território do norte, cego pela possibilidade de encontrar ouro, pois era dito que haveria em grande quantidade.
O lugar-tenente de Pizarro, acompanhado de Almagro, veio, logo, juntar-se a ele, com poucos homens, no sentido de fazê-lo voltar à razão. Paulatinamente, esse contingente foi reforçado com a chegada de Don Pedro de Alvarado, conquistador do México, que havia alcançado os Andes, a partir de Puerto Viejo, deixando, atrás de si, um número impressionante de vítimas. Mesmo Rumiñahui não estava sozinho. O exército de Zope-Zopahua e o de Quizquiz, vindo da região de Cusco, vieram juntar-se a ele. Os três exércitos operavam, separadamente, o que teria facilitado aos espanhóis combatê-los, um a um, com vantagens estratégicas.


No entanto, o que teria definido o conflito, fora a presença dos Cañari, que se aliaram aos invasores. Antigos inimigos do povo de Quito, acreditaram poder aproveitar-se da ocasião para derrotar seus "opressores" e obter liberdade. Abasteciam os espanhóis com os suprimentos necessários, encarregavam-se do transporte de bagagens e, na hora da batalha, eram os primeiros a entrar em combate, deixando que os espanhóis interviessem no meio da luta para resolver a situação.


As primeiras batalhas, no entanto, foram acirradas: Teocajas, Ambato, Pancallo e Latacunga foram favoráveis aos exércitos de Quito, que não perdiam terreno. Quizquiz, sozinho, matou quatorze inimigos em uma única luta, obrigando o exército espanhol a recuar. No entanto, um estranho fato fez com que fosse morto por seus próprios homens que queriam um estado de guerrilha.
Rumiñahui organizou táticas para lidar com os cavalos: buracos no chão cobertos por galhos e folhas, para impedir o avanço deles, mas, os Cañari seguiam na frente, desmantelando as armadilhas.


Quando os espanhóis, finalmente, entraram em Quito, encontraram-na incendiada e abandonada.
Perseguidos pela cavalaria, os guerreiros de Quito fizeram verdadeiros malabarismos, no entanto, estavam acostumados a batalhas rápidas, enquanto os estrangeiros a longas campanhas. As deserções cresceram, dia após dia, e Rumiñahui foi forçado a deixar a área, perseguido pelos inimigos. Restava-lhe um punhado de homens; o líder invencível tentou, ainda uma vez, a fuga mas, foi feito prisioneiro, depois de uma terrível luta. Pouco depois, Zope-Zopahua, também, caiu prisioneiro, aparentemente abandonado pelos seus e forçado a entregar-se. Rumiñahui e os outros foram submetidos a tortura, mas não revelaram nada. Vendo que seus esforços eram inúteis, os espanhóis decidiram pela sua morte e, em 25 de junho de 1535, Rumiñahui, Zopa-Zopahua, Quingalumba, Razorazo e Sina foram executados, de forma bárbara.




Rumiñahui, no Equador, é considerado "defensor de Quito", herói nacional e, sobre ele, muitas obras foram escritas. 




1) Llescas, segundo cronistas espanhóis.