2.13.2025

O Povo Diaguita e Sua Relação com o Império Inca

 


No noroeste argentino, nos Vales Calchaquies, os diaguitas desenvolveram uma rica cultura. Resistiram, por mais de cem anos, ao avanço espanhol: guerras Calchaquies, nas quais se destacaram os líderes Kipildor (Quipildor), Viltipoco (1561), Chalemin, Juan Calchaqui, Koronhuila ( chamado pelos espanhóis de Coronilla).

O povo Diaguita foi uma das culturas indígenas mais influentes da região andina, habitando principalmente o noroeste da Argentina e o norte do Chile. Conhecidos por sua habilidade na cerâmica, na metalurgia e na agricultura, os Diaguitas mantiveram uma organização social complexa e uma forte resistência contra invasores.



A Sociedade e Cultura Diaguita


Os Diaguitas viviam em comunidades organizadas, onde a agricultura desempenhava um papel central. Cultivavam milho, quinoa e batatas, além de criarem lhamas para transporte e consumo. Sua cerâmica era rica em detalhes e possuía padrões geométricos distintos, refletindo sua identidade cultural. Além disso, eram habilidosos na metalurgia, trabalhando principalmente com cobre, prata e ouro.

A estrutura social diaguita era composta por chefias locais que exerciam autoridade sobre pequenas aldeias. Eles possuíam um forte senso de identidade e resistência, o que os levou a enfrentar tanto os incas quanto os conquistadores espanhóis.


 

A Influência e Dominação do Império Inca

Durante o século XV, o Império Inca iniciou sua expansão sobre territórios ao sul dos Andes, incluindo as regiões habitadas pelos Diaguitas. O contato entre esses dois povos resultou em uma mistura cultural, mas também em conflitos.

Os incas, liderados por Tupac Yupanqui, impuseram seu sistema administrativo e cultural sobre os Diaguitas, construindo também estradas e centros administrativos que integravam a região ao império. Apesar disso, os Diaguitas não aceitaram passivamente essa dominação e organizaram diversas revoltas, tornando-se conhecidos por sua forte resistência.

Apesar de terem mantido traços distintos de sua própria cultura, a presença inca influenciou a sociedade diaguita de várias formas, desde técnicas avançadas de agricultura em terraços até a introdução de  novas práticas cerimoniais e religiosas. Percebe-se, nitidamente, essa influência, ao buscarmos por sua presença na história...

O povo diaguita vivia em casas de pedra com telhados de palha. Eram bravos guerreiros que, antes de se incorporar ao Tahuantinsuyo (Império Inca), haviam lutado com os Incas e, depois, combateram os espanhóis, de modo ferrenho, e suas armas típicas eram o arco e a flecha. Eles combatiam a pé. 

Em tempos de guerra, os diaguitas habitavam aldeias fortificadas ou "pukara", localizadas em lugares elevados e de difícil acesso; de fácil defesa e apropriados para lançar objetos, desde o alto, nos que os atacavam. Esses lugares eram construídos com muralhas de pedra e, algumas vezes, com entradas de madeira. Em tempos de paz, suas casas eram construídas com materiais vegetais e os terrenos divididos com pircas (muros de pedra seca, típico dos Andes).



A economia diaguita baseava-se na agricultura e criação de lhamas, úteis no transporte da carga; completando-a com caça a aves e pequenos animais e o comércio entre outros povos, principalmente os povos litorâneos, dos quais obtinham peixes, mariscos, conchas, etc. Cultivavam o milho, abóbora, batata, quinoa... Com os povos do interior, faziam intercâmbio de metais, coca e alguns alimentos vegetais.

As características geográficas da região onde habitavam os diaguitas corresponde aos "Valles Transversales", formados pelas cadeias montanhosas que se desprendem da Cordilheira dos Andes interrompendo a planície interior. A vegetação é composta por bosques, alfarrobeiras; a fauna, por raposas e perdizes, entre outros animais. 

Todas estas culturas foram de alto desempenho. Além das atividades que realizavam dedicavam-se muito ao pastoreio do rebanho de lhamas, o que desenvolveram a partir da domesticação dos animais. Quase durante todo o ano os animais alimentavam-se nos arredores dos vales mas, no verão, os rebanhos eram levados aos ricos pastos da Cordilheira.


Homens e mulheres eram de estatura bem baixa (já encontrei, em minhas pesquisas, uma descrição totalmente contrária a essa, exaltando sua altura), de cor bronzeada clara. Considera-se que tenham praticado a deformação craniana e que isso teria sido prática comum entre eles (não sei até que ponto isso pode ser considerado como fato).  Adoravam o Sol. Possuíam sacerdotes, magos e feiticeiros. Acreditavam na imortalidade da alma.



Legado dos Diaguitas

Após a chegada dos espanhóis no século XVI, os Diaguitas enfrentaram uma nova ameaça e, mais uma vez, lutaram bravamente para preservar sua identidade. Muitos foram escravizados ou exterminados, mas sua cultura e tradições continuam vivas através de seus descendentes.

Atualmente, a influência diaguita pode ser observada em diversas manifestações culturais da região andina, incluindo a arte, as práticas agrícolas e as lendas, como a da pedra rodocrocita, considerada um símbolo de amor e sacrifício.

Atualizando os números, segundo o Censo Nacional de Populações da Argentina, em 2010, há 67.410 pessoas que se consideram pertencentes ao grupo étnico dos diaguitas, na província argentina de Catamarca, Salta, Santiago del Estero, La Rioja e extremo noroeste de Tucumán. 

No momento da chegada espanhola, os diaguitas estavam incorporados ao Tahuantinsuyo, perfeitamente adaptados; tendo alcançado um alto nível na exploração agrícola e na criação de lhamas. Fabricavam adornos de prata e cobre e eram mestres na arte da cerâmica.

