2.26.2021

FILHOS DO SOL - IV







CAPÍTULO IV


Segundo os ecologistas, toda vegetação alta, tropical e montanhosa, acima da linha contínua das árvores, mas abaixo da linha de neve permanente, é um bioma neotropical de alta montanha com uma vegetação composta principalmente por plantas rosetas gigantes, arbustos e gramíneas e é designada com o nome de páramo.

Nós passamos a maior parte do dia lidando com o barro grudento que nos tornava cansados demais, desanimados quando ficávamos atolados com lama acima dos joelhos e, mesmo assim, tínhamos de avançar. O esforço físico é tanto que inúmeras vezes precisamos de horas para nos reorganizar e descansar dos embates com a natureza. A exaustão me induz a pensamentos de derrota e conclusões infundadas de que o guia de Valverde não passa de uma farsa e uma brincadeira sem fundamento que tem durado devido a imensa quantidade de tolos dispostos a encarar tal empreitada em um lugar tão inóspito, capaz de trazer desgraça e morte e, de quebra, reforçar a ideia de que tudo acontece pela maldição aportada pelo tesouro àqueles que o buscam. Mas, o mapa está tatuado em minha mente e as instruções de Valverde soam como música e têm refrão. Estou ansioso por ver as estrelas, novamente. A vida inteira elas tem sido a inspiração para as minhas decisões e solução para as minhas dúvidas. No entanto, as chuvas constantes e intermináveis nos tem colocado em uma espécie de outro mundo, fora da realidade, ou da normalidade. Minhas noites tem sido escuras, geladas e vazias e alguns pesadelos não me deixam descansar a ponto de eu começar a pensar que posso adoecer e morrer e ser enterrado na lama do Llanganatis, com uma pequena cruz de madeira improvisada para lembrar da minha breve existência e de que a minha persistência me conduzira até este lugar.

Enquanto a lama me envolve e o som dos homens tenta nos conduzir para fora do pesadelo com gritos e advertências, eu sonho com a minha primeira vez aqui, quando a minha rebeldia me fazia desejar não seguir as orientações dadas aos turistas e eu me esforçava para fazer o meu melhor nesse sentido, usando roupas e calçados confortáveis, ao mesmo tempo quentes e impermeáveis, como se isso fosse mesmo me proteger do sol e da chuva, com uma porção de barrinhas de cereais e água mineral na mochila, uma garrafa térmica de café e outra de chocolate quente, tentando seguir as instruções do guia e me sentindo ridículo por fazê-lo. Atrasando os outros com minhas escapadas e constantes paradas para observar a beleza das plantas endêmicas e aquelas tão pequenas que ninguém nem sequer nota; atrapalhando aqueles cuja única intenção era aventurar-se a pé para além dos locais comuns de visita, aqueles sonhadores que ousavam ir um pouquinho além para ter a sensação de estar adentrando a verdadeira atração do Llanganatis, o romance, a aventura a magia de Atahualpa Inca e seu tesouro. Como se o sonho de todos nós não esbarrasse contra o paredão chamado Rumiñaui, o general do "olho de pedra", aquele que tudo vê, aquele que tudo vigia, aquele que, de dentro da morte, vela por seu Inca, seu irmão, seu amigo, e seus interesses reais; afinal nada parece ter mudado no mundo espiritual dos Incas e essa dimensão do espírito se encontra com o mundo físico bem aqui, justamente aqui, no Llanganatis. 

A camada de nevoeiro fora persistente, antes do aguaceiro, e as nuvens baixavam ao nível das árvores, encobrindo a vegetação, reduzindo a exposição à luz solar direta, quando o sol ousava brilhar e a abundância de epífetos resultava em farta cobertura de musgos e fetos e uma variedade de plantas com flor e muitas orquídeas. O solo, com forte tendência à umidade, por vezes tornando-se alagado, conferindo às turfeiras  uma rica variedade biológica, um mundo à parte no qual a precipitação que provém do nevoeiro alimenta a floresta nublada, aspergindo as gotículas que o compõem por toda a vegetação e, posteriormente, juntando-se, aumentando de tamanho e escorrendo para o solo.

