3.19.2012
TAHUANTINSUYO - BANDEIRA EM FRANGALHOS (IMPÉRIO INCA)
O maior símbolo de um povo, o que há de melhor para representá-lo, é o próprio povo, as pessoas que o formam enquanto sociedade. Assim, os Incas tiveram suas vidas destruídas, praticamente passando para a História como uma lenda, a bandeira dilacerada, as cores do arco-íris em frangalhos...
Deixo a Garcilaso a tarefa de narrar, com propriedade, a respeito do que restara da linhagem Inca, de modo que não haja dúvida.
"A majestade católica que tinha longa e abrangente relação e notícias de tudo o que aconteceu naquele Império, e em particular da morte que deram ao príncipe Tupac Amaru, e do exílio a que condenaram a seus parentes mais próximos, onde morreram todos". (Garcilaso)
"Aos índios de sangue real, que eram trinta e seis homens, os mais notórios e propínquos da linhagem dos Reis daquela terra, desterraram à Cidade dos Reis (1), mandando que não saíssem dela sem licença dos superiores. Com eles enviaram os dois meninos, filhos do pobre príncipe, e a filha, todos os três de tenra idade, o mais velho não tinha mais do que dez anos. Quando os Incas chegaram a Rimac, o Arcebispo don Gerónimo de Loayza, apiedando-se deles, levou a menina para casa para criá-la. Os demais exilados, vendo-se fora de sua cidade, suas casas e natureza, afligiram-se de tal modo que, em pouco mais de dois anos morreram trinta e cinco, entre eles os dois meninos. Além da aflição, ajudou-os a perecer rapidamente a região daquela cidade que está em terra quente e costeira que chamam de planície e tem característica muito diferente da que chamam de serra. E os nativos da serra, como dissemos na primeira parte dessa história, adoecem muito rapidamente ao entrarem nas planícies, como se entrassem em terra empesteada, e assim acabaram, em breve tempo, aqueles pobres Incas."
Garcilaso de la Vega, em 'Historia General del Peru', conta como a linhagem Inca foi extinta, de modo melancólico, como raios de sol na tempestade, em um convento em Alcalá de Henares, na Espanha.
No início do ano 1604, saiu a consulta pleiteada por Don Melchior Carlos Inca que lhe fazia concessão de sete mil e quinhentos ducados de renda perpétua, que se encontravam na 'Caixa' de Sua Majestade, na Cidade dos Reis (1), e que se lhe daria ajuda de custo para trazer sua esposa e casa para a Espanha, e um hábito de Santiago e as esperanças de um lugar na casa real, e que os índios que tinha em Cuzco, herdados de seu pai e avô, fossem colocados na Coroa Real, "e que ele não poderia ir às Índias." Portanto, não há outra maneira de contar a respeito dos Incas, que não seja rasgando a História. Com muita dor, porque a destruição é pior que a morte, já que não deixa nenhum vestígio ao qual agarrar-se. O futuro herdou a laceração de seu povo e eu escrevo isto, agora, para que meu futuro não apague, dentro e fora de mim, completamente, a memória das ruínas que herdamos. Aparentemente, foi uma tempestade tão forte, capaz de romper, para sempre, a aliança do arco-íris, apagando o Sol (*).
"Aos três que restaram, que um deles foi Don Carlos (2), meu condiscípulo, filho de Don Cristobal Paullu, que já mencionamos muitas vezes, ordenou o tribunal (por compaixão) que retornassem às suas casas, porém eles estavam tão desgastados com sua má sorte que, dentro de um ano e meio, morreram todos os três.
Mas não por isso, então, foi consumido o sangue real daquela terra, porque restou um filho do citado Don Carlos, de quem falamos no último capítulo da primeira parte desses Comentários, que veio para a Espanha para receber grandes concessões como lhe foi prometido no Peru. O qual faleceu no final do ano de mil seiscentos e dez em Alcala de Henares, de certeza depressão que teve ao ver-se recluso em um convento, por certa paixão que teve com outro do mesmo hábito de Santiago.
Faleceu rapidamente de melancolia, de que tendo sido recluso por oito meses pela mesma causa em outro convento, o prendiam, agora, novamente. Deixou um filho, um menino de três ou quatro meses, legitimado para que herdasse a concessão que Sua Majestade lhe havia feito no recrutamento de Sevilha; o qual morreu no mesmo ano, e assim se perdeu toda a renda com a morte do menino para que em tudo se cumprissem as previsões que o grande Huayna Capac lançou sobre os de seu sangue real, e sobre seu Império." (Garcilaso)
"...conheci alguns outros que escaparam daquela miséria. Conheci dois Auquis, que significa infantes; eram filhos de Huayna Capac; um chamado Paullu, que já era um homem naquela calamidade, do qual as histórias dos espanhóis fazem menção; o outro se chamava Titu; era legítimo em sangue; era um garoto, então; do batismo deles e de seus nomes cristãos falaremos em outra parte. De Paullu restou sucessão mesclada com sangue espanhol, que seu filho D. Carlos Inca, meu condiscípulo de escola e gramática, se casou com uma mulher nobre nascida lá, filha de pais espanhóis, da qual teve Don Melchior Carlos Inca, que no ano passado de seiscentos e dois (1602) veio para a Espanha, tanto para ver a Corte como para receber as concessões que lá propuseram que lhe fariam aqui pelos serviços que seu avô fez na conquista e pacificação do Peru e depois contra os tiranos, como se verá nas histórias daquele Império, mas principalmente porque lhe é devido por ser bisneto de Huayna Capac para confirmar o que eu disse acima com o mesmo nome, e não são mais do que dezoito. "
Desse modo, Don Melchior Carlos Inca, neto de Paullu Inca e bisneto de Huayna Capac, foi para a Espanha no ano de mil seiscentos e dois para receber concessões. No início do ano de mil seiscentos e quatro, quando obteve a aprovação de sua petição, pela qual lhe faziam concessão de sete mil e quinhentos ducados de renda perpétua, dinheiro esse que estava na caixa do Rei, em Lima, obteve também ajuda de custo para trazer sua esposa e casa para a Espanha, um hábito de Santiago e a expectativa de um lugar na casa real; os índios que possuía, em Cuzco, herdados de seu pai e avô, passariam para a Coroa Real, e ele não poderia voltar "para as Índias", ou seja, para a América.
Em Sarmiento de Gamboa encontramos ...
"Porque apenas dois filhos de Huayna Capac escaparam da crueldade de Atagualpa (Atahualpa), que eram Paullo Topa, depois chamado Don Cristobal Paullo, e Mango Inga (Manco Inca), eram bastardos, que é o que entre eles é público. E estes, se alguma honra e bens tenham tido eles ou seus descendentes, Vossa Majestade lhes deu o bastante, mas o que eles tiveram, seus irmãos permaneceram no estado e com força; porque haviam de ser seus tributários e camareiros. E estes foram os menores de todos porque eram de linhagem por parte de mãe, que é o que eles estimam, e em nascimento. E ao Mango Inga, por ser um traidor de Vossa Majestade e estar alçado nos Andes, onde morreu ou foi morto, tirou Vossa Majestade, em paz, a seu filho Don Diego Sayre Topa daquelas montanhas de selvagens e o fez cristão e deu asseio e, principalmente ("principalisimamente" foi o termo usado), de comer para ele e seus filhos e descendentes. O qual morreu como cristão, e o que agora está nos Andes, chamado Tito Cusi Yupanqui, alçado, não é filho legítimo de Mango Inga, mas bastardo e apóstata. Antes têm por legítimo a outro, que está com o mesmo, chamado Amaro Topa, que é incapaz, que os índios chamam uti. Mas, nem um nem outro são herdeiros da terra, porque o pai não o foi. A don Cristobal Paullo honrou Vossa Majestade com título e lhe deu um muito bom repartimento de índios, com o que viveu muito principalmente. E agora o possui seu filho Don Carlos. De Paullo restaram dois filhos legítimos, que estão agora vivos, chamados um o tal don Carlos e don Felipe, e fora estes deixou muitos filhos bastardos e naturais, de maneira que os netos conhecidos de Guayna Capac (Huayna Capac), que estão vivos e tidos por tais e principais, são os citados, e além desses são don Alonso Tito Atauche, filho de Tito Atauche, e outro bastardo, que nem uns nem outros têm caução para serem chamados de senhores naturais desta terra. Pelas citadas razões, o direito será dizer daqueles cujo ofício pode determinar uma clareza tão evidente como é o mais justo e legítimo título que Vossa Majestade e seus sucessores têm nessas partes das Índias, conhecido o fato real que é o que aqui está escrito e provado, e especialmente para estes reinos do Peru, sem ponta de cargo no tocante ao tal título que a coroa de Castela tem para elas. Do qual tem sido luz e curioso inquisidor Don Francisco de Toledo, vosso vice-rei nestes reinos... "
"Assim, com a morte de Guascar (Huascar) se acabaram totalmente todos deste reino do Peru e toda sua linhagem e descendência, pela linha que eles tinham por legítima, sem restar homem ou mulher que pudesse ter direito a esta terra, embora tenham sido naturais e legítimos senhores dela, nem mesmo de acordo com seus costumes e leis tirânicas. "(Sarmiento de Gamboa)
Eu não sei até que ponto algumas das fontes são confiáveis, até que ponto esses autores escreveram de "ouvir falar", porque a destruição estava por toda parte e a verdade, bem, a verdade é sempre difícil de estabelecer, até mesmo no momento em que os fatos acontecem, enfim... Quanto a Paullu Inca, Sarmiento de Gamboa diz:
"E entre esses filhos de Guayna Capac estava preso um filho de Guayna Capac chamado Paulo Topa (3), o qual, como queriam matar, alegou que não havia nenhuma razão para que o matassem, porque antes ele fora preso por Guascar, por ser amigo e parcial de Atagualpa, seu irmão, e que da prisão de Guascar o havia tirado Chalco Chima. O qual disse a Cuxi Yupangui que dizia a verdade, ele o tinha tirado da prisão de Guascar, e por isso o soltaram e salvou a vida. Mas a razão de ter sido preso por Guascar foi porque ele havia se encontrado com uma esposa sua, e não consentiu alimentá-lo, apenas com pouca coisa, havendo determinado que morresse na prisão, dando a ele comida limitada."
