Llanganatis / Equador
Vamos a um passeio que vai começar neste momento, voltando atrás quinhentos anos para tentar surpreender o passado.
Sob uma temperatura polar insuportável, entrando em uma horrível tempestade que geralmente leva a inundações terríveis, acompanhadas de ruídos estranhos, vamos penetrando em uma misteriosa vegetação onde o musgo é tão grande que pode afundar um ser humano e cobrir a extensão de um abismo.
Cerro Hermoso é a cordilheira central de Llanganatis, que não é exatamente uma cordilheira, mas um raro sistema de três montanhas agrupadas, encravadas nesta parte do beco interandino e que vão como ramificações nos Andes equatorianos. Muito poucas pessoas conhecem o local de Llanganatis e daqueles que entraram, apenas alguns saíram vivos. Mas todos concordam que é uma espécie de oásis geológico no mundo andino.
Os Andes não estão parados, mas vivem em perpétuo movimento geológico. As estradas, traçadas por montanhas e vales, movem-se.
As tubulações hidráulicas, feitas de concreto, se retorcem e rompem-se, a neve derrete, de vez em quando, dando origem a novos e imensos riachos aluviais. Todo o sistema andino é um promontório rochoso quebrado, a cicatriz de uma grande ruptura da crosta, de onde emergiram grandes buracos vulcânicos. Um aglomerado em torno dos escombros desse quebrado formou a enorme Cordilheira. Raramente existem rochas sólidas nos Andes, todas estão rachadas, queimadas ou esmagadas.
As colinas e picos vulcânicos da Cordilheira dos Andes são formados de cima para baixo. Os Llanganatis, no entanto, são de baixo para cima. Eles são únicos.
Sempre que se fala em Llanganatis ele está envolto em uma névoa muito densa ou tempestades que parecem catástrofes. Como um grande mistério, um mistério para muitos dos que entraram e não saíram de lá.
Píllaro é o ponto de partida para Llanganatis e não há outra entrada.
Llanganatis é um lugar ideal para esconder algo e um esconderijo pode ser uma tumba permanente, uma tumba insondável onde o que ali caiu dificilmente pode ser extraído. Um abismo de mistérios e segredos eternos.
Teria sido ali, enterrado por Rumiñahui, uma parte do resgate em ouro de Atahualpa, bem como seu próprio corpo desaparecido?
Depois de entrar em Llanganatis, estamos nos lançando no abismo do tempo, para tentar entender a história e a lenda. No caso dos Incas, posso dizer que a lenda é a história.
Como lenda, a tradição oral e escrita fala de um tesouro. O fabuloso tesouro que o exército levava para Cajamarca e que, provavelmente, foi escondido em Llanganatis, algum tempo depois, em lugares que apenas Rumiñahui e alguns de seus homens conheciam.
Decididamente, em Llanganatis, Rumiñahui, que era descendente do Atis de Pillaro, de Pillahuaso deve ter escondido todas as riquezas que se dispôs a entregar para libertar seu soberano, quando este foi assassinado pelo opressor.
Geograficamente, Llanganatis está fixada no triângulo formado por Latacunga, Baños e Puyo, onde a Cordilheira Ocidental ligou-se para produzir uma terceira montanha, limitando com o Amazonas desde a bacia do Napo e Pastaza.
Do final do século XVIII até a década de 1970 do século XX, cerca de cinquenta expedições foram feitas a Llanganatis, mais de trinta delas lideradas por estrangeiros.
A mais documentada delas foi realizada pelo pesquisador de Quito Luciano Andrade Marín, em 1933 e 1934, que junto com dois italianos, Humberto Re e Tullio Boschetti, caminharam um mês e meio pela região de Llanganatis.
El Derrotero Del Padre Valverde.
A verdadeira história desse guia (El Derrotero) perde-se nas brumas do tempo e das conquistas coloniais. O original estaria nos Arquivos Indianos e exigiria muita pesquisa para encontrar e determinar a autenticidade.
