CAPÍTULO II
Antes de nos encontrarmos ao pé dos três cerros, nos encontramos no apartamento de Henri na cidade de Londres. Passamos a noite, e parte da manhã, acordados, conversando sobre o tesouro de Llanganatis.
Tentei argumentar com Henri sobre o que já houve, no passado de Llanganatis, com aqueles que ousaram sonhar com esse tesouro que poderia não passar de uma fata morgana nos sonhos de tolos. Tentei demovê-lo, mais como uma estratégia furada de sentir-me um pouco mais em paz quanto a minha vontade de ir para lá sozinho, com a única pretensão de adquirir conhecimento, como uma espécie de Darwin dos tempos atuais. Minha pretensão morria no esboço de seus sorrisos e eu pensei que qualquer um poderia, facilmente, apaixonar-se por ele, duvidando que alguém tivesse a coragem de confessar diante desse ser especial que ele era, frente a sua terrível capacidade de nos colocar, a todos, cada um de nós, em seu devido lugar.
--E quanto a Brun, George Brun, o especialista em balística, picado por um escorpião? Foi na segunda expedição de Loch. A primeira havia durado trinta e nove dias, trinta e sete de chuvas torrenciais. Mas, a segunda...
--A insistência dos exploradores equivale a de nós, botânicos.
--Eu sei que somos loucos, mas quem não é? Só os pálidos de medo não ousam tentar transformar seus sonhos em realidade.
--Nem todos são loucos, Henri. Nem todos são covardes. Essa é uma definição muito simplista da alma humana.
--Infelizmente, ou felizmente, não sei, a segunda viagem de Loch ao Llanganatis foi a mais cansativa, setenta dias no inferno. Se tudo fosse a contento não estaríamos aqui, agora, e, provavelmente o tesouro estaria em um museu e nos encontraríamos apenas para tomar cerveja e reclamar de nossas esposas megeras e nossos filhos birrentos.
Eu ri muito enquanto o observava tão sério.
--Ah, não, não faríamos nada disso. No máximo uma namorada e iríamos para o Egito em busca de achados arqueológicos.
--Você não entende. Isso é mais sério do que parece. Eu preciso fazer isso. Algo me atrai para aquele lugar. Encontrar o ouro é só uma motivação que eu tento manter preservada. Porque eu não sei o que me move de verdade. É uma coisa de alma.
--Quando foi que isso aconteceu? Quando começou a sentir isso?
--O próprio Loch escorregou em uma ravina, quebrando duas costelas e um de seus soldados foi arrastado para dentro das corredeiras para nunca mais ser visto. Loch, dois soldados e Brun sobreviveram. Por quanto tempo alguém sobrevive depois de ter seus sonhos destruídos e o corpo moído pelas adversidades? Loch ainda viveu para publicar seu livro. Precisava fazer isso. Então, tirou a própria vida. Sozinho em seu mundo gigantesco. O cara era um gigante e agora não passa de uma lenda esquecida. Não quero que aconteça isso comigo. Mas, se acontecer, pelo menos terei morrido pela melhor causa.
--Talvez seja melhor não falarmos mais sobre isso. Vamos esquecer os caras. Estão mortos mesmo.
--Loch escreveu em seu livro: "Tudo em que pisamos, tudo em que agarramos cedeu sob nós." Falava sobre o que aconteceu nessa expedição mas, eu vejo além disso. O que aconteceu estava escrito em sua alma, tudo ruiu dentro dele até não haver mais nada. Escrever aquele livro era tudo o que lhe restava. "Savage and barbarous land of false dreams and broken promises.", ele disse.
--"Terra selvagem e bárbara de sonhos falsos e promessas quebradas." Vamos nos manter racionais, nós dois.
--Antes dele, o Coronel Brooks e sua esposa Isabella viveram uma tragédia lá que se derramou para fora como o espumar de um louco. Em sua primeira viagem sofreu um motim. eu posso imaginar o que terá acontecido. Mas, não foi o bastante. Ele voltou levando sua amada esposa. Ele a amava tanto. Eu posso imaginar o que ele estava sentindo.
--Parece que ela não era sua esposa.
--Mas, ele a amava. Aquelas chuvas torrenciais de sempre não deram trégua. De nove a doze meses de chuvas e névoas geladas. Ela adoeceu em plena montanha, bem no meio do nada. Em poucos dias ela morreu. Talvez ele devesse ter morrido junto. Resolveu voltar a Nova Iorque e foi parar num hospício.
--Isso tudo parece gerar muita superstição sobre o lugar, sobre o tesouro.
--Parece que todos, de uma forma ou de outra, são atingidos no coração. Bob Holt, literalmente.
--O geólogo americano.
--Década de sessenta. Não faz tanto tempo assim. Escorregou e caiu sobre um tronco de árvore quebrado e pontiagudo que o acertou diretamente no coração.
--São coinci...
--...dências. Não. Tem algo aí. Algo grande, enorme; e forte, muito forte. Como um polvo gigantesco e seus tentáculos que nos puxam de volta para a morte. E ele sempre vence.
--Você não acha que o tesouro está amaldiçoado!?
--Não. Nem tudo é para todos. Está lá por um motivo. Está esperando por aquele que deve encontrá-lo.
Eu estou sorrindo ao olhá-lo no olhos.
--E você sabe quem é essa pessoa?
--Eu tenho o direito de ter um palpite.
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