De acordo com o cronista, isso ocorreu na época em que, a pedido de Atahualpa, "Cuxi Yupanqui mandou fincar, muitas estacas de uma parte e outra parte do caminho, que não levavam mais de um quarto de légua no rumo de Xaquixaguana. E então eles tiraram da prisão todas as mulheres de Guascar,... E as mandou enforcar naquelas estacas... e, em seguida, tiraram os filhos de Guayna Capac, que se achavam ali, e também os penduraram nas mesmas estacas. "
De qualquer modo, naquele momento, Paullu soube muito bem livrar-se do risco de morte que corría. Pela primeira vez, mas não última, foi colocado entre duas forças opostas que queriam destruí-lo. E ele soube como escapar em segurança...
"Dos poucos Incas de sangue real que sobraram das crueldades e tiranias de Atahualpa e de outras que depois houveram aqui, há sucessão, mais do que eu pensava, porque no final do ano 603 (1603) escreveram todos eles a Don Melchior Carlos Inca e a Don Alonso de Mesa, filho de Alonso de Mesa, que estava nas proximidades de Cuzco, e a mim também, nos pedindo que, em nome de todos eles, suplicássemos à Sua Majestade os mandasse isentar de todos os tributos que pagam e outras humilhações que como os demais indios comuns padecem.
Enviaram "poder in solidum" (procuração) para todos os três, e prova de sua descendência, quem e quantos (nomeados pelos seus nomes) descendiam de tal Rei, e quantos de tal, até o último dos Reis; e para maior verificação e demonstração enviaram, pintada em uma vara e meia (1 vara = 1,10m) de tafetá branco da China, a árvore real, descendente desde Manco Capac até Huayna Capac e seu filho Paullu. Vinham os Incas pintados em seu traje antigo. Nas cabeças traziam a borla vermelha e nas orelhas suas "orelheiras"; e nas mãos, "sendas partesanas" em vez de cetro real; vinham pintados do peito para cima, e nada mais. A coleção (dossiê) inteira foi dirigida a mim, e eu mandei para Don Melchior Carlos Inca e Don Alonso de Mesa, que residem na corte, em Valladolid, que eu por essas ocupações, não pude solicitar essa causa, que ficaria feliz em empregar a vida nela, pois não poderia ser melhor empregada." (Garcilaso)
"A carta que me escreveram os Incas é com a letra de um deles e muito bonita; as frases ou linguagem que falam, muito dela está de acordo com sua língua e muito também com o castelhano, que já estão todos espanholados; com data de dezesseis de abril de mil seiscentos e três. Não coloquei aqui para não causar pena as misérias que contam de suas vidas. Escrevem com grande confiança (e, assim, acreditamos todos) que, conhecendo-as, Sua Majestade Católica, as mandará remediar e lhes concederá muitos outros favores, porque são descendentes de Reis. Depois de ter pintado as figuras dos Reis Incas, colocam ao lado de cada um deles sua descendência com o título: "Capac Ayllu", que é geração augusta ou real, que é o mesmo. Este título é a todos em comum, sugerindo que todos descendem do primeiro Inca Manco Capac. Em seguida, colocam outro título em particular à descendência de cada Rei, com nomes diferentes, para que se entendam, através deles, os que são deste ou daquele Rei. (Garcilaso)
Paullu Inca sempre foi acusado de muitas coisas, colaborador, traidor, mas, o pior de tudo, inaceitável para um Inca, foi a falsa acusação que lhe atribuíram de oferecer as múmias de seus antepassados para os espanhóis em troca de favores pessoais.
A esse respeito, é suficiente dizer que esses "Mallqui" (múmias) foram levados para Lima só muitos anos depois de sua morte, apreendidos por Polo Ondegardo.
Como parece confirmar o documento de meados de1638, no qual Antonio de la Calancha (Chuquisaca,1548; Lima, 1654) eclesiástico e cronista do Alto Peru, escreve o seguinte: "Estes são os corpos que enviou o Licenciado Polo a Lima, na época do primeiro Marquês de Canhete, e estão em um curral do Hospital de San Andrés ".
A este respeito, Garcilaso conta que em 1559 o Licenciado Polo de Ondegardo confiscou na cidade de Cuzco as que se acredita poderíam ser as múmias dos Incas Wiracocha, Huayna Capac e Pachacutec. Sobre a múmia de Pachacutec o próprio Polo de Ondegardo escreveu o seguinte:
"Quando descobri o corpo de Pachacuti Inga que foi um dos que enviei ao Marques da Cidade dos Reis (Lima) que estava embalsamado e também curado como todos viram, e encontrei com ele o ídolo principal da província de Andavailas porque ele a conquistou e colocou sob o domínio dos Ingas, quando venceu a Barcuvilca, senhor dela e o matou. "O cronista Acosta acrescenta: "estava o corpo inteiro e bem temperado com um certo betume que parecia vivo. Tinha olhos feitos de uma telazinha de ouro, tão bem colocados que não fazia falta os naturais, e tinha na cabeça uma pedrada que lhe deram em alguma guerra. "
Quando em junho de 1537 Manco Inca retirou-se para a região de Vilcabamba, levou a múmia de Huayna Capac com as dos demais Incas a Vitcos. Quando caiu nas mãos do Marechal Orgoñez, a múmia de Huayna Capac foi devolvida à cidade de Cusco e, em seguida, foi entregue a Paullu Inca, que a guardou em lugar secreto. Em 1559 o Licenciado Polo de Ondegardo a encontrou escondida em uma casa em Cusco e, depois de um passeio fúnebre pela cidade, a enviou a Lima com as demais múmias dos Incas.
De acordo com a referência do cronista Lopez de Gómara, Huayna Capac deixou mais de duzentos filhos - de sua segunda irmã Rava Ocllo teve seu herdeiro Inti Cusi Hualpa, conhecido como Huascar. De sua prima Mama Runtu, que se tornou sua terceira esposa, teve Manco Capac. De uma mera concubina de Cuzco teve Paullu Inca.
No último capítulo da "Historia del Peru", Garcilaso de la Vega nos diz o que aconteceu nesses finais incaicos...
"...O termo e o fim da sucessão dos mesmos Reis Incas, que até o infeliz Huascar Inca foram treze, os que desde o princípio possuíram aquele Império até a ida dos espanhóis. E outros cinco que depois sucederam, que foram Manco Inca e seus dois filhos, Don Diego e Don Felipe e seus dois netos, os quais não possuíram nada daquele Reino a não ser o direito a ele. Desse modo ao todo foram dezoito os sucessores por linha direta masculina do primeiro Inca Manco Capac, até o último dos filhos, que não soube como se chamaram. Ao Inca Atahualpa não o contam os índios entre seus Reis, porque dizem que foi, Auca (inimigo)."
"Dos filhos cruzados desses Reis, embora no último capítulo da primeira parte desses Comentários, tenhamos dado conta de quantos descendentes havia de cada Rei, dos anteriores, que eles próprios me enviaram (como ali eu disse) a memória e cópia de todos eles, outorgando poder a Don Melchior Carlos e a Don Alonso de Mesa e a mim, para que qualquer um de nós os apresentasse perante a majestade católica e ao supremo Conselho Real das Índias, para que lhes fizesse concessões (até porque eles eram descendentes de Reis) de livrá-los das humilhações que padeciam. E enviei à Corte os documentos e a memória (que vieram a mim dirigidos) aos citados Don Melchior Carlos e Don Alonso de Mesa. Porém, Don Melchior, tendo suas reivindicações, pela mesma via, razão e direito que aqueles Incas, não quis apresentar os papéis para não confessar que havia tantos de sangue real. Por parecer a ele que se o fizesse, lhe tirariam grande parte das concessões que pretendia e esperava receber. E, assim, não quis falar em favor de seus parentes, e ele acabou, como foi dito, sem proveito seu ou alheio. Parecendo dar conta desse fato para a minha defesa; para que os parentes onde quer que estejam saibam o que acontece, e não me seja atribuído a descuido ou malícia que não tivesse feito o que eles me mandaram e pediram. Eu gostaria de ter empenhado a vida a serviço daqueles que também merecem, mas não me foi possível, por estar ocupado em escrever esta Historia, que espero não haver servido menos nela aos espanhóis que ganharam aquele Império, que aos Incas que o possuíram."(Garcilaso)
Aqui, também, preciso dizer algumas palavras em defesa de Melchior, que estava recluso em um convento na Espanha, longe de seu lugar de origem, sozinho e deprimido. Garcilaso, acredito que, a fim de pedir desculpas pelo que ele mesmo não podia fazer, tentou colocar a culpa em Melchior, repreendendo-o com força excessiva.
Enfim, para terminar este artigo, uma nota final de degradação e dor...
"Resta contar o fim que teve o Capitão Martin Garcia Loyola,... o qual, como remuneração por haver preso o Inca e por muitos outros serviços prestados à coroa de Espanha, casaram com a infanta, sobrinha desse mesmo príncipe, filha de seu irmão Sayri Tupac, para que desfrutasse do repartimento de índios que esta princesa herdou de seu pai, o Inca. E para sua maior honra e satisfação e serviço da majestade católica, ele foi eleito Governador e Capitão Geral do Reino do Chile,... "(Garcilaso)
A tal princesa ou ñusta, chamada dona Beatriz Clara Coya, era filha de Diego Sayri Tupac e de dona Maria Cusi Huarcay, neta de Manco Inca e sobrinha de
Tupac Amaru I. O tal casamento era um prêmio para o capitão Martin Garcia de Loyola por capturar Tupac Amaru I em seu refúgio de Vilcabamba, como foi narrado, por Garcilaso de la Vega, com propriedade.
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(*) Não podemos esquecer que o Sol, para os Incas, é Deus.
(1) Lima, Peru.
(2) Carlos, filho de don Cristóbal Paullu Inca.
(3) Paullu Inca.
BIBLIOGRAFIA
Garcilaso de la Vega, Comentarios Reales.
Garcilaso de la Vega, Historia General del Peru.
Pedro Sarmiento de Gamboa, Historia de los Incas.
2.25.2012
HUASCAR E CHUQUI HUIPA - BODAS DE SONHO EM CUZCO (IMPÉRIO INCA)
(Chuqui Huipa / Chuqui Llanto - desenho de Guaman Poma)
Voltar no tempo para testemunhar, ao menos em nossos sonhos e na narrativa dos cronistas, o casamento de Huascar, o último Inca, e sua irmã Chuqui Huipa.