Aparentemente, há uma cópia impressa ou outra, daí a impossibilidade de determinar a autenticidade desta forma, mas em qualquer caso, trata-se de algo antigo e fascinante.
"Situados no povoado de Píllaro, perguntai pela Hacienda (fazenda) de la Moya e dormi a primeira noite a boa distância acima dela e perguntai ali pela montanha de Guapa(Cerro Hermoso?)... de cujo topo, olhando para o leste e tendo Ambato nas costas, podereis ver as três colinas Llanganati em forma de triângulo, em cujas encostas há um lago, feito pela mão do homem, no qual os antigos jogaram o ouro que haviam preparado para o resgate do Inca quando souberam de sua morte. Do mesmo morro Guapa também poderás ver a selva, e nela um aglomerado de sangurimas que se projetam da dita selva, e outro aglomerado que chamam flechas, e esses aglomerados são a principal marca pela qual vos guiareis, deixando-os um pouquinho para a esquerda, segui em frente desde Guapa na direção e de acordo com as indicações, e depois de terdes avançado uma boa distância, e tendo passado por algumas fazendas de gado, encontrareis a beira de um amplo pântano o qual tereis que atravessar e, saindo do outro lado, vereis à esquerda um pequeno caminho fora de um canavial sobre uma encosta, por onde devereis passar. Ao sair do canavial, vereis duas pequenas lagoas chamadas Los Anteojos (Os óculos), porque entre elas há uma ponta de terra como um nariz.
Deste lugar podeis divisar outra vez as colinas de Llanganatis, da mesma forma que as vistes do alto de Guapa, e eu vos aviso que deixeis as ditas lagoas à esquerda, e que na frente da ponta ou nariz há uma planície, que é o lugar para passar a noite. Lá deveis deixar vossos cavalos porque eles não podem ir mais adiante. Continuando agora a pé na mesma direção chegareis a uma grande lagoa negra, a qual deixareis do lado esquerdo e, para além dela, tratareis de descer a encosta, de forma a chegar a um desfiladeiro por onde desce um fio de água; e aqui encontrareis uma ponte de três mastros, ou se ela não existir mais, colocareis outro no lugar mais conveniente e passareis por cima dela. E tendo continuado por um curto trecho dentro da floresta, procurai pela choça que servia para dormir ou os restos dela. Depois de passar a noite ali, continuai vosso caminho no dia seguinte pela floresta na mesma direção, até chegar a outro desfiladeiro profundo e seco, através do qual tereis que fazer uma ponte e passar por ele, devagar e com muita cautela, pois o desfiladeiro é muito profundo; isso se não conseguirdes encontrar o passo que lá existe. Segui adiante e procurai os restos de outro lugar para pernoitar, que, garanto-vos, não deixareis de encontrar pelos fragmentos de potes e outras marcas, porque os índios por ali passam continuamente.
Segui em frente e vereis uma montanha toda de margacitas (3), que deixareis à vossa esquerda, e eu vos aviso para contorná-la neste formato de G. Neste lado encontrareis um gramado em uma pequena planície, a qual, depois de passar por ela, chegareis a um passo estreito entre duas colinas, que é a Trilha Inca. A partir daí, ao continuar, vereis a entrada para o sumidouro, que tem a forma de um portal de igreja.
Tendo saído do estreito e percorrido uma boa distância, percebereis uma cachoeira que desce de um pequeno braço do Cerro Llanganatis e deságua em um pântano do lado direito; e sem passar pelo riacho, no dito pântano tem muito ouro, de maneira que pondo na mão o que puderdes empunhar, no fundo tudo são grãos de ouro. Para subir a montanha, saí do pântano e continuai à direita e passai pela cachoeira, contornando o pequeno braço da montanha. E se por acaso a boca do sumidouro for fechada com certas ervas que eles chamam de selvagens, retirai-as e encontrareis a entrada. E no lado esquerdo da montanha podereis ver a guayra (porque era assim que os antigos chamavam a fornalha onde eles fundiam metais), que é cravejada de ouro. E para chegar à terceira montanha, se não conseguirdes passar pela frente do sumidouro, é a primeira coisa passar por detrás, pois a água da lagoa cai dentro dele.