A música diaguita pôde ser conhecida através de estudos arqueológicos. Nos cemitérios foram encontrados instrumentos musicais, tais como a flauta andina de quatro vozes feita de pedra - provavelmente, essas flautas eram populares e tenham sido, também, fabricadas de materiais mais leves, de madeira ou bambú. Também foram encontradas cornetas, apitos de pedra, com um furo lateral, que emite um som agudo, dependendo se o orifício estiver, ou não, tampado. Pelos instrumentos encontrados, pôde-se apurar que sua música tinha tom militar.

O povo Diaguita deixou um legado de coragem e resistência, demonstrando a importância de sua história na formação cultural da região andina e na interação com o poderoso Império Inca.




                                                                     






* Rodocrosita - O seu nome deriva da palavra grega para cor-de-rosa. 
Saiba mais sobre essa pedra inca: 

A Rosa dos Incas - entre pétalas de sangue e de pedras.

                                                            



O Tesouro Vermelho dos Diaguitas e sua Conexão com o Império Inca

A rodocrocita, também conhecida como a "rosa do Inca", é uma pedra preciosa de tonalidade avermelhada que carrega uma rica história mítica e cultural. Seu brilho encantador e suas lendas fascinantes a tornam um dos minerais mais valiosos da Argentina e do mundo andino. Entre os povos originários, especialmente os Diaguitas, essa pedra está envolta em narrativas que a conectam ao império Inca e a sentimentos de amor e sacrifício.

                                             


A Lenda da Rodocrocita

Conta a lenda que um chasqui da região de Andalgalá (atual Argentina) fez questão de cobrir, ele mesmo, a imensa distância que o separava da Capital (Cusco), a fim de entregar um presente, pessoalmente, ao Inca. Depois de três longos dias e noites, alcançou as últimas pedras da estrada inca que levava à morada do Filho do Sol. Cansado, feliz e emocionado, apresentou ao Inca as pétalas cor de sangue de uma rosa petrificada que levava consigo, uma dádiva...

Nessa lenda do povo diaguita, um destemido guerreiro Inca, quebrando todas as leis do Império, adentrou o templo das Virgens do Sol para espiar. Apaixonou-se por uma delas e foi por ela correspondido. Como desse amor iria nascer uma criança, resolveram fugir para as montanhas do sul.

O Inca colocou grupos armados para persegui-los sem, no entanto, jamais encontrá-los. O tempo passou e tiveram muitos filhos, porém, eternamente banidos amaldiçoados pela transgressão que haviam cometido. Quando ela morreu, sepultaram-na no topo da montanha e ele, não suportando a solidão, morreu logo depois.

Certa tarde, o chasqui (mensageiro do império), encontrando sua tumba, ficou impressionado ao ver que a pedra que a cobria desabrochava em pétalas de sangue. Então, ele arrancou uma das rosas para presenteá-la ao Inca. Este, aceitando a rosa de rodocrosita que lhe oferecia o chasqui, emocionou-se, de tal modo, que perdoou o amor dos amantes fugitivos e, a partir de então, todas as princesas passaram a usar pedaços da pedra como símbolo de paz, perdão e profundo amor.



Esta é uma lenda diaguita. O povo diaguita ocupou o território da atual província de Catamarca, La Rioja, Santiago del Estero e Tucumán (Argentina).
   



                                        



Rodocrosita é a Pedra Nacional da Argentina, também chamada "Piedra del Inca" (pedra do Inca). 



Segundo a tradição oral, uma outra lenda (ou uma variação dessa lenda)  conta uma história de amor proibido entre uma princesa inca e um jovem guerreiro diaguita durante a expansão do império sobre os territórios dos povos andinos. Obviamente, o amor entre eles era impossível devido às diferenças culturais e às proibições sociais da época.

Para evitar serem separados, os amantes decidiram fugir para as montanhas, onde viveram escondidos por algum tempo. Mas, inevitavelmente, foram encontrados. O guerreiro foi capturado e condenado à morte, enquanto a princesa, desesperada, chorou até exalar seu último suspiro. Diz a lenda que, onde suas lágrimas caíram, formaram-se pedras com coloração vermelha intensa, simbolizando o amor e a dor de sua perda. Assim nasceu a rodocrocita, uma pedra que representa a paixão, a saudade e a memória dos que partiram.



A Relação da Rodocrocita com o Império Inca


Para os Incas, a rodocrocita era considerada uma pedra sagrada, muitas vezes associada ao coração e à energia vital. Eles acreditavam que essa gema carregava as almas dos ancestrais e que seu brilho avermelhado representava o sangue dos guerreiros que tombaram em batalha. Algumas histórias afirmam que a rodocrocita era utilizada em rituais de cura e como amuleto de proteção.

Atualmente, as minas de rodocrocita mais famosas do mundo estão localizadas na Argentina, particularmente na região de Catamarca. A pedra continua sendo valorizada não apenas por sua beleza, mas também por sua carga histórica e espiritual.





Curiosidades e Benefícios da Rodocrocita


A mineralização é de origem vulcânica, localizada em uma cratera, constituída por riolita, nas SIERRAS CAPILLITAS, pertencente ao Nevado de Aconquija, na província de Catamarca, na Argentina, a três mil e duzentos metros acima do nível o mar. 
A região de Catamarca produz estalactites de rodocrosita que são únicas em sua coloração. Ao fazer cortes transversais, pode-se ter faixas concêntricas de luz e sombra, sempre brincando com os tons.

Além de sua riqueza histórica, muitas pessoas atribuem propriedades energéticas à rodocrocita. Ela é considerada uma pedra do amor próprio, ajudando na cura emocional, no fortalecimento dos laços afetivos e no alívio de traumas do passado.




Principais curiosidades sobre a rodocrocita:

  • Seu nome vem do grego "rhodo", que significa rosa, e "khros", que significa cor.

  • É a pedra nacional da Argentina.

  • Em algumas culturas, acredita-se que ela promove coragem e equilibra emoções intensas.




                                          







Conclusão

A lenda da rodocrocita não é apenas um conto de amor trágico, mas também um símbolo da interação entre os povos antigos da América do Sul e do poder espiritual atribuído às pedras naturais. Sua beleza e seu significado profundo a tornam uma das gemas mais fascinantes e cobiçadas do mundo. Sejam por suas propriedades energéticas ou por sua história lendária, a rodocrocita continua a encantar e inspirar gerações.




