(Chuqui Huipa / Chuqui Llanto - desenho de Guaman Poma)
Voltar no tempo para testemunhar, ao menos em nossos sonhos, e na narrativa dos cronistas, o casamento de Huascar, o último Inca, e sua irmã Chuqui Huipa.
Huascar voltara a Cuzco, logo depois de assistir, pessoalmente, à parte final das exéquias, em Yucay, pela morte de seu pai e soberano do Tahuantinsuyo, Huayna Capac. O luto fora vivenciado na capital e em todo o império com grande sentimento, lágrimas e infinitos sinais de tristeza.
Era hora de pensar na sucessão.
Com a permissão e os presságios favoráveis do Sacerdote do Sol e o consentimento dos demais nobres (1), Huascar decidiu casar-se com Chuqui Huipa (2), sua irmã por parte de pai e mãe, de acordo com a leis incaicas. Segundo o cronista Frei Martin de Murúa, chamaram Rahua Ocllo, esposa de Huayna Capac, mãe de Huascar e Chuqui Huipa, e todos juntos disseram a ela como haviam determinado que seu senhor Huascar tomasse por esposa a Chuqui Huipa, sua irmã.
Ao ouvir essas razões e vendo a vontade de seu filho, conselheiros e nobres, Rahua Ocllo, não se sabe por qual motivo, recusou, negando o que ele lhe pedia, dizendo que não queria dar-lhe sua irmã por mulher.
"Huascar Inca teve grande raiva e com cólera e desprezo, levantando-se de onde estava sentado, disse à sua mãe palavras muito feias e desmedidas, tratando-a com desdém e desprezo, as quais, ouvidas por ela, insultada, levantou-se e foi para sua casa, deixando seu filho e conselheiros com grande fúria. "(Murúa)
Ao ver a atitude de Rahua Ocllo, os conselheiros de Huascar determinaram que, embora sua mãe não quisesse, ele deveria pedir sua irmã Chuqui Huipa, por esposa, a seu pai, o Sol, com sacrifícios e oferendas e outras coisas que a ele fizesse e oferecesse e que desse muitas e ricas dádivas ao corpo de Tupac Inca Yupanqui, seu avô e pai de Rahua Ocllo, sua mãe. Com esta determinação, Huascar, seguindo a ordem e o conselho dos seus, primeiro dirigiu-se ao local onde se encontrava a múmia de Tupac Inca Yupanqui com grandes presentes. Adcayquy Atarimachi, Achache e Manco, parentes encarregados de cuidar e falar em nome de Tupac Inca Yupanqui, aceitaram em seu nome, e a concederam por esposa.
De lá, Huascar foi ao templo do Sol com grandes sacrifícios e ofertas e pediu ao Sol, seu pai, Chuqui Huipa, sua irmã, como esposa legítima, e todos os sacerdotes do templo, juntos, em Seu nome, a deram por esposa, recebendo os presentes. Ele, querendo que o casamento fosse com o consentimento de sua mãe, Rahua Ocllo, para acalmá-la e agradá-la, deu-lhe ricos presentes de ouro, prata, roupas, servos e, solenemente, mais uma vez, todos os sacerdotes e irmãos de Huascar e os conselheiros foram até ela e juraram Chuqui Huipa por sua esposa legítima.
Houve festas, com danças e bailes, em Cuzco, pelo juramento que fora reiterado, e ordenou-se que, durante todo o mês, fossem acesas luminárias em todas as torres e casas da cidade e que tocassem todo tipo de música das nações que ali estavam e, como ordenado, cumpriu-se.
Depois que o Sol (Inti), a múmia de Tupac Inca Yupanqui e Rahua Ocllo concederam Chuqui Huipa como esposa a Huascar, acordou-se que se efetuasse o casamento. Para maior majestade e grandeza, e maior ostentação, concordou-se que o Sol (a representação que ficava no templo) e a múmia de Tupac Inca Yupanqui fossem ao casamento e que ali estivessem representando a pessoa de Huayna Capac, pai da noiva, pois eles a haviam dado por esposa, em seu nome, e que Huascar saísse, com a imagem do trovão para encontrá-los.