Huascar voltara a Cuzco, logo depois de assistir, pessoalmente, à parte final das exéquias, em Yucay, pela morte de seu pai e soberano do Tahuantinsuyo, Huayna Capac. O luto fora vivenciado na capital e em todo o império com grande sentimento, lágrimas e infinitos sinais de tristeza.
Era hora de pensar na sucessão.
Com a permissão e os presságios favoráveis do Sacerdote do Sol e o consentimento dos demais nobres (1), Huascar decidiu casar-se com Chuqui Huipa (2), sua irmã por parte de pai e mãe, de acordo com a leis incaicas. Segundo o cronista Frei Martin de Murúa, chamaram Rahua Ocllo, esposa de Huayna Capac, mãe de Huascar e Chuqui Huipa, e todos juntos disseram a ela como haviam determinado que seu senhor Huascar tomasse por esposa a Chuqui Huipa, sua irmã.
Ao ouvir essas razões e vendo a vontade de seu filho, conselheiros e nobres, Rahua Ocllo, não se sabe por qual motivo, recusou, negando o que ele lhe pedia, dizendo que não queria dar-lhe sua irmã por mulher.
"Huascar Inca teve grande raiva e com cólera e desprezo, levantando-se de onde estava sentado, disse à sua mãe palavras muito feias e desmedidas, tratando-a com desdém e desprezo, as quais, ouvidas por ela, insultada, levantou-se e foi para sua casa, deixando seu filho e conselheiros com grande fúria. "(Murúa)
Ao ver a atitude de Rahua Ocllo, os conselheiros de Huascar determinaram que, embora sua mãe não quisesse, ele deveria pedir sua irmã Chuqui Huipa, por esposa, a seu pai, o Sol, com sacrifícios e oferendas e outras coisas que a ele fizesse e oferecesse e que desse muitas e ricas dádivas ao corpo de Tupac Inca Yupanqui, seu avô e pai de Rahua Ocllo, sua mãe. Com esta determinação, Huascar, seguindo a ordem e o conselho dos seus, primeiro dirigiu-se ao local onde se encontrava a múmia de Tupac Inca Yupanqui com grandes presentes. Adcayquy Atarimachi, Achache e Manco, parentes encarregados de cuidar e falar em nome de Tupac Inca Yupanqui, aceitaram em seu nome, e a concederam por esposa.
De lá, Huascar foi ao templo do Sol com grandes sacrifícios e ofertas e pediu ao Sol, seu pai, Chuqui Huipa, sua irmã, como esposa legítima, e todos os sacerdotes do templo, juntos, em Seu nome, a deram por esposa, recebendo os presentes. Ele, querendo que o casamento fosse com o consentimento de sua mãe Rahua Ocllo, para acalmá-la e agradá-la, deu-lhe ricos presentes de ouro, prata, roupas, servos. Solenemente, mais uma vez, todos os sacerdotes e irmãos de Huascar e os conselheiros foram até ela e juraram Chuqui Huipa por sua esposa legítima.
Houve festas, com danças e bailes, em Cuzco, pelo juramento que fora reiterado, e ordenou-se que, durante todo o mês, fossem acesas luminárias em todas as torres e casas da cidade e que tocassem todo tipo de música das nações que ali estavam e, como ordenado, cumpriu-se.
Depois que o Sol (Inti), a múmia de Tupac Inca Yupanqui e Rahua Ocllo concederam Chuqui Huipa como esposa a Huascar, acordou-se que se efetuasse o casamento. Para maior majestade e grandeza, e maior ostentação, concordou-se que o Sol (a representação que ficava no templo) e a múmia de Tupac Inca Yupanqui fossem ao casamento e que ali estivessem representando a pessoa de Huayna Capac, pai da noiva, pois eles a haviam dado por esposa, em seu nome, e que Huascar saísse, com a imagem do trovão para encontrá-los.
Para maior celebração, ordenaram que a casa de Tupac Inca Yupanqui e a de Huayna Capac fossem cobertas de adornos de ouro e prata, e, assim, quatro torres foram cobertas e as paredes foram todas revestidas de fina guarnição. Aqueles que ocupavam o lugar de Tupac Inca Yupanqui e Huayna Capac e os sacerdotes do Sol, mandaram que a casa de Huascar e a da noiva fossem revestidas de adornos de ouro e rica guarnição, e todas as casas dos Incas mortos tivessem seus telhados cobertos de penas e as paredes de ricos enfeites e as torres da praça fossem adornadas da mesma maneira e nela, dia e noite, enquanto durassem as festas, deveria haver muita música, canções e danças.
Cuzco brilhava ao sol com o seu ouro e prata e, à noite, suas torres ostentavam as luminárias; muralhas de pedra em miríades de estrelas como se o céu noturno baixasse à terra, as chamas das lâmpadas crepitando a felicidade do Inca e sua noiva.
No dia do casamento, Huascar saiu de sua casa acompanhado da imagem do Sol, a múmia de Tupac Inca Yupanqui, seu avô, e a de Huayna Capac, seu pai, todos os sacerdotes, irmãos, parentes, conselheiros, "orelhões" e os chefes de seu exército, e uma multidão de pessoas. Chegaram à casa de Rahua Ocllo, que estava ricamente revestida e, ali, receberam e entregaram Chuqui Huipa a Huascar, com toda a solenidade possível e todas as cerimônias que, entre eles, costumavam realizar em tais casamentos.
"Estiveram ali desde a manhã até a hora de vésperas e depois a pegaram para levar à casa de seu marido, Huascar, com muita música e cânticos. Por onde ela fosse, com seu marido, todo o caminho estava repleto de ouro e prata em pó, infinita "chaquira" (3) e plumagens, algo nunca antes visto em festas e casamentos de qualquer monarca do mundo desde o primeiro homem, até agora, pelo menos, pois não está escrito em qualquer autor, nem o que diremos mais tarde. Foram desde Casana até Marucancha, que eram as casas e residências de Huascar Ynga, e tudo o que daquele dia ficou até a noite se consumiu em bailes, cânticos, danças e regozijo. No dia seguinte, por mais autoridade e grandeza, vieram todas as nações que estavam no Cuzco para fazer festas a sua senhora e duraram mais de um mês. "(Murúa)
Huascar Inca queria celebrar seu casamento de modo que fosse lembrado para sempre. Então, mandou fazer, de ouro e prata, todos os tipos de milho existentes e todas as variedades de ervas que eles comiam. Também fizeram todos tipos de pássaros, pombos, garças, papagaios, falcões, tordos, águias, gaviões, condores, e muitos tipos de peixes do mar e de água doce. Lenha, inteira e rachada, e toda a diversidade de animais terrestres que havia no Tahuantinsuyo foram feitos de ouro e prata e plumagens. Comida feita de ouro e prata era servida nas mesas, a todos os que se encontravam na festa, pelos servos de Huascar, como lembranças do casamento, como se fosse comida de verdade, como se tivessem essa finalidade; e todos os cântaros, arcas pequenas, copos e demais vasilhas eram de ouro e prata.
Mandaram trazer um número infinito de animais vivos, assim como ursos, pumas, gatos selvagens, macacos, veados, vicunhas, lhamas, em trajes de cores diferentes, feitos de propósito para fazer parecer que haviam nascido com eles e que haviam sido domesticados para esse efeito.
"Nem como eu disse acima, nenhum senhor ou príncipe do mundo, pois nem mesmo em invenções, majestade e aparato tenha havido muitas que a tenham excedido, nenhuma de tal abundância de ouro ou infinidade de prata que, como se fossem iguarias comestíveis se ofereciam aos convidados. "(Murúa)
Algum tempo depois, uma embaixada de seu meio-irmão Atahualpa foi recebida por Huascar Inca. Como isso aconteceu em meio aos prazeres do sucesso, ele ficou muito satisfeito com ela, recebendo os mensageiros de seu irmão com honra, concedendo-lhes favores. Estes mensageiros trouxeram muitos presentes e ricas dádivas para Rahua Ocllo e para Chuqui Huipa, que os receberam muito bem, o que, sabido depois por Huascar, fez despertar em seu coração a suspeita, certamente causada por ciúme.
Porque Atahualpa foi o único que não foi a Cuzco para o funeral de seu pai, Huayna Capac, nem para o casamento de seu meio-irmão Huascar.
Gaman Poma, em Nueva Corónica y Buen Gobierno (1615) (Nova Crônica e Bom Governo), diz: "a décima segunda coia [rainha], Chuqui Llanto, coya: Dizem que era muito bonita e branquinha, que não tinha nenhuma mancha no corpo. E no semblante e muito alegre e cantora, amiga de criar passarinhos. E não tinha coisa sua,... ...tinha sua lliclla [manta] azul clara e o do meio, verde escuro, suacxo [saia] verde e o de baixo de tocapu [tecido de pano trabalhado]. Puramente boa e alegre, contentava a seu marido, ... "
"Foi Chuqui Huipa mulher de boa disposição e bonita, embora um pouco morena, que toda esta linhagem o foi sempre. Seus adornos (4) eram pomposos e soberbos quando ela saía de casa, iam em sua companhia número infinito de índios importantes e servos seus, e rodeada de muitas princesas (ñustas) bizarramente vestidas. As paredes do seu palácio eram pintadas de diferentes modos de pintura, porque era estranhamente aficionada a isso, e os adornos e quadros eram de finíssimo Cumbi de diferentes figuras, as quais naquele tempo se fazia sutilíssimas."
(Fray Martín de Murua, Historia General del Peru, Libro I)
Por tudo o que aconteceu antes do casamento e pela grandeza de sua realização, só posso crer que os dois se amavam muito. Foi, sem dúvida, o dia mais feliz de suas vidas.
Talvez, como conta uma antiga tradição Inca, Huascar , com suas próprias mãos, solenemente tenha calçado uma sandália no pé direito da eleita de sua vida.
Havia um provérbio incaico que dizia "casa-te com teu igual" (Varela, 1945).