       



                                                              





1.30.2025

NASCIMENTO DO IMPÉRIO INCA


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1.22.2025

Descobrindo a importância do Amaranto na culinária do Império Inca.




Poema dos Campos de Amaranto



             De repente, o campo abre-se em uma extensa linha de amarantos 
com seus caules rasteiros, folhas triangulares, 
quebrando, 
com nuanças nervosas de cor verde-escura,
as linhas vermelhas das espigas 
que pendem pelas mãos do vento, 
flexíveis, cilíndricas, como traços de pintura 
dando vida a paisagens antigas.






O amaranto (“Amaranthus”) era uma das culturas sagradas e essenciais cultivadas pelos habitantes do Império Inca e, assim como a quinoa e o milho, era tido como um verdadeiro tesouro. Conhecido hoje por sua riqueza nutricional e capacidade de adaptação, o amaranto desempenhou um papel crucial na sustentação da Civilização Inca. Reverenciado por sua resistência e considerado como um presente de Pachamama, a Mãe Terra, o amaranto personificava a profunda compreensão dos Incas sobre seu meio ambiente e suas práticas agrícolas inovadoras.





O amaranto era uma pedra angular da dieta do Império Inca, celebrado por sua versatilidade e perfil nutricional excepcional. As sementes da planta de amaranto são repletas de proteínas, incluindo lisina, um aminoácido frequentemente ausente em grãos de cereais, bem como uma riqueza de vitaminas, minerais e fibras alimentares. Essas características fizeram do amaranto uma fonte inestimável de sustento para os Incas e para os habitantes das regiões de alta altitude dos Andes.




O amaranto ocupou ainda um lugar significativo na vida espiritual e cultural do Império Inca. Como a quinoa, seu cultivo e consumo eram frequentemente interligados a práticas religiosas. Era comumente usado em cerimônias como oferendas aos deuses, simbolizando fertilidade e abundância. Os Incas reconheciam a resistência da planta e a honravam como um presente divino capaz de florescer onde outras plantações não conseguiam.




O amaranto é uma planta visualmente impressionante, conhecida por seus caules altos e eretos e flores vibrantes. Dependendo da variedade, as flores formam cachos densos que variam em cor de vermelho escuro e roxo a dourado e verde. Essas flores vívidas eventualmente dão lugar a pequenas sementes, que podem ser brancas, pretas ou uma combinação de tons. Cada planta é capaz de produzir milhares de sementes, garantindo uma colheita abundante mesmo em condições desafiadoras.




A planta é altamente adaptável, prosperando em uma ampla gama de altitudes e climas. Pode crescer em solos pobres e é resistente à seca, tornando-se uma cultura ideal para o ambiente andino acidentado. A resistência do amaranto foi um fator-chave em seu cultivo generalizado pelos Incas, que valorizavam as colheitas que pudessem suportar o clima imprevisível das terras altas.



Os Incas aplicaram suas técnicas agrícolas avançadas ao cultivo do amaranto. Campos em socalcos (1), uma marca registrada da agricultura inca, eram usados ​​para otimizar o crescimento do amaranto em encostas íngremes de montanhas. Esses terraços ajudavam a reter umidade, reduzir a erosão e criar ambientes de cultivo estáveis.
Os sistemas de irrigação foram projetados para garantir que as plantações de amaranto recebessem água adequada, mesmo em regiões áridas. Fertilizantes orgânicos, derivados de matéria vegetal e animal, eram frequentemente usados ​​para enriquecer o solo, garantindo que as plantas tivessem os nutrientes necessários para prosperar.


A preservação e seleção de sementes eram aspectos cruciais da prática agrícola inca. Os agricultores escolhiam cuidadosamente as sementes das plantas mais saudáveis, mantendo a diversidade genética e a resistência natural do amaranto. Essa abordagem meticulosa à agricultura permitiu que os Incas sustentassem sua população e se adaptassem às mudanças nas condições ambientais.



Embora sua proeminência tenha diminuído após a conquista espanhola, o amaranto tem experimentado um ressurgimento nos últimos anos. Seus benefícios nutricionais e capacidade de crescer em ambientes desafiadores lhe renderam reconhecimento como um "superalimento" e uma solução potencial para a segurança alimentar diante das mudanças climáticas.



Para as comunidades nativas dos Andes, o amaranto continua sendo um símbolo de sua herança cultural e conexão com a terra. Seu cultivo hoje não apenas preserva um aspecto importante da cultura andina, mas também serve como um modo de preservar a memória e a engenhosidade da Civilização Inca.

Ao celebrar o significado histórico e o potencial moderno do amaranto, preservamos, de alguma forma, a sabedoria dos Incas e seu relacionamento harmonioso com a natureza. A história do amaranto é um poderoso testemunho do legado duradouro de suas realizações agrícolas e seu respeito pelo mundo natural.


(1) Socalcos são plataformas de terreno cortadas em encostas ou morros, formando degraus. São construídos com o objetivo de facilitar o acesso a terrenos montanhosos e permitir o cultivo de plantas. 








Mais sobre a culinária inca: 

INTIP CHURIN - FILHOS DO SOL- O TRIGO E A PALHA

 Tupac Amaru I



"Orgulharem-se de ser Filhos do Sol era o que mais os obrigava a serem bons, para destacarem-se dos outros, na bondade e no sangue, de modo que os "índios"(as aspas são minhas) acreditassem que um e outro lhes veio por herança. E assim acreditavam, e com tanta certeza, na opinião deles, que quando algum espanhol falava elogiando alguma coisa das que os Reis ou algum parente deles tivesse feito, respondiam os "índios": "não te espantes, pois eram Incas." E, se, pelo contrário, desacreditavam de alguma coisa mal feita, diziam: "não acredites que Inca algum tenha feito isso, e, se fez, não era Inca, apenas algum bastardo espião." ... "(Garcilaso de la Vega) 
  
Ao estabelecer qualquer lei ou o sacrifício, tanto no sagrado quanto no profano de seu governo, atribuíam ao primeiro Inca Manco Capac, dizendo que ele tinha ordenado todas elas, algumas que havia deixado elaboradas e postas em uso, e outras delineadas para que seus descendentes, por sua vez, as aperfeiçoassem. Porque ele era o Filho do Sol, vindo do céu para governar e dar leis a todos, leis para o benefício comum dos homens e, também, os sacrifícios que eles deveriam oferecer em seus templos.