Se vos perderdes na mata, procurai o rio, segui até o canto inferior direito, tomai a praia, e chegareis ao estreito de tal forma que, mesmo que tenteis passar por ele, não encontrareis por onde; subi bem alto, a montanha do lado direito, e assim não perdereis de forma alguma o caminho. "
Esse documento que descreve cuidadosamente a localização do tesouro inca foi escrito por um espanhol chamado Valverde que morou no Equador e supostamente soube da localização do tesouro inca através da família de sua esposa nativa. Valverde, tendo retornado muito rico à Espanha, em seu leito de morte escreveu as instruções para a localização do tesouro, enviando-a ao rei. Supostamente o rei a teria mandado ao Equador. Uma expedição foi organizada pelo administrador de Latacunga, Antonio Pastor y Marín de Segura e um sacerdote, Padre Longo, com o objetivo de encontrar esse tesouro. Todas as instruções foram seguidas mas, próximo ao local do tesouro, Padre Longo desapareceu, ou morreu, em circunstâncias misteriosas e a expedição foi abandonada. Depois disso, o guia de Valverde teria sido depositado nos arquivos públicos de Latacunga, cidade a noroeste de Baños. Bem...
A expedição quase chegara ao fim do percurso quando uma noite o Padre Longo desapareceu misteriosamente e nenhum vestígio dele pôde ser descoberto, talvez tenha caído em um precipício próximo ao acampamento ou em um dos pântanos que ali proliferam, fato é que nunca mais o encontraram. Depois de procurar em vão pelo sacerdote por alguns dias, a expedição voltou sem obter êxito e com esse rastro de morte em seu caminho."
No entanto, supostamente, Pastor parece ter descoberto muito ouro, mantendo consigo o guia, o Derrotero original, e deixando uma cópia na sede administrativa de Latacunga, com a pista final alterada, para que outros não pudessem encontrar o tesouro. Não são poucos os que acreditam que o tesouro tenha sido localizado e retirado por Antonio Pastor y Marín de Segura no final do século 18.
No ano de 1793, o sacerdote de Píllaro, Mariano Enríquez de Guzmán, fez uma expedição ao Llanganatis, aparentemente sem sucesso, pois utilizara o falso Guia deixado por Pastor, onde podia-se ler na capa as seguintes anotações "Guía o Derrotero que Valverde dejó en España donde la muerte le sorprendió a él, habiendo ido desde las montañas de Llanganati, a las cuales el entró muchas veces y sacó una gran cantidad de oro; y el Rey ordenó a los Corregidores de Tacunga y Ambato que buscasen el tesoro, cuya Orden y Guía se conservan en una de las oficinas de Tacunga"(Guia ou Rota que Valverde deixou na Espanha onde a morte o surpreendeu, tendo ido das montanhas de Llanganati, às quais entrou muitas vezes e retirou uma grande quantidade de ouro; e o Rei ordenou aos Corregidores de Tacunga e Ambato que procurassem o tesouro, cuja Ordem e Guia são mantidos em um dos escritórios em Tacunga).
Seguindo essa linha do tempo, Pastor deixara sua família em Ambato, viajando para Lima, estabelecendo-se na capital e, havendo falecido sua esposa em 1801, casou-se, no Peru, em segundas núpcias, com Narcisa Martínez de Tejada y Ovalle, havendo desse casamento apenas um filho, José Mariano Pantaleón Pastor y Martínez de Tejada, nascido em 27 de Julho de 1802.
Em 1803, Pastor teria embarcado um carregamento de valiosas barras de ouro e outros metais em uma fragata inglesa, para ser depositado no Royal Bank of Scotland (Escócia) por Sir Francis Mollison, conforme procuração outorgada em seu favor. As barras deveriam gerar juros e o valor total de tudo seria repartido entre os descendentes do referido casamento, mas apenas na quinta geração.