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(1) O soberano do Tahuantinsuyo, chamado Inca ou Sapa Inca, exercia um poder absoluto; governava por direito divino e era considerado descendente direto do Sol, recebendo honrarias divinas. Embora pudesse ter várias mulheres, dentre as escolhidas, o Inca casava-se com uma única mulher, a Coya, que deveria ser sua irmã, para manter a linhagem de sangue divino; só um filho da Coya tinha direito à sucessão. Os descendentes de um Inca formavam um novo ayllu, clã familiar de sangue real, e os membros de um ayllu, e todos os indivíduos da nobreza, exclusivamente pertencentes a Cusco, furavam as orelhas, nas quais colocavam grandes e pesados anéis (pakoyoq em quéchua), sendo chamados pelos conquistadores espanhóis de orejones. Na época da conquista espanhola havia 11 ayllus reais no Cusco. Nessa época havia uns 500 descendentes do Inca Manco Capac (o primeiro) por linha masculina. Segundo os historiadores, no ano de 1603, havia 567. (*)
(*) Bernabé Cobo, o.c., libro 12, cap. 26; Garcilaso, parte I, libro 5, cap. 2; Cieza de Léon, libro 2, cap. 65.
Os imperadores incas eram Intipchurin (Filhos do Sol). Considerava-se o Sol como Divino Pai da dinastia incaica.
O Império Inca teve dois momentos:
O império legendário
1. Manco Capac
2. Sinchi Roca
3. Lloque Yupanqui
4. Mayta Capac
5. Capac Yupanqui
6. Inca Roca
7. Yahuar Huacac
8. Wiracocha Inca
E o império histórico (expansão)
9. Pachacútec
10.Túpac Inca
11. Huayna Cápac
12. Huáscar
13. Atahualpa (na verdade Atahualpa não pode ser considerado Inca, pois não era filho de sangue puro).
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(2) (Chuquillanto, Mama Huarcay, Mama Guarqui, Cori Illpay) - Chuqui é Aymara: significa "ouro" Cori é Quechua: significa o mesmo metal.
(3) chaquira
1.f. amer. Colar ou pulseira feita com miçangas, contas, conchas, etc., Utilizados como decoração.
(4) arreio
sm (de arrear) 1 Adorno, atavio, enfeite, ornamento.
Bibliografia
Fray Martín de Murúa, Historia General del Peru, Libro I.
Felipe Guaman Poma de Ayala, El Primer Nueva Corónica y Buen Gobierno.
2.23.2012
MANCO INCA - JOGO DE MORTE EM VILCABAMBA (IMPÉRIO INCA)
(vista interior do Palácio de Sayre Topa)
"Este fim teve Manco Inga Yupanqui, filho de Huaina Capac, senhor universal deste reino,
tendo, desde que deixou Cuzco, pelas humilhações e tirania de Hernando Pizarro e seus homens, passado inúmeros trabalhos e desventuras de um lado e de outro, seguido e perseguido pelos espanhóis, dos quais, vencido e vencendo, escapou milhões de vezes, tudo para preservar a sua liberdade, e o que, tantas vezes, o marquês Pizarro e seus irmãos, e outros capitães, não puderam fazer, com tantos soldados e índios amigos, acabou e concluiu Diego Mendez, mestiço a quem, e a seus comparsas, Manco Inga havia recolhido e protegido e feito o bem em sua casa, para que se veja até onde chega uma traição. "(Murúa)
Recorri a Frei Martin de Murúa para entrar em uma época da História em que grandes embates dilaceravam os Andes; um eterno pôr de sol vermelho-sangue a refletir na terra molhada de rasgos ensanguentados, como rastros.
Naquele momento, muitas lutas aconteciam como resultado da morte de Don Diego de Almagro. Determinados a vingar sua morte, o Capitão Joan de Herrada e outros amigos, conspiraram, na Ciudad de los Reyes (1), levando consigo o filho de Almagro, que tinha o mesmo nome do pai.
Conjuraram-se e foram para a casa onde vivia o Marquês Don Francisco Pizarro, matando-o e ao Capitão Francisco de Chaves, levando o corpo do Marquês e arrastando-o pela praça. Muitas pessoas juntaram-se a eles, naquele momento, todas aquelas que antes haviam seguido Don Diego de Almagro, tomando seu filho como líder.
Quando Vaca de Castro chegou, enviado pelo Rei de Espanha, reuniu aos que eram leais ao serviço de seu rei, enfrentando Don Diego de Almagro, o moço, em Chupas, a duas léguas de Guamanga. Alí, então, lutaram e foi desbaratado Don Diego de Almagro, que fugiu para Cuzco, onde foi preso, e teve a cabeça cortada por ordem de Vaca de Castro.
Da batalha de Chupas, quando foi desbaratado Don Diego de Almagro, o moço, fugiram Diego Mendez, o mestiço, Barba Briceño e Escalante e outros soldados, no total treze companheiros. Fugiram pelas montanhas até Vilcabamba, onde estava Manco Inca, que os recebeu muito bem. Disseram-lhe que muitos espanhóis viriam servi-lo e que, com eles, tornaria a recuperar sua terra e venceria, arrancando os espanhóis que estavam nela. Disseram isso a Manco Inca, temendo que os mandasse matar e para lisonjeá-lo e obter sua gratidão. Quanto a Manco, ele lhes dispensou um ótimo tratamento em tudo, sem a intenção de prejudicá-los, o que os fez perder o medo.
"Passados alguns dias, Manco Ynga soube, através dos espiões que tinha, em Cuzco e em outros lugares, como um curaca chamado Sitiel, caçoando de Manco Ynga, na presença de muitos cristãos, disse a Caruarayco, chefe de Cotomarca: vamos prender Manco Ynga em Vilcabamba e Caruarayco será Ynga e Senhor, e todos nós o obedeceremos e Manco Ynga o servirá e conduzirá a tiana, que é o assento onde os chefes e principais se assentam. "(Murúa)
Ao saber disso, Manco sentiu-se muito magoado e imaginou como vingar-se daquela insolência que Sitiel fizera, tomando como grande afronta o atrevimento de seu súdito ao dizer tal coisa. Disse a Diego Mendez, e aos demais, que fossem prender àquelas pessoas e eles disseram que sim, oferecendo-se com grande disposição para fazê-lo. De acordo com Murúa, Manco Inca mudou de ideia porque pensou que eles estavam muito cansados de tudo o que lhes acontecera e decidiu enviar seus próprios homens, os mais corajosos, todos os capitães que estavam com ele e todos os seus próprios capitães, ficando com, apenas, quinhentos para sua guarda pessoal. Ordenou-lhes que fossem com toda a pressa, agindo na surpresa, e tentassem trazer vivos Sitiel e Caruarayco. Desse modo, partiram os incas para cumprir sua ordem, prontamente.
"Ninguém há de negar quão feio e abominável vício seja o da ingratidão, porque fazer o bem a quem me fez mal é obra de cristão... "(Murúa)
Diego Mendez Barba e seus companheiros só escaparam com vida porque foram acolhidos e amparados por Manco Inca que, em vez de tratá-los como inimigos, dos quais tantos prejuízos havia recebido, acolheu-os e deu a eles de comer e beber, e os manteve em sua companhia, fazendo-lhes todo o bem possível.
Manco Inca, após ter enviado seus capitães e sua gente, manteve os espanhóis junto de si. Com um excelente tratamento e cortesia, em sua presença, mandava que se colocasse a mesa e lhes dessem de comer e beber, abundantemente, obsequiando-os, como se estivessem em casa.
"Já os espanhóis parece que estavam enfadados de tantos presentes e fartos de estarem ali, e quiseram voltar a Cuzco, aqui fora, e não sabiam como fazê-lo com segurança, para que a eles não prendesse Vaca de Castro, e combinaram, entre si, uma enorme traição. "(Murúa)
Conspiraram para matar Manco Inca e, matando-o, pudessem fugir incólumes, pensando que, por aquele serviço tão notório, Vaca de Castro iria perdoá-los e fazer-lhes concessões porque, dessa forma, a terra seria pacificada. Diego Mendez decidiu matá-lo quando a ocasião se apresentasse, antes que as pessoas que tinham ido prender Sitiel e Caruarayco voltassem, porque depois disso seria mais difícil, pois eram muitos os que estavam com Manco. Assim, buscaram a oportunidade para executar sua intenção infeliz.
A Murúa (2) a tarefa de dizer como tudo aconteceu...
"Certo dia jogavam boliche (3) Manco Ynga y Diego Méndez e, no jogo, Diego Méndez ganhou certa prata de Manco Ynga, que logo foi paga e, tendo jogado por algum tempo, disse que não queria jogar mais, que estava cansado, e mandou que trouxessem um lanche, e quando o trouxeram, Manco Inga disse a Diego Méndez e aos outros: vamos comer, e eles responderam que sim, e se sentaram com muita alegria, e comeram o que haviam trazido, ali, com o Ynga, o qual andava receoso dos espanhóis, porque os via andar cautelosos e portar armas, secretamente. Assim, teve um mal pressentimento de que lhe quisessem fazer alguma traição, pois estava com pouca companhia e, quando acabaram de comer, disse-lhes que fossem repousar, que ele queria se divertir com seus índios um pouco, e eles lhe disseram que logo iriam, e começaram os espanhóis a zombar uns dos outros, com palavras, brincando, para fazer Manco Ynga rir, porque ele gostava quando eles se divertiam. Com isso, foram se entretendo, por algum tempo, até que Manco Ynga, tendo bebido, levantou-se para dar bebida a seu guarda, porque é uso entre eles fazer essa honra a quem gostam muito e deu-lhe de beber. Estando parado, pois tinha lhe dado um copo para que bebesse, voltou-se para tomar outro copo, que segurava uma índia sua, atrás dele, para que Manco Ynga bebesse. Nisso, Diego Méndez, que estava alerta para aproveitar o momento que se lhe oferecesse, como o viu virar as costas para eles, arremeteu-se contra ele com grande fúria e, com uma adaga, deu-lhe uma punhalada por trás, e Manco Ynga caiu no chão, e logo Diego Méndez deu-lhe outras duas, e os índios que ali estavam, todos desarmados, perturbados pelo inesperado, lançaram-se para ajudar Manco Ynga e defendê-lo, para que não o ferissem mais, e os outros espanhóis pegaram suas espadas e se lançaram, também, para livrar Diego Méndez e, apressadamente, correram aos seus alojamentos e selaram seus cavalos, e pegaram seus utensílios, que ali mantinham, carregando tudo o que possuíam, como a pressa o permitiu, tomando o caminho de Cuzco, sem parar em parte alguma, e toda aquela noite caminharam, sem dormir, e como era montanha, não acertaram bem o caminho e andaram desorientados de uma parte a outra, perdidos, e assim se detiveram."