 
"Entre eles, um com o outro, diziam que o Inca, não contente de tê-los retirado das feras e tê-los transformado em homens, nem satisfeito com os muitos benefícios que lhes havia feito, ensinando a eles as coisas necessárias para a vida humana, as leis naturais para a vida moral e o conhecimento de seu Deus, o Sol, o que seria suficiente para que fossem seus escravos perpétuos, se fizera homem para dar-lhes suas insígnias reais e, finalmente, ao invés de impor tributos (1) e impostos, lhes havia transmitido a majestade de seu nome, de tal forma que entre eles era tido por sagrado e divino, que ninguém ousava proferi-lo senão com a maior reverência, só para citar o Rei; e que, agora, para lhes dar mais importância, tornou-se tão comum que todos podem falar de boca cheia, feito filhos adotivos, contentando-se eles em ser meros vassalos do Filho do Sol "(Garcilaso)


Todas as vezes que o Inca sentia-se morrer, dizia que voltaria "para o céu para descansar com seu pai o Sol". Assim, Manco Capac, o primeiro Inca disse a todos os Incas de privilégio que, tendo que deixá-los, para ir descansar com seu pai, o Sol, queria dar-lhes o máximo de seus favores, o sobrenome de seu nome real, "para que eles e seus descendentes vivessem honrados e estimados por todo o mundo. Então, para que vissem o amor que tinha por eles, como filhos, mandou que eles e seus descendentes, para sempre, se chamassem Incas, sem qualquer distinção ou diferença de uns ou outros, como haviam sido os favores e outras concessões passadas, mas que plenamente, e de forma geral, desfrutassem todos da majestade desse nome. "(Garcilaso)


Esses primeiros vassalos que teve Manco Capac, ele os amava como filhos e deu-lhes suas insígnias e nome reais e os chamou de filhos, porque ele esperava deles e seus descendentes que, como filhos, servissem ao seu Inca atual e aos que o sucedessem nas conquistas de outros "índios" para aumentar seu império, e que deveriam guardar tudo no coração e na memória, como vassalos leais. Só não queria que suas esposas e filhas se chamassem Pallas, como as de sangue real, porque não sendo as mulheres capazes de servir na guerra, tão pouco o eram para o sobrenome e nome reais. Estes são os chamados Incas de privilégio.  


Como relata Garcilaso, a quase total extinção do Incas reais e dos Incas de privilégio em sua época:



"Desses Incas, feitos por privilégio, são os que agora existem no Peru que são chamados Incas, e suas esposas são chamadas de Pallas e Coyas, por desfrutar da depreciação que a eles e às outras nações, nisso e em muitas outras coisas semelhantes, lhes fizeram os espanhóis. 


Que Incas de sangue real há poucos, e por sua pobreza e necessidade, desconhecidos, senão este ou aquele, porque a tirania e a crueldade de Atahualpa os destruiu. E os poucos que dela escaparam, ao menos os mais principais e notórios, acabaram em outras calamidades, como diremos em seus lugares. "(Garcilaso)




Das insígnias usadas pelos Incas na cabeça, o Inca Manco Capac reservou uma para ele próprio e os Incas (reis) seus descendentes: uma borla vermelha, como um 'rapacejo' (2), que se estendia pela frente de um lado a outro da face. A do príncipe herdeiro era amarela e menor do que a do pai. (3)


SEPARANDO A PALHA DO TRIGO... 




Considerando a grandeza das concessões e do amor com que o Inca as havia feito, os Incas de privilégio buscaram títulos que igualassem a altura da sua coragem e significassem, também, suas virtudes. Assim, entre outros títulos que inventaram, um foi Capac, que significa rico, não de bens materiais, que, como dizem, este Príncipe tinha riqueza de espírito, mansidão, misericórdia, generosidade, justiça, magnanimidade, desejo e obras para fazer o bem aos pobres. Assim, dignamente, o chamaram Capac - que também significa rico e poderoso em armas; o outro nome foi Huacchacúyac, amante e benfeitor dos pobres, para que significasse os benefícios que aos seus havia feito.
Desde então, o príncipe foi chamado Manco Capac, tendo sido chamado, até aquele momento, Manco Inca.


Como assegurou Garcilaso, Manco é nome próprio, mas "não sabemos o que isso significa na linguagem geral do Peru, ainda que na particular, que os Incas tinham para conversar entre si (a qual, me escrevem do Peru, já se perdeu completamente) deve ter tido algum significado... "(4)


O nome Inca, quando usado para o Príncipe, significa Senhor, Rei ou Imperador, para os demais significa senhor, e em todo o seu significado, significa homem de sangue real, porque os curacas (chefes), por maiores senhores que fossem, não eram chamados Incas.


Para distinguir o Rei dos demais Incas, o chamam  Zapa Inca, que significa Único Senhor. Também chamavam a este seu primeiro Rei e a seus descendentes Intip Churin, que significa Filho do Sol, mas este nome não lhe davam por imposição, mas porque acreditavam nisso.


O Inca Manco Capac morreu e deixou por príncipe herdeiro Sinchi Roca, seu filho primogênito e da Coya Mama Ocllo Huaco, sua esposa e irmã. Além do príncipe deixou outros filhos e filhas, que se casaram uns com os outros, para manter limpo o sangue que descendia do Sol, porque ele realmente deveria permanecer limpo, sem misturar-se com outro sangue, porque o tinham por divino e todos os outros por humano, embora de grandes senhores, de vassalos chamados curacas.