A lenda ganhou o mundo quando o botânico Richard Spruce descobriu o Derrotero de Valverde e um mapa desenhado por um equatoriano em nome de Don Atanasio Guzmán, informação essa publicada pela Royal Geographical Society em 1860.
Entre 1933 e 1934, Luciano Andrade Marín, geógrafo e historiador equatoriano, o italiano Tullio Boschetti, Umberto Ré e vinte e cinco indígenas carregadores fizeram uma expedição ao Llanganatis. Andrade Marín publicou o livro "Viaje a las misteriosas montañas de los Llanganati"(Viagem às misteriosas montanhas do Llanganati), com os registros do estudo que fizera da flora, fauna e geografia da região, narrando a fantástica expedição documentada naquele livro, declarado Patrimônio Cultural do Equador e que pode ser consultado na Biblioteca Nacional de Quito.
Andrade Marin mostra que o Derrotero contém vários dias de viagem, sendo que os primeiros três ou quatro dias denotam uma enorme precisão com relação à realidade geográfica da região de Pillaro e quanto à entrada para as montanhas dos Llanganatis.
Parece que em 1954 teria sido encontrado um rudimentar mapa do Tesouro, pintado em cores pelo Cura Enríquez que, não satisfeito com o mapa que havia feio, teria levado consigo a cópia do Guia dos escritórios de Latacunga, que anos mais tarde parece ter pertencido ao Sr. Lorenzo Gortaire Viteri, morador de Quito no final do século passado, que a deixou para seus herdeiros quando morreu, os quais a teriam vendido a um sueco chamado Stellan Moerner, que se passava por conde em Quito no início deste século, mostrando-se muito interessado em localizar o tesouro.
Descendentes diretos dos que haviam sido chefes na região contaram que o antigo rei de Píllaro de San Miguel, chamado Pillahuaso Ati, filho de Pillahuaso Ati de San Miguel, casara-se com a rainha Choazanguil de Huainacusi e fora pai de uma filha com a qual um dia casou-se o Inca Huayna Capac: deste casamento nasceu, em Píllaro, o General Rumiñahui.
Rumiñahui, irmão de Atahualpa, ou não, era seu homem de confiança. Desde novembro de 1532, quando Pizarro capturou Atahualpa, até agosto de 1533, quando foi executado, passaram-se nove meses até o trágico fim do Império Inca. Tempo que Pizarro aproveitou, lucrando com a grande confederação do povo Inca enquanto Rumiñahui apressava-se em coletar ouro para subsidiar a liberdade de Atahualpa.
Rumiñahui organizou a resistência e, ao mesmo tempo, tentou manter a liberdade dos seus domínios entre os quais encontrava-se o reino de Quito. Rumiñahui manteve a reação contra os espanhóis de um lado, enquanto lutava contra o que restava do império inca do outro.
Rumiñahui tinha poder real para fazer isso. Quando Huascar foi morto por outro exército de Atahualpa que, liderado por Quisquis, havia tomado Cusco, Rumiñahui foi o comandante supremo do império inca que, então, estava completamente desmembrado.
De qualquer forma, quando, na calada da noite, o corpo de Atahualpa tomou a direção do norte, carregado pelo General Rumiñahui e seus soldados, desaparecendo na névoa dos Andes para sempre, levou consigo um rastro de segredos que jamais seriam revelados . Os espanhóis realmente tentaram, sob tortura, puxar pelo menos alguns desses segredos, mas não conseguiram nada. Apenas mais morte, tortura e destruição. Atahualpa conseguiu o que queria, dentro da tragédia que causara para si mesmo e para os outros: preservar seu corpo, para não ser destruído e poder voltar à vida, como sempre acreditaram todos os Incas. Preservando os tesouros porque, o que era apenas metal precioso para os estrangeiros, para os Incas era sua fé no Sol enquanto Deus, do qual o ouro era o suor, a fé em sua cultura de filhos do Sol e a preservação da própria vida, neste mundo e no próximo.
Bibliografia:
Frei Martín de Murúa: Historia general del Perú. Origen y descendencia de los Incas (1611).
continua....