Em seguida, enviaram mensagem aos capitães e a gente de Manco Inca, que tinham ido prender Caruarayco e Sitiel, dizendo-lhes que Diego Méndez e os outros espanhóis haviam apunhalado o Inca, fugindo para Cuzco; que deixassem tudo e voltassem para capturar os espanhóis antes que escapassem. Os que foram dizer isso toparam com eles no caminho, que já vinham voltando, trazendo prisioneiros, Caruarayco e Sitiel. Os capitães e os outros, de cento em cento, os mais valentes e ligeiros se adiantaram, velozmente, e chegaram até onde estava Manco Inca, mortalmente ferido, que ainda não estava morto, e como viram, assim, a seu senhor, com desejo de vingá-lo, deram a volta por onde sabiam que os espanhóis haviam seguido, e no outro dia os alcançaram. Eles haviam entrado em um grande galpão que existia no caminho e estavam descansando, pensando que estavam seguros e a salvo.
Os espanhóis estavam abrigados, mantendo consigo seus cavalos, lá dentro, e os homens de Manco, por não querer atacá-los logo, para que, com o dia, não escapasse nenhum, esconderam-se no monte até que fosse noite fechada. Juntando bastante lenha foram até o galpão e o cercaram e puseram a lenha nas portas para que não pudessem sair e, com palha, atearam fogo. Os espanhóis se levantaram com o barulho e alguns quiseram sair, irrompendo em meio ao fogo, mas foram alvejados e, ali, com seus cavalos, foram queimados.
Então, os homens de Manco voltaram para Vitcos.
Murúa conta que, quando soube que todos os espanhóis já estavam mortos, o Inca ficou muito satisfeito, e disse-lhes para não chorar por ele, para que as pessoas da terra não se inquietassem e fizessem um levante, e nomeou por herdeiro a um filho seu, o mais velho, ainda que pequeno, chamado Sayre Topa. E que, enquanto não tivesse idade para reger, os governasse Ato Supa, um capitão "orejón" do Cuzco que estava alí e que era homem de valor, de muita prudência e ânimo para a guerra. Disse-lhes que o obedecessem e que não desamparassem Vilcabamba, porque aquela terra a havia encontrado e fundado com tanto trabalho e suor, que para conquistá-la tantos haviam morrido, defendendo-a com valor.
Assim morreu Manco Inca Yupanqui, filho de Huayna Capac, e embalsamaram seu corpo segundo seu costume, sem chorar nem dar mostras de tristeza, pelo que ele havia mandado, levando-o a Vilcabamba.
Nas palavras de Titu Cusi Yupanqui, filho de Manco Inca, que também quase foi morto naquele fatídico dia de traição e morte...
"Depois de haver deixado de fazer guerra, estando quieto com a miséria que acontecia em Viticos, chegaram a deixar entrar sete homens que se encontraram com Gonzalo Pizarro contra o serviço do Rei, e tratava-os muito bem, obsequiando-os muito, e por ganância dessa miséria que no presente eu tenho, se amotinaram e fizeram conspiração, e o mataram traiçoeiramente, e, em mim, deram-me um golpe de lança, e se eu não me deixasse cair alguns penhascos abaixo, também teriam me matado, e depois tivemos paz por alguns dias, onde os índios de Tambo, Amaybamba e Guarocondo levaram de Viticos muitos índios, e por causa disso nós guerreamos com eles." (carta-memoria del Inca Titu Cusi Yupanqui, in Matienzo)
No testemunho de Titu Cusi Yupanqui Inca, filho de Manco Inca, 8 de julho de 1567. (5)
"E disse que pelos maus tratos que fizeram os cristãos a seu pai na época que chegaram à cidade de Cuzco os primeiros conquistadores, como foi Juan Pizarro, que prendeu a seu pai -- que era, então, obedecido como senhor temporal em toda a terra -- sob o pretexto que ele queria rebelar-se com todos os índios do reino, e pediu-lhe por resgate uma cabana* cheia de ouro e prata, e, sendo mentira, para redimir a humilhação, deu-lhe muitas cargas de ouro e prata, e com isso redimiu a humilhação. E então veio Gonzalo Pizarro por corregedor e o levou para a prisão que ele queria rebelar-se de novo, e pediu-lhe outra cabana cheia de ouro e prata e colocou-lhe uma corrente em torno de seu pescoço, e assim o levava pela cidade de Cusco diante de seus súditos, mulheres e filhos, com muitos insultos, e não tendo [Mango Inga] o que dar para resgatar a humilhação, Hernando Pizarro chegou à cidade de Cuzco como corregedor e ordenou a libertação de seu pai, e depois de soltá-lo pedia-lhe um monte de ouro e prata, dizendo que era por tê-lo solto; e não tendo com que voltar a subornar ao dito Hernando Pizarro e temendo que o mandasse de volta para a cadeia e o molestasse, mandou chamar a todos os capitães e chefes do reino e depois de ter falado com eles se levantou contra o serviço de Sua Majestade na fortaleza de Cuzco, e cada um dos chefes em suas terras. E assim eles mataram muitos cristãos. "(Titu Cusi Yupanqui) (6)
A narração de Titu Cusi Yupanqui sobre tudo o que aconteceu com seu pai, Manco Inca, e com ele mesmo, naqueles fatídicos dias, nos quais os espanhóis "comiam ouro", é a nota triste, perpetuada pelas flautas, que contam, com os sons das montanhas, a tragédia dos Incas - aqueles que, de tão esquecidos, começam a ser considerados uma lenda. As palavras de Tito nos aproximam da verdade e da realidade de tudo o que aconteceu, e isso dói como as punhaladas no corpo do Inca. Não bastava a destruição, era necessário que o Sol fosse extinto.
"E em Pucará, em um alcance que lhe deram, tomaram uma irmã e esposa de seu pai, chamada Coya * Cura Ocllo, a qual levaram a Tambo e alí atiraram nela. E por isso lutou com os espanhóis e matou muitos deles. Depois, retirou-se para a província de Vilcabamba onde, agora, tem o seu lugar principal assento o citado Inca Titu Cusi Yupanqui. E que, depois, estando ali seu pai retirado, vieram seis espanhóis fugindo do Peru por terem se levantado com Don Diego de Almagro contra o serviço de Sua Majestade, e tendo lhes feito um tratamento muito bom, trataram de matá-lo traiçoeiramente, e assim deram-lhe dezoito golpes com espadas e facões e facas e tesouras; e ao citado Inca Titu Cusi Yupanqui, sendo um menino, lhe deram um golpe de lança nas costelas, e se não se deixasse cair por uns penhascos abaixo, também seria morto. Assim, morreu seu pai dos ferimentos que lhe deram, e os capitães mataram os espanhóis como dito anteriormente, e que por esses agravantes rebelou -se seu pai contra a obediência e domínio real de Sua Majestade. "(Titu Cusi Yupanqui)
"Na época em que os cristãos entraram nessa terra foi preso meu pai, Mango Inca, sob pretexto e acusação de que queria levantar-se com o reino, após a morte de Atagualipa (7), apenas a fim de que lhes desse uma cabana cheia de ouro e prata. Em prisão lhe fizeram um monte de maus tratos, tanto físicos como em forma de palavras, colocando uma coleira em seu pescoço, como a um cão, carregando-lhe, de ferro, os pés, e trazendo-o pela coleira de lá para cá, entre seus súditos, interrogando-o a cada hora, mantendo-o na prisão mais de um mês, de onde, pelos maus tratos que, a ele, seus filhos e gente e mulheres, faziam, libertou-se da prisão e veio para Tambo, onde fez confederação com todos os chefes e principais de sua terra ". (8)
"...Foi preso meu pai Mango Inga...
... colocando-lhe uma coleira no pescoço, como um cão, e carregando-lhe, de ferro, os pés, e trazendo-o pela coleira, pará lá e pará cá, entre seus súditos... "
1) Lima.
(2) Fernando Montesinos, em Anales del Peru, conta uma outra versão da historia...
"... No ano de 1542 como da batalha de Chupas saíram fugindo oito pessoas, e entraram nos Andes. Um deles era Diego Méndez, irmão do Mestre de Campo Rodrigo Orgófies. Estes estiveram em companhia do Inga Mango em seu retiro até este momento. Havia mandado que fizessem umas argolas para que jogassem e entretinham-se com isso e a ensinar o Inga como (fazer) correr um cavalo e disparar um arcabúz. Como souberam que Gonzalo Pigarro ia contra o Vice-Rei escreveram a Antonio de Toro que conseguisse dele o perdão para sair de lá, e que o ajudariam no que fosse preciso. Respondeu-lhes, a Diego Mendez e Gomez Pérez, que matassem o Inca, que não só os perdoaria, mas que devolveria a Diego Méndez o Repartimiento de Asángaro que tinha antes. Pedia isso o Antonio de Toro, porque nos Andes tinha uma fazenda de coca que lhe dava cada mita mil pesos, eram três mitas e valiam mais de dez mil pesos por ano, e com a inquietação de Mango estava tudo suspenso e não se fazia nada, e pareceu-lhe que com a morte do Inga tudo voltaria a ser (como antes). Discutem o caso os oito soldados; pareceu-lhes bem a promessa; leram a carta diante de uma negra de Diego Méndez; esta avisou a um "orejón" com quem tratava, este, ao Inca, por três vezes, e não lhe deu crédito parecendo-lhe que a ingratidão não havia de vencer ao bom respeito e fiel amizade. Os castelhanos, vendo que em tanto tempo não havia esperança de que o Inga se convertesse e que a oportunidade de sair daquela solidão era boa, determinaram-se a matar o Inga. Armaram um jogo de argolas (4) na época em que havia enviado sua gente a campear e só ficaram com ele duzentos índios flecheiros dos Andes. Simularam uma diferença de qual argola estava mais perto; o Inga, como fizera outras vezes, aproximou-se do jogo, abaixou-se para medir as argolas; ao baixar-se, puxaram as adagas dos borzeguíns (#) e deram ao gentil muitas punhaladas. Foram depressa até os cavalos do Inga para ir embora, e fugiriam, se um deles, chamado Barba, não tivesse ido até uns jarros de ouro que tinha uma índia amiga do Inga: esta gritou, vendo o trágico acontecimento; acudiram os índios Andes e flecharam e mataram aos oito soldados, tiraram-lhes as cabeças, colocaram-nas junto ao Inga que ainda não havia expirado; em em três dias que viveu, nomeou por seu herdeiro no Império ao filho que tivesse sua mulher e irmã Inio CoUo, e se fosse menina, nomeava como Inga a Saire Topa, seu filho. " (Framentó Instórico. Capitulo 141,)
3) "Bolos" se refere a um jogo que consiste em derrubar, por parte de cada jogador, o maior número possível de "bolos" ou "pinos" lançando uma bola ou peça, geralmente de madeira.