O Inca Sinchi Roca se casou com Mama Ocllo (ou Mama Cora) sua irmã mais velha, para imitar o exemplo do pai e dos avós Sol e Lua, porque acreditavam que a Lua era a irmã e esposa do Sol. Fizeram  este casamento para conservar limpo o sangue e para que ao filho e herdeiro lhe pertencesse o reino tanto por sua mãe como por seu pai. Os outros irmãos, legítimos e ilegítimos, também casaram-se uns com os outros, para preservar e aumentar a sucessão dos Incas. 

Mas o casamento destes irmãos, uns com os outros, que havia ordenado o Sol e que o Inca Manco Capac havia mandado, foi porque não tinham filhos com quem se casassem, de modo que o sangue fosse mantido limpo. A partir de um certo momento, não podiam mais casarem-se com a irmã, apenas o Inca herdeiro, o que conservaram eles no processo da história.



O Inca Manco Capac foi pranteado por seus súditos com grande sentimento e choro e o funeral durou muitos meses; embalsamaram seu corpo para tê-lo consigo e mantê-lo à vista; adorando-o como Deus, Filho do Sol; oferecendo-lhe muitos sacrifícios.
  
É verdade que os Incas fizeram as leis e ordenanças, recuperando algumas, novamente, e reformando outras, segundo eram solicitadas pelo tempo e as necessidades. O importante a definir é, ainda que um ou outro Inca tenha se destacado como grande legislador, dando muitas leis novas, emendando e ampliando todas as que encontrou prontas, e que tenha ordenado muitos ritos e cerimônias em seus sacrifícios, transformando muitos templos com grandes riquezas, e que tenha ganho muitos reinos e províncias, isso tudo era atribuído ao primeiro Inca, como no início de seu império. 


Pedro de Cieza de León, na primeira parte da 'Crónica del Peru', escreveu em cada província a relação que davam dos costumes de cada uma delas, bárbaras ou políticas, dizendo o que cada nação tinha antes que os Incas as tivessem conquistado e o que tiveram depois  de terem prevalecido. Demorou nove anos para recolher e escrever as relações que lhes foram dadas (1541-1550):


"Por que nesta primeira parte tenho muitas vezes que tratar dos incas e dar notícia de muitos edifícios e outras coisas memoráveis, pareceu-me justo dizer algo sobre eles neste lugar, para que os leitores saibam o que estes senhores foram e não ignorem o seu valor....


...havia antigamente grande desordem em todas as províncias deste reino que chamamos de Peru, e que os nativos eram tão irracionais e ignorantes, que é inacreditável, porque dizem que eram muito brutais e que muitos comiam carne humana...
...saíam a guerrear entre si e se matavam e aprisionavam a todos os que pudessem...


Estando dessa forma todas as províncias do Peru, surgiram dois irmãos, um deles tinha por nome Manco Capac,... Esse Manco Capac fundou a cidade de Cozco e estabeleceu leis a seu modo, e ele e seus descendentes foram chamados de Incas, cujo nome que dizer ou significar Reis ou Senhores. Eles tinham tanto poder que conquistaram e imperaram desde Pasto até o Chile. E suas bandeiras estavam, ao sul até o rio Maule e ao norte até o rio Angasmayo, e esses rios eram os termos de seu império, tão grande que, de uma parte a outra tem mais de de mil e trezentas léguas. 

Eles construíram grandes fortalezas e fortes edifícios, e em todas as províncias colocaram capitães e governadores. Eles fizeram coisas tão grandes, e tiveram tão bom governo, que poucos no mundo os superaram. Eles eram muito brilhantes e tinham relevo mesmo sem as Letras, porque estas não foram encontradas nestas partes das Índias.


Eles ensinaram bons costumes a todos os seus súditos e lhes ordenaram para que calçassem sandálias em vez de sapatos, que são como 'albarcas'(5). Eles se preocupavam muito com a imortalidade da alma e outros segredos da natureza. Eles acreditavam que havia um Criador de todas as coisas, e ao Sol tinham por Deus Soberano, para o qual construíram grandes templos. "(Cieza de León)


FALAREMOS DAS LEIS EM OUTRO CAPÍTULO DESSA HISTÓRIA...

Os sacerdotes da casa do Sol, em Cuzco, eram todos Incas de sangue real, mas para os outros serviços do templo eram Incas de privilégio. 
O Sumo Sacerdote, ou Sacerdote Principal, deveria ser um tio ou irmão do Inca ou, pelo menos, de sangue legítimo, de modo que os sacrifícios e cerimônias estivessem em conformidade com o templo metropolitano - em todos os negócios proeminentes, de paz ou de guerra, colocavam Incas por superiores.

Deixo a Cieza de León as últimas palavras, vindas do passado, tentando fazer do futuro uma esperança...

"... Ganharam tanto a graça de todos, que foram por eles amados em grau extremo, como me lembro de ter visto através dos meus olhos a velhos índios, diante de Cuzco, olhar para a cidade e fazer grande alarido, o que se transformava em lágrimas de tristeza, contemplando o tempo presente e se recordando do passado, onde, naquela cidade, por tantos anos tiveram por senhores gente sua, que haviam sido capazes de atraí-los para o seu serviço e amizade de uma forma diferente da maneira dos espanhóis. " (Cieza de León)

"Mas deixemos o que foi feito para Deus, que Ele sabe porquê e, no que de aqui por diante for feito, supliquemos que nos dê Sua graça para que paguemos alguma coisa a pessoas que tanto devemos e que tão pouco nos ofenderam para terem sido tão molestadas por nós, estando o Perú e as outras Índias tantas léguas de Espanha e tantos mares no meio. (Cieza de León)


                                                                 ######

*Onde houver aspas na palavra "índio ou índios", as aspas são minhas, e não do autor.

(1) Pechos são aqueles pagos ou contribuições que davam ao Rei os homens bons chamados, comumente, plebeus (pecheros), ou do estado geral em razão de sua vassalagem, defesa na guerra e conservação na paz.
(2) rapacejo - Fio coberto ou 'fio de alma', de cânhamo ou o algodão, sobre a qual se torce estame, de seda ou de metal para formar franjas. Fio de alma, é o fio que forma o núcleo da resultante. 