Para maior celebração, ordenaram que a casa de Tupac Inca Yupanqui e a de Huayna Capac fossem cobertas de adornos de ouro e prata, e, assim, quatro torres foram cobertas e as paredes foram todas revestidas de fina guarnição. Aqueles que ocupavam o lugar de Tupac Inca Yupanqui e Huayna Capac e os sacerdotes do Sol, mandaram que a casa de Huascar e a da noiva fossem revestidas de adornos de ouro e rica guarnição, e todas as casas dos Incas mortos tivessem seus telhados cobertos de penas e as paredes de fina guarnição e as torres da praça fossem adornadas da mesma maneira e nela, dia e noite, enquanto durassem as festas, deveria haver muita música, canções e danças.
Cuzco brilhava ao sol com o seu ouro e prata e, à noite, suas torres ostentavam as luminárias; muralhas de pedra em miríades de estrelas como se o céu noturno baixasse à terra, as chamas das lâmpadas crepitando a felicidade do Inca e sua noiva.
No dia do casamento, Huascar saiu de sua casa acompanhado da imagem do Sol, a múmia de Tupac Inca Yupanqui, seu avô, e a de Huayna Capac, seu pai, todos os sacerdotes, irmãos, parentes, conselheiros, orelhões e os chefes de seu exército, e uma multidão de pessoas. Chegaram à casa de Rahua Ocllo, que estava ricamente revestida e, ali, receberam e entregaram Chuqui Huipa a Huascar, com toda a solenidade possível e todas as cerimônias que, entre eles, costumavam realizar em tais casamentos.
"Estiveram ali desde a manhã até a hora de vésperas e depois a pegaram para levar à casa de seu marido, Huascar, com muita música e cânticos. Por onde ela fosse, com seu marido, todo o caminho estava repleto de ouro e prata em pó, infinita "chaquira" (3) e plumagens, algo nunca antes visto em festas e casamentos de qualquer monarca do mundo desde o primeiro homem, até agora, pelo menos, pois não está escrito em qualquer autor, nem o que diremos mais tarde. Foram desde Casana até Marucancha, que eram as casas e residências de Huascar Ynga, e tudo o que daquele dia ficou até a noite se consumiu em bailes, cânticos, danças e regozijo. No dia seguinte, por mais autoridade e grandeza, vieram todas as nações que estavam no Cuzco para fazer festas a sua senhora e duraram mais de um mês. "(Murúa)
Huascar Inca queria celebrar seu casamento de modo que fosse lembrado para sempre. Então, mandou fazer, de ouro e prata, todos os tipos de milho existentes e todas as variedades de ervas que eles comiam. Também fizeram todos tipos de pássaros, pombos, garças, papagaios, falcões, tordos, águias, gaviões, condores, e muitos tipos de peixes do mar e de água doce. Lenha, inteira e rachada, e toda a diversidade de animais terrestres que havia no Tahuantinsuyo foram feitos de ouro e prata e plumagens. Comida feita de ouro e prata era servida nas mesas, a todos os que se encontravam na festa, pelos servos de Huascar, como lembranças do casamento, como se fosse comida de verdade, como se tivessem essa finalidade; e todos os cântaros, arcas pequenas, copos e demais vasilhas eram de ouro e prata.
Mandaram trazer um número infinito de animais vivos, assim como ursos, pumas, gatos selvagens, macacos, veados, vicunhas, lhamas, em trajes de cores diferentes, feitos de propósito para fazer parecer que haviam nascido com eles e que haviam sido domesticados para esse efeito.
"Nem como eu disse acima, nenhum senhor ou príncipe do mundo, pois nem mesmo em invenções, majestade e aparato tenha havido muitas que a tenham excedido, nenhuma de tal abundância de ouro ou infinidade de prata que, como se fossem iguarias comestíveis se ofereciam aos convidados. "(Murúa)
Algum tempo depois, uma embaixada de seu meio-irmão Atahualpa foi recebida por Huascar Inca. Como isso aconteceu em meio aos prazeres do sucesso, ele ficou muito satisfeito com ela, recebendo os mensageiros de seu irmão com honra, concedendo-lhes favores. Estes mensageiros trouxeram muitos presentes e ricas dádivas para Rahua Ocllo e para Chuqui Huipa, que os receberam muito bem, o que, sabido depois por Huascar, fez despertar em seu coração a suspeita, certamente causada por ciúme.