(4) herrón (herrones) - Antigo jogo que consistia em enfiar, em um prego fincado no solo, uns discos de ferro com um furo no centro.
(5) O Inca, Titu Cusi Yupanqui, filho de Manco Inca, assinou em 26 de agosto de 1566 a "capitulação de Acobamba" tratado de paz que estipulou a "vassalagem" de Titu Cusi e instalação de um corregedor em Vilcabamba: Diego Rodriguez de Figueroa. Para apreciar ante o Rei da Espanha os direitos de sucessão de Titu Cusi Yupanqui e seus descendentes, Diego Rodriguez procedeu, em 08 de julho de 1567, a recolher "informação" com os testemunhos do Inca e alguns de seus dignitários e pessoas próximas.
(6) (CAPA INGA TITO CUXI YUPANGUI DOC. 52)
(7) Atahualpa
(9) (Carta-Memoria del Inca Titu Cusi
Yupanqui al Lic. Matienzo, junio de 1565).
BIBLIOGRAFIA
1) Fray Martín de Murúa, Historia General del
Peru.
2) Fernando
Montesinos, Anales del Peru.
3) Juan de Matienzo, Gobierno del
Peru.
4) Juegos
infantiles tradicionales en el Perú. Emilia Romero. Folklore Americano, Lima;
Perú.
Veja também:
VILCABAMBA LA VIEJA - RUÍNAS NO ESQUECIMENTO -> ->
2.21.2012
COMO PUMAS ENTRELAÇADOS NAS SANDÁLIAS DE HUASCAR (IMPÉRIO INCA)
Agora, em nosso regresso de quinhentos anos no tempo, ao Tahuantinsuyo, vamos ao palácio para encontrar o Inca ... O último Inca... Huascar.
O Palácio Real do Inca, chamado Cuusmanco, tem duas portas magníficas, uma na entrada e uma mais interior, e sua obra é toda em cantaria bem lavrada.
Na primeira porta, há dois mil soldados de Guarda com o seu capitão. Estes soldados são privilegiados e isentos de serviços pessoais, os capitães, que os comandam, são pessoas importantes, de grande autoridade (1).
Depois dessa primeira porta existe uma praça, na qual podem entrar os que vem de fora, acompanhando o Inca, detendo-se, ali quando ele entra com os quatro orelhões de seu conselho, atravessando a segunda porta, na qual existe uma outra guarda, esta composta, apenas, de pessoas naturais da cidade de Cuzco (2). Para além dessa porta, um outro grande pátio, destinado aos oficiais do Palácio e os que tem ofícios regulares dentro dele, que ficam aguardando ordens, em razão de seu ofício.
Junto a essa segunda porta, onde está a armaria (3), com todos os tipos de armas, ficam cem capitães, dos melhores na guerra, exercitados nela, os quais são mantidos prontos para qualquer ocasião que se apresente.
Em seguida, as salas, recâmaras e aposentos, onde o Inca vive, cheio de alegria e contentamento, com sua esposa, com saída para os jardins onde há árvores com todos os tipos de aves e pássaros cantando; pumas, onças e outros gatos selvagens e todos os tipos de feras e animais encontrados no Tahuantinsuyo. Os quartos, amplos e espaçosos, lavrados com maravilhoso artifício porque, como não há cortinas ou tapeçarias, as paredes são esculpidas com ricos trabalhos, decoradas com muito ouro e estampas das imagens e feitos dos ancestrais; as clarabóias e janelas são guarnecidas com ouro e prata e pedras preciosas.
Há no palácio uma câmara do tesouro, a Capac Marca Huasi (4), onde são guardadas as jóias e pedras preciosas do senhor. Nesse aposento estão todas as ricas vestes do Inca, de finíssimo Cumbi (5), e todas as coisas relativas ao adorno de sua pessoa - não apenas as suas jóias de preço inestimável, como peças de ouro e prata do serviço usado nos aparadores do palácio. Com cinquenta camareiros encarregados e um contador-chefe para liderá-los, uma espécie de inspetor para vistoriar, minuciosamente, cada detalhe do serviço; ou seja, um tucuiricuc ou cuipucamayoc.
Ele é encarregado das chaves de algumas portas (6), mas não pode abri-las sem estar na presença de seus companheiros que, por sua vez, têm suas próprias chaves.
Existem vinte e cinco roupeiros, de doze a quinze anos, filhos dos curacas (chefes) e pessoas importantes, muito bem tratados e ricamente vestidos, que cuidam das roupas do Inca, preparando-as e separando-as de acordo com as cores ordenadas. Eles também levam os pratos à mesa quando ele se alimenta.
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O Inca atravessara os umbrais do aposento com um ar imponente e orgulhoso no semblante. Como outros Incas, ele tem estatura media, pele levemente bronzeada; o cabelo, um pouco mais curto do que outros, no reino, que os mantém mais compridos. Não tem barba (7), é sério, circunspecto, mas também tranquilo e discreto. E, como, em geral, todos os Incas, se expressa muito bem. (8)
Vestido costumeiramente com uma camisa de Cumbi azul, maravilhosamente elaborada com um trabalho de Tocapo (9), com tons sutis de verde e roxo. A manta, a yacolla, do mesmo Cumbi, mas sem qualquer trabalho, descansa nos braços de um roupeiro, que aguarda, pronto para vesti-la nele, se assim desejar o senhor.
Na cabeça, ele traz o llaitu (10), com as cores do arco-íris, as mesmas do Tahuantinsuyo, incrustrado de pedras preciosas e, pendendo do llaitu, o vermelho vivo do Cumbi finíssimo da borla imperial, a mascapaicha - a insígnia real e coroa, com os seus fios de ouro e as sagradas penas do qoriqenqe.
Calçado com sandálias que cobrem as solas dos pés e se enlaçam no meio do pé com as argolas pelo calcanhar e onde os laços são travados coloca-se algumas cabeças de puma, feitas de ouro e pedras de esmeralda, ricamente trabalhadas.
Neste momento, o copeiro, o ancosanaymaci, um dos orelhões mais importantes do império, aproxima-se, carregando um copo feito de madeira preciosa, talvez cheio de chicha, talvez de água, para servir ao supremo Inca do Tahuantinsuyo.
O último Inca... Huascar... que permanece em silêncio, observando a luz do sol que vem dos jardins...
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(1) Quando o Inca ia à Serra, iam junto com sua pessoa, e recebiam rações regulares e avantajados pagamentos, e andavam, geralmente, acompanhados pelos filhos dos curacas e pessoas importantes, muito lucidamente adereçados. (Murtua)
(2) orelhões e parentes, descendentes do Inca, em quem ele confiava, e eram aqueles encarregados de criar e ensinar os meninos, filhos dos governadores e pessoas importantes de todo o Reino para que trabalhassem no serviço do Inca, assistindo-o na corte.
3) a saber flechas, arcos, lanças, macanas, champis, espadas, capacetes, fundas, escudos pesados, tudo arranjado em perfeita ordem e disposição.
4) literalmente - aposento rico do tesouro - tinha esse tesoureiro ou contador-mor, um grande salário e muito proveito, porque o Inca lhe dava muitas roupas das suas próprias, gado e chácaras, e dessas doações ele ficava com duas partes e uma era para seus companheiros.
(5) Cumbi - tecido finamente elaborado com lã de vicunha.
(6) portas de madeira.
(7) os incas não tinham qualquer tipo de barba, porque se alguma surgisse, com pinças, chamadas tiranas, as arrancavam. (Murúa)
(8) Eu descrevi Huascar de acordo com as características dos Incas descritas por Frei Murúa em seu livro. Porém, gostaria de fazer uma ressalva, chamando a atenção para o fato de que os Incas de sangue puro, naquela época, já estavam extintos, ou praticamente extintos, pois os que não foram mortos pelos exércitos de Atahualpa (que era só meio Inca, apenas por parte de pai e é preciso lembrar que, para ser Inca, era preciso ter sangue puro), foram dizimados pelos espanhóis, mortos por doenças e, os que restaram, misturaram o sangue, ou com os próprios espanhóis, ou com os Incas de privilégio, que não eram Incas de sangue, ou com os povos circundantes, que serviam aos Incas. Alguns autores afirmam, o que eu mesma sou levada a concordar, que os Incas eram brancos; alguns dizem 'bem brancos'.
(9) As ñustas (Virgens do Templo do Sol), que fiavam de modo extremamente delicado para tecer as roupas do Inca e esculpiam neles maravilhosos labores de tocapo, que eles dizem que significa diversidade de trabalhos, com mil matizes de grande delicadeza, às vezes de cor roxa, às vezes verde, às vezes azul, outras vezes vermelho vivo.
Tocapu ou tocapo: pequenas figuras de grande padrão com certos desenhos repetidos, com os quais adornavam as vestes mais luxuosas. Trajes típicos do Peru e mantas, muitas vezes contêm esses símbolos abstratos e geométricos que se encontram discretamente dentro de um quadro retangular ou quadrado. Na roupa, cada tocapu poderia ser colocado em um padrão linear ao longo da cintura ou sobre uma grade que cobre toda a superfície. Eram prerrogativa dos membros do clã imperial Inca e dos indivíduos da elite, acredita-se ter sido um privilégio das pessoas que utilizavam estas peças de vestuário e que eles controlavam uma variedade de etnias no Império (Rebecca Arte em pedra de Miller. Dos Andes Chavin de Inca, Nova York. Thames and Hudson, 1995, p. 210).