(3) Esta borla vermelha, que era a insígnia da dignidade real, chamava-se Mascapaicha (e não Mascaipacha, como é, muitas vezes, erroneamente, escrita e, apesar da vermelha ser usada, apenas, pelo Soberano, franjas semelhantes eram utilizadas pelos nobres e parentes.

(4) Alguns autores consideram a Língua Puquina como a Língua falada pelos Incas.

(5) albarca - Rústicos sapatos de couro, ou de borracha que cobre a planta dos pés e os dedos, com uma borda em torno dela, e amarrados com cordas ou correias para o peito do pé ou tornozelo.
 



BIBLIOGRAFIA


Garcilaso de la Vega, Comentarios Reales.
Pedro de Cieza de Léon, La crónica del Peru.




                                                         


1.17.2025

FILHOS DO SOL (CAPÍTULO VI)



Eu me afastara dos outros por conta das espécies botânicas que eu, como uma criança que abre presentes, estava descobrindo. Uma após outra, iam me conduzindo para longe do acampamento, espécies que eu só vira no banco de dados do Kew Gardens. O banco de dados do Kew Gardens oferece informações botânicas de uma enorme diversidade de espécies. Era o local que eu costumava frequentar para satisfazer minha necessidade de conhecimentos botânicos, satisfazendo-me com seus dados recheados de nomes científicos e áreas de origem das espécies.


Agora, eu me sentia realmente perdido na paisagem, por dentro e por fora, literalmente engolfado no verde composto dos arbustos e gramíneas que formam os páramos, a uns três mil metros, talvez. Eu já perdera a noção de meu próprio espaço, a altitude começava a moldar meus sentidos e os pensamentos já não eram tão seguros quanto eu achava que fossem.

Eu mal me lembrava de onde havíamos começado nossa jornada, não conseguia lembra-me do número de dias que já havíamos vencido. Mas, lembrava-me perfeitamente de que o Corredor Ecológico Llanganates-Sangay começa nos páramos gelados, entre dois mil e oitocentos e quatro mil metros, antes dos topos nevados de maior altitude, e de que era composto de arbustos e gramíneas, o que me levava a pensar que, talvez, estivéssemos ainda no começo da nossa aventura. No entanto, as vastas montanhas coloridas de cor escura manchada de amarelo pareciam feitas de distante sonho, agora que os meus passos resvalavam na lama escondida sob o tapete de musgo e a gravidade parecia me arrancar dos meus passos e eu continuava descendo por uma paisagem misturada de lagoas, páramos e rios, lembrando-me de que, seguramente, isso só seria possível se estivéssemos a uns mil metros de altitude, onde, desde o começo, tudo é água e estreitos caminhos de pedra e terra nos permitem adentrar essa região de montanhas, pântanos andinos e estonteantes paisagens. 

Eu descia tão depressa que o meu pé resvalou em uma pedra polida e eu cai, dando uma cambalhota, indo parar deitado de costas, minha cabeça escorregando no sentido contrário das alturas e os pés no rumo do topo. Fiquei deitado assim, olhando o céu, estranhamente azul, azul demais, enquanto uma luz intensa moldava os arbustos de um verde profundo, emoldurando minha visão periférica.

Lenbrava-me de ter visto o que parecia ser uma lagoa escondida na neblina, mas quando fora isso? Ontem? Sim, a mil e duzentos metros  de altitude há  lagoas  na paisagem verdejante escondidas na neblina. Lembrei-me de que havíamos esboçado um mapa no qual escrevêramos instruções de que, em algum momento, estáríamos seguindo as águas do rio Ana Tenório, no Parque Llanganates, onde os páramos se convertem em florestas com árvores de até 8 metros.

Comecei a ouvir o vozerio confuso e alto das vozes que se chocavam umas com as outras e reconheci o sotaque dos guias e a fala dos companheiros, ainda que não entendesse nada do que diziam. De repente, o silêncio gritou mais alto e a noite desceu de uma vez, caindo sobre mim como um manto negro e pesado. No entanto, em um clarão repentino, minha dificuldade em ver passou a ser devido à observação direta de uma repentina luz de forte brilho, como a luz direta do Sol, talvez refletida, não sei, nunca soube, nunca saberei.


Sentei-me, como pude, as dores acumuladas de tantos percalços confundindo minhas sensações. Eu vi de relance alguém que eu não conhecia, por um breve momento, breve o bastante para deixar-me em dúvida do que eu vira, como um raio de luz na escuridão. Era um homem alto e atlético, uma figura imponente e terrível, embora de um semblante sereno e, não sei por que, eu me lembrei de Rumiñahui.



Ao saber da morte de Atahualpa, Rumiñahui rumou para o leste, para as Montanhas Llanganates, para a sombria região de pastagens remotas e enevoadas, lá escondendo todo o tesouro em uma caverna impossível de ser encontrada. Rumiñahui foi capturado e torturado pelos espanhóis, sem ter jamais revelado a localização do tesouro de Atahualpa que havia escondido.






                                                              


1.12.2025

A FORTALEZA VERMELHA - PARTE 1


Nos Andes havia umas flores chamadas panti (1) que, resistentes, semeavam a si mesmas, as sementes germinando ao cair na terra. Crescíam bem, mesmo em solos pobres ou quando em áreas mais secas, florescendo a pleno sol, embora tolerassem as sombras. Resistentes a épocas mais áridas, às pragas ou doenças, suas flores atraíam pássaros e borboletas de todas as cores; cobrindo as planícies e as alturas com uma cor vermelho-sangue. 

Dizem que está extinta em seu ambiente natural mas, espero que possa renascer e, até mesmo, por algum milagre da natureza, nos guiar, em meio à destruição de seu habitat, por entre as ruínas de um Império tão antigo e esquecido que eu já não sei mais onde buscar.

