2.19.2021

FILHOS DO SOL

                                                               





                                                          Capítulo III



Eu estava observando as cores nas pétalas das orquídeas e os intensos tons de verde de suas folhas em um pequeno aglomerado de arbustos isolados na beira da encosta, ao mesmo tempo tentando me livrar de irritantes mosquitos que iam e vinham sem dar trégua, quando senti meu pé deslizar na lama encharcada sob o mato fofo, o movimento do meu corpo forçando alguns galhos contra meu rosto como garras de um animal selvagem. Escorreguei até ficar de joelhos quando o meu pé, simplesmente, resvalou para o vazio e eu tive de me agarrar aos mesmos galhos que me feriam para não rolar no despenhadeiro. Pude ouvir os homens gritando na distância e só então percebi que a névoa cobrira tudo repentinamente. Eu estava só e teria de me virar para me safar do perigo, as mãos agarradas aos galhos, os pés calcados no emaranhando da ramagem dependurada na vertente. 

 Os segundos pareceram horas enquanto eu tentava me acalmar, consciente de que um gesto precipitado me lançaria no vazio dentro da morte. A névoa parecia compacta demais e eu mal podia ver a mim mesmo quando senti alguém agarrar-me pelo pulso enquanto outra mão puxava-me pelo cano da bota e eu encontrei forças para impulsionar meu corpo para cima e para a vida, sentindo a respiração ofegante do meu salvador contra o meu rosto quando nós dois rolamos juntos sobre a vegetação, cortando mãos e pulsos na grama afiada do páramo. 

A névoa pareceu desvanecer um pouco e eu pude ver a silhueta magra de Henri tentando se aprumar contra o recorte esfumado da montanha. Felizmente havíamos colocado os casacos e as botas de cano longo, ou poderíamos ter nos ferido ainda mais. Rimos enquanto tentávamos nos perceber dentro da névoa fugidia.

--Obrigado, amigo! - minha voz pareceu trêmula demais e eu tossi tentando me recompor.

Henri ficou em silêncio e eu me senti muito tolo dentro da loucura dessa circunstância. Soltei o corpo sobre a grama, apoiando-me nos cotovelos, tentando, ao mesmo tempo, relaxar e evitar o contado da minha cabeça com a relva cortante. Um cansaço extremo forçou-me contra o chão e eu fiquei deitado de costas olhando um rasgo de azul suave enquanto a relva se dissipava na direção da montanha. De repente o azul pálido de seus olhos me puxaram de volta, atraindo-me como o feitiço do ouro de Atahualpa. 

Henri estava de pé tentando equilibrar-se enquanto tirava o casaco e eu pude ver sua camiseta branca rasgada e manchada de sangue, assustando-me com a ferida que sangrava perto de seu coração.

--Você está ferido.

--Não é nada.

Levantei-me rápido, o mais rápido que pude, quando nossas faces ficaram muito próximas e iluminadas pelos primeiros raios de sol que víamos em dois dias.

--Não se preocupe. Não é nada. -estávamos muito próximos quando nos vimos cercados pelos outros.

--Todos bem? Estão todos bem?- alguém perguntou e todos começaram a falar ao mesmo tempo, cada um com uma conversa diferente, uns em espanhol, outros em inglês, ninguém fazendo questão de entender o outro. Não houve nenhum constrangimento, apenas arranhões e a ferida no peito de Henri. Logo estaríamos sentados em círculo, tentando fazer uma refeição descente, ouvindo estórias e histórias da boca dos carregadores.

Um bando de antas correu para o mato quando nos aproximamos do acampamento e das mulas, parecendo mais amigos do que, realmente, éramos; todos sorridentes e estropiados, famintos e extenuados. Era nosso segundo dia no Llanganatis.