12.10.2020

CAMPO DE TARWI (Lupinus Mutabilis)




 Seus caules robustos, eretos, um tanto lenhosos, rompendo as alturas de dois, três, ou quatro mil metros montanha acima, com sua cor púrpura tendendo ao roxo, tocados pelas mãos do vento enquanto os pássaros entoam uma sinfonia de solidão e um sopro de névoa começa a desvanecer-se tocado pela luz do sol.
Esses tremoços silvestres, chamados tarwi, margeiam todos os caminhos, se espalham pelos espaços deixados para trás pela grama nos campos, como pedindo permissão onde outrora deixava-se cultivar com método e alegria.
As folhas, dedilhadas, palmadas, com folíolos de forma oblonga e pequenas folhas estipulares na base do pecíolo. Elípticos ou ampliados até o final,  glabros ou com pelos finos e tênues, pubescentes.
A inflorescência é um aglomerado terminal, com flores verticalmente dispostas. Flores pequenas, como borboletas, tipicamente papilionadas, uma corola com cinco pétalas, um vexilo ou pétala maior, uma quilha, formada por duas pétalas inferiores e duas asas ou pétalas laterais como qualquer flor das papilionáceas.
A quilha envolvendo o pistilo e dez estames monodélicos. 
Em uma única planta de tarwi podem ser contadas mais de mil flores, cujas pétalas variam desde o branco, o creme, o azul, até o roxo mais extremo.
Misture as cores primárias de vermelho e azul na natureza dos tarwis e, na teoria das cores, defina o púrpura como uma cor qualquer não-espectral entre o violeta e o vermelho. Decida-se pintá-los e o púrpura será a cor entre magenta e violeta, com todas as suas matizes e tons; prefira o roxo para não cometer erros.

Talvez há quinhentos anos um último giro pelo império tenha carimbado na memória dessas montanhas a derradeira colheita dos tempos de paz.
Debulhar o tarwi nunca foi tarefa fácil, exige um trabalho pesado e cuidadoso. Mas, a planta seca era batida e ventilada para separar os grãos de suas vagens, com cuidado, para que homens e animais não fossem feridos pelas pontas afiadas dessas mesmas vagens.
Depois o grão colhido e seco era armazenado em recipientes fechados em lugares apropriados para que fosse preservado; para que nunca faltasse esse alimento  e ele pudesse ser semeado, novamente, girando o círculo de sua existência. 
Uma vez que o amadurecimento estivesse completo e quando os frutos adquiriam uma cor amarelada, as plantas eram arrancadas e colocadas em ramos para terminar a secagem. A debulha era um processo que levava muito tempo e mão-de-obra.
O tarwi possui floração diferenciada entre os ramos principais e secundários o que faz com que, hoje em dia, em muitas ocasiões, duas a três colheitas sejam necessárias. Mas, há quinhentos anos, talvez fosse tudo diferente.
Na agricultura tradicional, é costume semear tarwi após um campo de batata, ou de milho, não sei se seria assim na época incaica, talvez mais uma lembrança daqueles que ousam preservar sua cultura. Posso apostar que sim.
Às vezes são cultivados ao redor de campos agrícolas, como cerca para plantações, como proteção para o gado e ovelhas.
Essa planta anual, às vezes mais alta que uma pessoa, de raízes curtas mas firmes, de flores que variam de cor, indo do azul ao roxo mais explícito; de flores que pendem das folhas para atrair insetos polinizadores, exalando um perfume semelhante ao mel. 

Na Serra, aqui e ali, urtigas. Algumas são verde-escuras e de caules e folhas crescidos; outras, menores, opostas em tudo às primeiras, de cor verde-clara e de folhas pequenas, crespas, quase redondas, de pelugem mais espinhosa que aquelas.
O resto delas são urtigas mortas, que já não picam quem as toca. Mas os nativos sabem como extrair remédio de suas memórias.
Lá embaixo, um pouco mais planície do que serra, os amarantos  vermelhos, brancos, lembrando os açucarados torrões de Guamanga, quem sabe não seja este o gosto do passado que permanece na lembrança...
No mais, é um atropelamento de espécies rivalizando beldroegas em flor; amarelinhas, de tão abundantes deixam ampliar a cor pelos campos verdejantes, esverdeados no desenho dos tufos.
Já estou me perdendo na Botânica, como um estudioso à procura de descobertas fora dos livros.