A planta herbácea, perene, atingia até sessenta centímetros de altura; suas folhas verdes, longas, compostas de folíolos, marcavam as flores que se produziam em um capítulo de cor vermelho escuro. O anel de flores exteriores, assimétricas, com aspecto de pétalas, formado por um simples círculo de flores, em geral oito, despertava uma fragrância suave, especialmente no período da tarde e no quente verão. A floração era abundante, de junho a outubro, pelos caminhos, encostas e vertentes, mas quando cortaram as flores mortas, as extinguiram, como extinto foi o sangue Inca, ao ser derramado, cobrindo os Andes.

Eu quero falar com você a respeito dos Incas. Os Incas foram uma grande família que, tendo criado e organizado um grande império abrangendo uma imensa extensão de terras, com milhões de pessoas vivendo harmoniosamente sob a égide do Sol e de seus Filhos, de um momento para outro ruiu como um castelo de cartas em chamas. Essa história, de tão grande tristeza, consegue quase apagar ou, pelo menos, esfumar, os anos de ouro de suas origens místicas e míticas.

De acordo com o Testemunho do Inca Titu Cusi Yupanqui, datado do dia 8 de julho de 1567, quando os primeiros conquistadores chegaram à cidade de Cuzco, Juan Pizarro prendera seu pai, Manco Inca, sob o pretexto que ele queria rebelar-se com todos os habitantes do reino e, por resgate, exigira uma sala cheia de ouro e prata. Mesmo sendo mentira, para redimir-se da humilhação, Manco Inca deu-lhe muitas cargas desses minerais.

Então, segundo ele, veio Gonzalo Pizarro, como corregedor, e mandou-o para a prisão, sob o pretexto que ele queria fazer um levante novamente, e pediu outro ambiente cheio de ouro e prata e colocou uma corrente em torno de seu pescoço,  levando-o por toda a cidade de Cuzco, diante de seus súditos, esposas e filhos, com muita ignomínia. E quando  Manco Inca não tinha mais nada para redimir-se da humilhação, chegou à cidade de Cuzco Hernando Pizarro como corregedor e ordenou que ele fosse solto e depois de soltá-lo, continuou a pedir-lhe muito ouro e prata dizendo que seria por tê-lo libertado. Não tendo com que subornar Hernando Pizarro e temendo que o mandassem de novo para a prisão e o torturassem e humilhassem, chamou a todos os capitães e chefes do reino e levantou-se contra o domínio espanhol na fortaleza de Cuzco; cada um dos chefes, em suas terras, rebelaram-se com ele. E, assim, mataram muitos cristãos. 

Em meio ao levante, quando já se encontrava na fortaleza de Pucara, os espanhóis o alcançaram, tomaram-lhe sua irmã e mulher chamada Coya Cura Ocllo, e a levaram a Tambo e, alí, atiraram nela, matando-a. Manco Inca, então, cheio de revolta, lutou com os espanhóis e matou muitos deles.

Pucara (2), cujo significado é "fortaleza vermelha", agora é apenas uma ruína Inca, perto da estrada que vai de Cusco ao Antisuyo, a selva amazônica.
Pucara, que está muito perto de Tambomachay, outra ruína na área, era um posto de controle militar. O complexo complexo dispõe de armazéns, casas, fontes e aquedutos.
A "Fortaleza Vermelha", com seus muros de cor avermelhada, tomou este nome a partir da cor das pedras, especialmente ao entardecer quando, sob as luzes do crepúsculo, a rocha é muito vermelha.

Hoje, as ruínas conservam os restos do que um dia foram torres de vigilância e muralhas, características de um sítio militar com praças, escadarias e aquedutos. A proximidade de Tambomachay também é importante porque,  em tempos ainda mais antigos, o governante Inca costumava visitar, regularmente, os banhos de Tambomachay, toda vez que seu exército e funcionários se alojavam em Pucara.
A nove quilômetros da cidade de Cuzco, facilmente acessível, o trajeto que, de automóvel, dura de quinze a vinte minutos em média, também pode ser feito a pé em umas duas horas. Hoje não é considerado um lugar muito importante, não é encontrado em muitos mapas da região, por isso poucas pessoas chegam a visitá-lo.


Voltando um pouco atrás no tempo...


Como em uma pintura a óleo sobre tela, as ruínas parecem, ainda, brilhar ao sol de um passado distante, quando Manco Inca ansiava por liberdade, tentando, desesperadamente, retomar o caminho da história até as tardes tranquilas de sua infância. Imagino seus olhos cheios de lágrimas represadas, como tempestade que ameaça sem cair, pensando em sua esposa morta, tentando olhar, apenas, para as planícies e encostas vermelhas de "Panti Pampa"(3).

Considerando o que se passava naquela época, segundo as própias palavras de Murúa que chegaram até nós, e que eu tentei ressaltar aqui com as minhas próprias cores, e que são um choque de realidade em nossa mente buscadora da verdade, quando tentamos entender o que, realmente, acontecia naquele instante da história dos Incas... antes e depois da batalha de Salinas, o povo, que os espanhóis chamavam de "índios", e que habitava, ou que estava em Cuzco e em seus arredores, não fazia idéia de onde estava Manco Inca. Desse modo, iriam reconhecer Paulo Topa como filho de Huayna Capac, o que significava colocá-lo como Inca, mesmo que Paulo não fosse filho da esposa principal de Huayna Capac, como seria necessário para ser alçado Inca. "Os espanhóis vizinhos e os "encomenderos"(*) deles, querendo evitar incovenientes que poderiam acontecer caso eles se acostumassem com ele, e para que Paulo Topa não se sentisse cheio de soberba, ordenaram que ninguém deveria ir à sua casa, apenas seus servos. Assim, a partir de então, ninguém mais se dirigia à casa dele, nem o reverenciava, pelo que, finalmente, entenderam os espanhóis que, desta forma, tirariam dele a oportunidade de se rebelar, como seu irmão."

Esta era a situação em Cuzco, enquanto nas montanhas...