(10) O llauto era uma espécie de turbante com as cores do Tahuantinsuyo (Império Inca), tecido com lã de vicunha, que dava de cinco a seis voltas na cabeça e sustentava na frente uma borla de lã, chamada mascapaicha que, juntamente com penas do qoriqenqe (ave sagrada cujo símbolo levava na parte da frente) e topayauri (uma espécie de cetro) constituíam as vestes particulares do Sapa Inca.
BIBLIOGRAFIA
Fray Martín de Murúa: Historia general del Perú. Origen y descendencia de los Incas (1611).
e para o tocapo:
Rebecca Stone-Miller. Arte de los Andes de Chavín de Inca, Nueva York. Thames and Hudson, 1995, p. 210).
2.18.2012
ATAHUALPA - ESTRIBILHO DE UMA MORTE ANUNCIADA
Para falar sobre Atahaulpa, podemos usar o testemunho de Pedro Pizarro (#), que esteve com ele nos últimos dias de sua vida e escreveu em seu livro, Relación del Descubrimiento y Conquista de los Reinos del Perú, a impressão que teve dele, como um homem de grande poder e carisma.
Pizarro disse que Atahualpa era um homem bem disposto e de boa aparência, corpo bem feito, sem ser muito gordo, bonito de rosto, circunspecto, olhos implacáveis. Disse que era muito temido por seu povo e amado como Deus.
Quando "tiraram este senhor do madeiro onde ele foi morto, seus índios se aproximaram e cavaram a terra, onde seus pés haviam estado, quatro dedos, e a levaram como relíquia."
"Eu me lembro que o senhor de Guailas (Huaylas) pediu permissão para ir ver a sua terra e ele a deu, dando-lhe tempo que fosse e voltasse, e se atrasou um pouco, e quando voltou, na minha presença, chegou com um presente de fruto da terra, e tendo chegado diante dele, começou a tremer de tal forma que mal podia se manter em pé. Atahualpa levantou a cabeça um pouco, e, sorrindo, lhe fez sinal para que saísse."(1)
De acordo com Pizarro, Atahualpa usava a mascapaycha, que era a borla real ou "coroa" (2), o que significa que ele se considerava Inca, mesmo quando Huascar ainda estava vivo, sendo este soberano, senhor e verdadeiro Inca. Atahualpa usava o llauto na cabeça, que eram tranças coloridas de lã, da espessura de um dedo médio, por um de largura, à maneira de coroa mas, sem pontas, redonda, da largura de uma mão que encaixava na cabeça. Na frente, uma borla costurada neste llauto, da largura de uma mão ou um pouco mais, de lã muito fina, escarlate (*em espanhol original- grana) (3), muito bem cortada, presa por alguns tubinhos de ouro, muito subtilmente, até a metade. A lã era fiada, dos tubos para baixo, retorcida, que era o que caía em sua testa, os tubinhos de ouro tomavam todo o llauto. Esta borla, de um dedo de grossura, caía até um pouco acima das sobrancelhas, ocupando toda a frente.
Atahualpa tinha muitos líderes com ele: eles ficavam lá fora, em um pátio, quando ele chamava algum, este entrava descalço até onde ele estava e, vindo de fora, de outro lugar, deveria entrar descalço e carregando uma carga ou "fardo" em sinal de submissão. Quando seu capitão Challicuchima veio com Hernando Pizarro e entrou para vê-lo, entrou descalço, com uma carga na cabeça, jogou-se a seus pés e beijou-os, chorando. "Atahualpa, com o rosto sereno, lhe disse: -Seja bem-vindo alli Challicuchima, o que significava: - Seja bem-vindo, bom Challicuchima."
Eles todos andavam raspados, e os 'orejones' (4) com o cabelo cortado a 'sobre peine' (5). Vestiam roupa muito fina e macia.
"Este senhor colocava a manta sobre a cabeça, atando-a sob o queixo, tapando as orelhas: fazia isso para tapar uma orelha que estava rompida, que, quando o prenderam os de Guascar (Huascar) a quebraram."
As vestes de Atahualpa.
"Este senhor vestia roupas muito delicadas."
Além de ser uma pessoa interessante, Atahualpa era fascinante. Não foi o suficiente usar roupas finas e delicadas, feitas com o melhor Cumbi, comumente usadas pelos Incas, ele ousou mais. Pizarro descreve um momento em que, talvez para mostra-se um pouco mais, impondo sua presença, vestiu uma roupa feita de lã de morcego.
Como se isso fosse a coisa mais natural do mundo.
Pizarro conta que, certo dia, Atahualpa fazia uma refeição servida pelas mulheres que traziam a comida e a colocavam diante dele, em umas "bandejas" de junco verde, muito finas e pequenas. Estava sentado em um assento de madeira vermelho muito bonito, de um pouco mais de um palmo de altura, o qual mantinham, sempre, coberto com uma manta muito fina, ainda que ele estivesse sentado nele. Essas "bandejas" de junco, já mencionadas, eram, sempre, estendidas diante dele, quando queria comer e, alí, colocavam todos os manjares em pratos de ouro, prata e barro, e os que lhe apetecíam, ele fazia sinal para que trouxessem e uma das mulheres o segurava nas mãos enquanto ele comia.
"Pois estando ele dessa maneira, comendo, e eu presente, levando um pedaço da iguaria à boca, ele deixou cair uma gota na roupa que vestia, e dando a mão para a índia, levantou-se e foi para seu aposento para vestir outra roupa, e voltou, usando uma camiseta e uma manta marrom escura. Aproximando-me dele, toquei em sua manta, que era mais suave que a seda, e eu disse: - Inca, de que é esta veste tão suave? Ele me disse: - É de uns pássaros que andam de noite, em Puerto Viejo e em Tumbez, que mordem os índios. Chegou a declarar que era de pelo de morcego. Dizendo-lhe de onde podiam juntar tanto morcego, respondeu:. - Aqueles cães de Tumbez e Puerto Viejo, que haveriam de fazer senão usar isso para fazer roupas para o meu pai? E é assim que esses morcegos mordem à noite, índios, espanhóis e cavalos, e tiram tanto sangue que é coisa de mistério, e assim averiguou-se ser essa veste de lã de morcego, e era da cor deles, pois em Puerto Viejo e em Tumbez e em sua região, há uma grande quantidade deles. "
"E eu não vi em todo o Perú, índio semelhante a esse Atahualpa, nem de sua ferocidade ou autoridade."
"Certa vez, um súdito veio queixar-se de que um espanhol levou algumas vestes de Atahualpa; o Marquês (6) enviou-me para descobrir quem era, chamar o espanhol e castigá-lo. O índio me levou a uma cabana (7), onde havia uma grande quantidade de baús; o espanhol já tinha ido embora e, dizendo-me que, dalí, ele tomara uma veste do senhor, eu, perguntando-lhe o que continham aqueles baús, mostrou-me alguns que continham tudo o que Atahualpa havia tocado com as mãos e tinha deixado depois, e roupas que havia descartado: em uns, as bandejas que havia atirado aos seus pés quando ele comia e, em outros, os ossos das carnes ou aves que comia; em outros, os sabugos das espigas de milho que havia tomado em suas mãos; finalmente, tudo o que ele havia tocado. Perguntei a eles para que tinham aquilo alí. Responderam-me que era para queimar, porque a cada ano eles queimaram tudo isso, porque o que tocavam os senhores e os filhos do sol deveria ser queimado, transformado em cinzas e ser solto no ar, que ninguém deveria tocar em nada. E, de guarda, estava um comandante com índios que guardava a tudo, e que recolhiam das mulheres que o serviam."
ESTRIBILHO DE UMA MORTE ANUNCIADA
"Tendo chegado, pois, Almagro e as pessoas já mencionadas, Atahualpa perturbou-se e entendeu que havia de morrer, e um dia, enquanto fazia a refeição com o Marquês, perguntou-lhe como ele repartiria os índios entre os espanhóis. O Marquês disse que daria um chefe para cada espanhol. Atahualpa disse se cada espanhol estaria cada um com seu chefe. O Marquês disse que não, mas que fariam cidades onde os espanhóis estariam juntos. Ouvindo isso, Atahualpa disse - eu vou morrer: quero te dizer, apo, o que os cristãos deverão fazer com esses índios para que possam servir-se deles: se a algum espanhol deres mil indios, terá de matar a metade para poder servir-se deles, e assim disse ao Marquês que o havia de matar."
"O Marquês assegurava dizendo a ele que lhe daria a província de Quito, e que os cristãos levariam de Cajamarca a Cuzco. Porque, como Atahualpa era um índio sábio, veio a entender que o enganava, tinha uma grande amizade com Hernando Pizarro, que lhe prometera que não deiraria que o matassem, e por isso dizia Atahualpa não havia visto espanhol que parecesse senhor como Hernando Pizarro. Pois, estando assim, as coisas, determinou o Marquês Don Francisco Pizarro enviar seu irmão Hernando Pizarro para a Espanha com o tesouro de Sua Majestade. Quando Atahualpa soube da ida de Hernando Pizarro, chorou, dizendo que o haviam de matar, porque Hernando Pizarro ia embora, o que assim se passou... "
"Nisso o Marquês foi sempre muito cristão, que de ninguém tirou o que merecia."
Uma pequena reflexão sobre o que o autor considera ser um cristão. O que é ser um cristão? Chegar a um lugar, roubando as casas das pessoas, seus bens, suas propriedades, matando seu proprietário, seus moradores e partilhar os despojos em "nome de Deus" de uma maneira cristã? Eu não sei se as pessoas são irracionais, ignorantes, ingênuas, manipuladoras ou, simplesmente, manipuladas. Nenhuma pessoa deveria ser rotulada, mas algumas pessoas não podem ser chamadas de outra forma.
"Pois, tendo feito essa divisão entre aqueles que entraram em Cajamarca quando da prisão de Atahualpa, quero dizer, todos os espanhóis que com o Marquês ali entraram, como se fizera por decreto lque os que depois vieram não lhes davam nada, levantou-se grande confusão entre os Oficiais do Rei e os que tinham vindo com Almagro, dizendo que o tesouro que Atahualpa havia mandado era incontável e que, se o decreto fosse respeitado, eles nunca teriam nada.