Porque Atahualpa foi o único que não foi a Cuzco para o funeral de seu pai, Huayna Capac, nem para o casamento de seu meio-irmão Huascar.
Gaman Poma, em Nueva Corónica y Buen Gobierno (1615) (Nova Crônica e Bom Governo), diz: "a décima segunda coia [rainha], Chuqui Llanto, coya: Dizem que era muito bonita e branquinha, que não tinha nenhuma mancha no corpo. E no semblante e muito alegre e cantora, amiga de criar passarinhos. E não tinha coisa sua,... ...tinha sua lliclla [manta] azul clara e o do meio, verde escuro, suacxo [saia] verde e o de baixo de tocapu [tecido de pano trabalhado]. Puramente boa e alegre, contentava a seu marido, ... "
"Foi Chuqui Huipa mulher de boa disposição e bonita, embora um pouco morena, que toda esta linhagem o foi sempre. Seus adornos (4) eram pomposos e soberbos quando ela saía de casa, iam em sua companhia número infinito de índios importantes e servos seus, e rodeada de muitas princesas (ñustas) bizarramente vestidas. As paredes do seu palácio eram pintadas de diferentes modos de pintura, porque era estranhamente aficionada a isso, e os adornos e quadros eram de finíssimo Cumbi de diferentes figuras, as quais naquele tempo se fazia sutilíssimas."
(Fray Martín de Murua, Historia General del Peru, Libro I)
Por tudo o que aconteceu antes do casamento e pela grandeza de sua realização, só posso crer que os dois se amavam muito. Foi, sem dúvida, o dia mais feliz de suas vidas.
Talvez, como conta uma antiga tradição inca, Huascar , com suas próprias mãos, solenemente tenha calçado uma sandália no pé direito da eleita de sua vida.
Havia um provérbio incaico que dizia "casa-te com teu igual" (Varela, 1945).
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(1) O soberano do Tahuantinsuyo, chamado Inca ou Sapa Inca, exercia um poder absoluto; governava por direito divino e era considerado descendente direto do Sol, recebendo honrarias divinas. Embora pudesse ter várias mulheres, dentre as escolhidas, o Inca casava-se com uma única mulher, a Coya, que deveria ser sua irmã, para manter a linhagem de sangue divino; só um filho da Coya tinha direito à sucessão. Os descendentes de um Inca formavam um novo ayllu, clã familiar de sangue real, e os membros de um ayllu, e todos os indivíduos da nobreza, exclusivamente pertencentes a Cusco, furavam as orelhas, nas quais colocavam grandes e pesados anéis (pakoyoq em quéchua), sendo chamados pelos conquistadores espanhóis de orejones. Na época da conquista espanhola havia 11 ayllus reais no Cusco. Nessa época havia uns 500 descendentes do Inca Manco Capac (o primeiro) por linha masculina. Segundo os historiadores, no ano de 1603, havia 567. (*)
(*) Bernabé Cobo, o.c., libro 12, cap. 26; Garcilaso, parte I, libro 5, cap. 2; Cieza de Léon, libro 2, cap. 65.
Os imperadores incas eram Intipchurin (Filhos do Sol). Considerava-se o Sol como Divino Pai da dinastia incaica.
O Império Inca teve dois momentos:
O império legendário
1. Manco Capac
2. Sinchi Roca
3. Lloque Yupanqui
4. Mayta Capac
5. Capac Yupanqui
6. Inca Roca
7. Yahuar Huacac
8. Wiracocha Inca
E o império histórico (expansão)
9. Pachacútec
10.Túpac Inca
11. Huayna Cápac
12. Huáscar
13. Atahualpa (na verdade Atahualpa não pode ser considerado Inca, pois não era filho de sangue puro).
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(2) (Chuquillanto, Mama Huarcay, Mama Guarqui, Cori Illpay) - Chuqui é Aymara: significa "ouro" Cori é Quechua: significa o mesmo metal.
(3) chaquira
1.f. amer. Colar ou pulseira feita com miçangas, contas, conchas, etc., Utilizados como decoração.
(4) arreio
sm (de arrear) 1 Adorno, atavio, enfeite, ornamento.
Bibliografia
Fray Martín de Murúa, Historia General del Peru, Libro I.
Felipe Guaman Poma de Ayala, El Primer Nueva Corónica y Buen Gobierno.