Meu pensamento parece voar na névoa como se eu sonhasse acordado, sentindo-me em conformidade com a adesão das gotículas que se formam no nevoeiro, aderindo às folhas das árvores, aos troncos, sobre os quais se unem de maneira intensa em gota maiores que escorrem sobre essas superfícies até alcançar o chão. Como se a minha alma pudesse transcender a adversidade e eu me tornasse parte da natureza, em uma outra dimensão, fora da chuva intensa, fora da lama destrutiva. Parece que estou adentrando o espírito do Llanganatis, precipitando-me com as gotículas do nevoeiro capturadas pelas folhas, pelos ramos, em constante movimento, pelo soprar dos ventos, juntando-se umas às outras, tornando-se mais pesadas, precipitando-se como gotas de tinta transparente deixando entrever a cor do objeto que atinge em sua precipitação. O movimento continuo das folhas, dos ramos, no agitar dos ventos, como instrumentos de coalescência.

Mas, a realidade ainda é a chuva constante e a lama pesada. Lembro-me do que Loch escreveu em seu livro: "Tudo em que pisamos, tudo em que agarramos cedeu sob nós." Loch (1), que na primeira expedição enfrentara a chuva em trinta e sete dos trinta e nove dias de duração, terminara a segunda tão mortificado "setenta dias de inferno que fez toda a miséria anterior parecer nada" que, logo após a publicação do seu  livro contando sua experiência, teria tirado sua própria vida.  

A mente de um homem é terreno acidentado; é como uma floresta de nuvens que cresce densamente nas encostas onde vales parecem não levar a lugar algum. Difícil julgar o que faz um explorador atingir seu extremo, seu limite, sua fronteira final e irreversível. Acho que meu único medo é defrontar-me com meu limite, não tendo a certeza de superar minhas fraquezas e perecer como Loch, perdendo para ele mesmo, seu pior adversário.

A certa altura, escorregamos para fora do caos escalando toras que emergem da lama, passamos parte do tempo nos arrastando sobre pedras irregulares, quando, finalmente, rolamos para dentro de um arroio no qual encontramos um certo conforto, apesar da água gelada, livrando-nos, aos poucos, do barro que nos cobria, lavando nossas feridas, felizes por superar tanta adversidade de forma satisfatória.

Todos, indistintamente, temos as mãos cortadas e os braços arranhados sob roupas meio esfarrapadas mas não há tempo para lamentações. Nossos espertos carregadores improvisam, céleres, um acampamento enquanto o vento muda rapidamente as nuvens de lugar e algumas estrelas podem ser vistas, acrescentando insumos às nossas esperanças de que a chuva faça parte do passado.

Fernandez, o chefe dos carregadores nos serve uma caneca de um chá escaldante que meu paladar não consegue identificar. Meus olhos estão colados na face de Henri, fortemente rosadas enquanto duas olheiras fundas emolduram seus olhos cansados. Estou preocupado com seu aspecto doente e uma tosse persistente que ele tenta disfarçar sem resultado. Não consigo esquecer que Isabela Books morreu de pneumonia após três dias neste lugar.

--Termine seu chá e vá para dentro da barraca. Chega de ventos gelados, garoa e chuva por hoje. Agasalhe-se bem e tome pelo menos uma aspirina.

--Já tomei. Não se preocupe. Está tudo sob controle.

--Ótimo. E não se preocupe se ouvir barulho do lado de fora da barraca. São os ursos de óculos te chamando prá briga.

Ele sorri de volta quando eu tento animá-lo com uma piada.


As taxas de crescimento de duas espécies de roseta caulescente, Coespeletia timotensis e Espeletia Schultzii, foram avaliadas em um páramo andino perto de seus limites de elevação superiores. A altura do caule e da copa foram medidas no início e no final dos períodos de estudo, e as diferenças na estatura da planta foram divididas pelo número de anos para obter as taxas de crescimento anual. Como forma, "roseta" é usada para descrever plantas que crescem perpetuamente como uma roseta (da mesma forma o estágio imaturo de plantas como alguns fetos). Cada povoamento mostrou um aspecto, grau de variação, posição de declive e cobertura de solo bem uniformes, ainda que seu desenvolvimento possa ter sido afetado pelas diferenças de microsítio, como nutrientes de solo e o teor de umidade, a proximidade das rochas e as interações por competição das plantas.

A mortalidade foi semelhante para ambas as espécies, sendo maior para mudas de C. timotensis e plantas mais altas, que se inclinaram e tombaram, provavelmente devido ao distúrbio de geada no solo. Também houve mortalidade nas plantas maiores de E. Schultzii, mas elas permaneceram de pé e não tombaram. 

De repente. o céu mostrou-se pontilhado de estrelas e eu fiquei maravilhado. Depois, quase no mesmo instante,  um bólido, qual estrela cadente, veio rompendo a atmosfera, queimando na ação de seu movimento, desintegrando-se na direção das montanhas distantes, tombando morto na escuridão.