Concordaram, pois, os Oficiais e Almagro que Atahualpa deveria morrer, tratando entre eles que, morto Atahualpa, acabaria o decreto feito acerca do tesouro."
Os eventos foram se desenrolando como um estribilho mórbido de uma triste melodia que se repete até desaparecer, completamente, dentro da morte.
"Então disseram ao Marquês Don Francisco Pizarro que não convinha que Atahualpa vivesse, porque se ele fosse libertado, sua Majestade perderia a terra e todos os espanhóis seriam mortos, e na verdade, se isso não fosse tratado com malícia (como foi dito) teriam razão, porque seria impossível, libertando-o, ganhar a terra. Pois o Marquês não quis chegar a isso.
"Vendo isso, os Oficiais fizeram muitas exigências, colocando o serviço de Sua Majestade à frente. Estando isso assim, atravessou um demônio de uma língua, que dizia Felipillo, um dos rapazes que o Marquês tinha levado para a Espanha, que andava enamorado de uma mulher de Atahualpa, e para tê-la deu a entender ao Marquês que Atahualpa estava organizando grande ajuntamento de pessoas para matar os espanhóis, em Cajas. "
Traição, mentiras, palavras trocadas - elementos que se juntaram para formar a trama da morte de Atahualpa.
"Pois tendo sabido disso o Marquês, prendeu a Challicuchima, que andava livre, e, perguntando-lhe dessa gente que a má lingua dizia que se estava juntando, mesmo que negasse, dizendo que não, o tal de Felipillo dizia o contrário, mudando as palavras que os indios diziam a quem lhes perguntasse desse caso. Pois o Marquês Don Francisco Pizarro concordou enviar Soto a Cajas para ver o que de fato acontecia..."
Francisco Pizarro foi pressionado, principalmente por Almagro e pelos oficiais, a ordenar a morte de Atahualpa, porque isso seria muito conveniente para todos.
"... à partida de Soto, pressionaram o Marquês com muitas exigências e a má língua, por sua vez, ajudava com seu retrucar, conseguiram convencer o Marquês que Atahualpa deveria morrer, porque o Marquês zelava muito dos negócios de Sua Majestade, e assim o fizeram temer, e contra a sua vontade condenou Atahualpa à morte, mandando que o estrangulassem e, após a morte, o queimassem, por ter ele irmãs como mulheres. "
"Certo: Poucas leis estes senhores tinham lido pois, ao infiel, sem defesa, davam-lhe essa sentença. Pois Atahualpa chorava e dizia que não o matassem, que não haveria indígena na terra que pudesse ser controlado sem ele mandar, e que eles o tinham prisioneiro, que haveriam de temer, e se o tinham por ouro e prata, que ele lhes daria dois tantos do que havia mandado."
"Eu vi chorar o Marquês, de pesar, por não ser capaz de lhe dar vida, pois certamente temeu as petições e o risco que havia na terra se ele se libertasse."
Atahualpa aceitou batismo cristão antes de morrer, não por causa da conversão, mas pela fé que tinham, ele e todos os Incas, que se o corpo não fosse preservado, uma pessoa não poderia renascer.
"Este Atahualpa tinha dado a entender a suas esposas e índios que se não queimassem o seu corpo, ainda que o matassem, haveria de voltar para eles, que o sol, seu pai, o ressuscitaria. Pois, ao levá-lo para estrangular, na praça, o Padre Frei Vicente de Valverde, já mencionado, pregou a ele, dizendo que se tornasse cristão, e ele disse que caso se tornasse cristão, se o queimariam, e disse que como não o haveriam de queimar, que queria ser batizado, e assim o Frei Vicente o batizou e o estrangularam, e no dia seguinte o sepultaram na igreja que os espanhóis tinham em Cajamarca."
"Isso foi antes que Soto retornasse dando conta do que lhe fora ordenado, e quando chegou, ele trouxe a nottícia de não haver visto nada, nem haver nada, o que, ao Marquês, foi muito pesaroso havê-lo morto, e muito mais a Soto, porque ele dizia que ele estava certo, que muito melhor seria enviá-lo para a Espanha, e que ele se obrigaria a colocá-lo no mar, e certamente essa seria a melhor coisa que se poderia fazer com esse índio porque ficar na terra não era aconselhável; também se entendeu que ele não vivera muitos dias, porque era índio muito talentoso e muito importante."
Pizarro narra o momento de dor que foi a morte de Atahualpa e como todos se sentiram perdidos sem ele. No instante da sua morte, era ele o Inca, pois Huascar já não vivia. Esta foi a principal razão dada pelos espanhóis para matar Atahualpa, o assassinato de Huascar. Para todos os que viviam em torno de Atahualpa, como se pode ver, ele era, realmente, o Filho do Sol, que já não brilhava, que foi embora...
"Pois, morto Atahualpa, como eu disse, havia dado a entender a suas irmãs e mulheres que, se não fosse queimado, retornaria a este mundo. Algumas pessoas se enforcaram e uma sua irmã com algumas índias, dizendo que iriam ao outro mundo para servir Atahualpa, ficaram duas irmãs que choravam muito, com tambores e cantando, contando as façanhas de seu marido. Esperaram até que o Marquês saisse fora do seu quarto, e vieram ao lugar onde Atahualpa costumava estar; e me imploraram que as deixasse entrar e, quando entraram, começaram a chamar Atahualpa, buscando-o pelos cantos, bem baixinho. Como viram que não lhes respondía, chorando alto, saíram. Eu perguntei a elas o que buscavam. Disseram-me o que tenho dito. Eu as desenganei, dizendo que os mortos não retornavam até o dia do juízo."(8)
Aos poucos, apagou-se a luz de todas as lâmpadas, como que tocadas pelo vento. Aos poucos foi se extinguindo o som dos tambores e flautas, a música parou, morreu o estribilho, as lágrimas secaram enquanto o tempo passava e as gerações se sucederam sepultando os sonhos. Como em uma procissão de amor e esperança, as sombras daquelas mulheres parecem perpetuar a busca pelo Inca. Cantando no silêncio, como fantasmas que deslizam no vazio do tempo, contando as façanhas de Atahualpa, chamando-o pelo nome, bem baixinho.
Fim da História?
Há uma profecia que fala sobre a reconstrução do Império e a volta do Inca, quinhentos anos depois.
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1) O texto original de Pedro Pizarro está escrito de uma maneira difícil de entender, então eu coloquei, primeiro, as palavras adaptadas para a língua espanhola atual, simplesmente mudando as letras, tais como (-v) em vez de (-u), como na palavra seruicio (servicio) (serviço), por exemplo, mas não para alterar as palavras no seu significado, simplesmente para facilitar a compreensão quanto às letras. Como no exemplo abaixo:
"Aquerdome que el senor de Guailas le pidio licencia para ir a uer su tierra, y se la dio, dandole tiempo en que fuese y biniese, y tardose algo mas, y quando uoluio, estando yo presente, llego con un presente de fructa de la tierra, y llegado que fue a su presencia, enpezo a temblar en tanta manera, que nose podia tener en los pies. El Atagualpa alzo la caueza un poquito, y sonrriendose le hizo sena que se fuese." (texto original)
(2) O traje do Inca consistia de um turbante multicolorido, aderido à cabeça, chamado llauto, que trazia, na parte da frente, uma insígnia chamada MASCAPAYCHA (borla de cor vermelha); acima do Llauto, sobressaindo pela frente, eram colocadas duas penas da ave Qoriquenque, presas por uma placa de ouro que representava a imagem do sol.
3) Real Academia Española - Diccionario de la Lengua Española
grana2. (De grano, tumorcillo).
1. f. cochinilla2.
2. f. quermes (‖ insecto hemíptero).
3. f. Excrecencia o agalla pequeña que el quermes forma en la coscoja, y que, exprimida, produce color rojo.
4. f. Color rojo obtenido de este modo. (cor vermelha obtida desse modo)
(4) (Andes, Hist) oficial e nobre Inca.
(5) sobre peine. (no pente)
1. loc. adv. Dicho regularmente de cortar el cabello: Por encima de él y sin ahondar mucho. (dito, regularmente, de cortar o cabelo - por cima e sem afundar muito)
(6) Francisco Pizarro.
(7) bohío. 1. m. Cabaña de América, hecha de madera y ramas, cañas o pajas y sin más respiradero que la puerta. Real Academia Española - Diccionario de la Lengua Española. (cabana da América, feita de madeira e bambú, ramos ou palha e sem aberturas, a não ser a da porta)
(8) "Era costume entre esses índios que a cada ano as mulheres chorassem a seus maridos e parentes, carregando suas roupas e armas diante de si, e muitas índias, carregadas com muita chicha, atrás, e outras tocando tambores e cantando as façanhas dos mortos, iam de monte em monte e de lugar em lugar onde os mortos, estando vivos, haviam ido, e quando se cansavam, sentavam-se, bebíam e, descansados, voltavam ao pranto até que acabasse a chicha."(Pedro Pizarro)
(9) "... que tendo ido Hernando Pizarro e dividido o tesouro que se havia juntado, coube aos cavaleiros oito mil "pesos" por parte, e aos que lutavam a pé, quatro mil: isso era dando partes inteiras porque houve muito poucos aos quais foram dadas, a alguns cavaleiros foram dadas uma parte e meia, a outros uma parte e três quartos, e aos que íam a pé, três quartos, e meia parte, e a muito poucos a parte inteira, que se repartia conforme o que cada um servía e o cavalo que tinha, apesar de Almagro querer que fosse de forma diferente, ele e seu parceiro tomaram a metade e, aos demais espanhóis deram um mil, e aos que deram mais, dois mil pesos. "
BIBLIOGRAFIA
Pizarro, Pedro. Relación del Descubrimiento y Conquista de los Reinos del Peru.
(#)Pedro Pizarro foi um cronista espanhol e conquistador. Ele participou da maioria dos eventos da conquista espanhola do Peru, e escreveu um longo relatório sob o título de Relación del Descubrimiento y conquista de los Reinos del Perú, que terminou em 1571.
link para o original em espanhol neste blog:
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Atahualpa foi o décimo terceiro Imperador Inca e é considerado, por alguns historiadores, o último imperado...