"Manco Inca, naquele momento, não descansava, antes andava causando muitos males e roubos, destruindo tudo o que podia, e como as novas chegassem aos espanhóis, querendo acabar de uma vez com o que inquietava a terra, saíram de onde estavam e lutaram bravamente, matando muitos índios, e o desbarataram e feriram até a província de Vitcos, em Vilcabamba, e foram atrás dele até lá. "


"Paulo Topa os seguiu,

e um dia o tiveram tão apertado que lhe tomaram o andor que o levava e a tiana - que é o assento onde se sentava-, e ele escapou nas montanhas, onde se escondeu com muitos índios, e outros, que não puderam segui-lo, não tiveram vontade de andar, já cansados, vieram a Cuzco, e dalí cada um foi para suas terras, e os espanhóis, como viram que Manco Inca tinha escapado de suas mãos, voltaram para Cuzco, e Manco Inca se foi à sua Guamanga com o povo que restara, e lá praticava todos os males que podia. "


Jimenez de la Espada descreve a "Guamanga de Manco Inca" em seu livro, Relaciones Geograficas de Indias, como "terra cheia de curvas e cavernas: nas alturas é terra fria, nua, seca e estéril; embaixo, onde há rios e córregos de água, é terra temperada e fértil; alí, dá qualquer coisa... "

Segundo o autor, os rios e riachos desciam das montanhas nevadas e desertas e íam profundos e resistentes, estreitando vales.


Ele a descreve quando o Inca já não vivia mais. Na época, todos ocupavam as terras desde as alturas ao chão, em terra mais fria do que quente. Nas alturas e encostas, por causa das chuvas, tiravam proveito dos dois extremos: da terra fria, para apascentar o gado doméstico, aqueles que os tinham e, também, caçar; e, da quente, para as lavouras. No tempo dos espanhóis, "todas as casas eram pequenas e humildes e, a maioria, redondas, suprindo com arte a pobreza e necessidade de roupa."

Três ofícios ​​ainda eram usados: oleiros, carpinteiros e ourives. No entanto, como eles não conseguiam sustentar-se com seu trabalho nas cidades, onde ganhavam vendendo para os espanhóis, poucos foram aqueles que ficaram, só os que tinham algum gado remanescente da época dos Incas; estes eram os mais remediados e o principal modo de vida dos montanheses era o trabalho no campo.

"O caminho real que chamam de Guainacaba (3), que parte de Quito, pelas montanhas para ir a Cuzco e Charcas, divide os povoados dessa província, entrando pela praça da cidade. Os índios que vivem do lado esquerdo, que é para o Andes, alcançam boas terras. Têm chácaras de coca, algodão e pimenta, pelos quais pagam tributo, e obtêm seus pagos e benefícios. Aqueles que vivem do lado direito, entre o caminho real e a cordilheira, que é nas planícies, não têm tais terras, mas têm despovoados e algumas cabeças de gado e caça, dos quais se sustentam, vestem e fazem carne seca, chamada charque, e disso obtêm seus pagos e contratos com os outros. 
As chácaras de coca que agora têm os índios, eram todas do Inga e nenhum chefe ou índio as tinha; e da que agora colhem trezentos e quatrocentos cestos, naquele tempo não colhiam dez, daí se conclui que no tempo dos espanhóis se multiplicou, tornando-se tão comum aos índios."(*)

Pois bem, quanto a Manco Inca...  (continue lendo na Parte 2)





(1) Cosmos é um gênero, com o mesmo nome comum de Cosmos, de cerca de 20-26 espécies de plantas anuais e perenes da família Asteraceae.



(2) Puca Pucara.

(3) Campo de Panti (cosmos)

(4) Huayna Capac.

Bibliografia 
(botânica)

(4) No livro El Mundo Vegetal de los Antíguos Peruanos de Eugenio Yacovleff e Fortunato L. Herrera temos:
color encarnada

86. PANTI; ID.  Holguín Cosmos peucedanifolius var tiraquensis (Kunth) Scharff (Fam. Compositae) PANTI Planta herbácea, anual, de folhas muito divididas, flores de cor vermelha. Cresce no desfiladeiro de Apurimac. Cultiváveis como planta ornamental, suas flores são usados ​​como um sudorífico. Nas festas de carnaval, que substituíram as que celebravam entre os incas para incentivar a procriação das llamas, os índios usam as flores de panti em forma de mistura para atrair prosperidade. O povoado de Pantipata, que significa "uns andenes e, neles, flores vermelhas." (GIR 207, II).

“Panti-flor vermelha, símbolo de ternura” (Holguín)

--Outros estudos feitos com Panti: Especímes examinados: Sra. A. F. Bandelier 18, alt. 12,500 feet(pés), Titicaca, Lago Titicaca, Bolivia, 1905 (N. Y.; nomen incolarum; aymaranarum, Panti-Panti); CL Gay, Departmento de Cuzco, Peru, October, 1839-February, 1840 (Par. tipo de Cosmos subpubescens Wedd.) F. L. Herrera, alt. 3,000-3,600 metros, Cuzco, Peru, July, 1923 (U. S.); idem 1025, alt. 3,700 metros, Hacienda Churu, Provincia de Paucartambo, Departmento de Cuzco, Peru, enero (e pittacio lectoris ipsius), 1926 (Field; Gray, 2 sheets; Mo.; N. Y.; U. S.; nom. vulgare, Panti) em lugares não cultivardos, terrenos com matas(arbustos), etc, perto de Sorata, nos terrenos de mato  por toda parte, perto de Sorata, janeiro-marçoo de 1859 (Del.; Gray; N. Y.) A. Mathews, Provincia de Chachapoyas, al norte del Peru (Gray, 2 folhas; material tipo de C. marginatus Klatt); A. Weberbauer 6S81, Peru, 1909-1914 (Field); idem 7597, alt. 3,600 metros, na estepe de gramíneas com arbustos de dispersão, Valle de Yanahuajra, Provincia de Huanta, Departmeno de Ayacucho, Peru,18 de marzo de 1926 (Field).
Weddell’s C. subpubescens se baseou em uma planta de Gay fde a Província de Cuzco, Peru.



Bibliografia


1) (En el testemonio del Inca Titu Cusi Yupanqui, hijo de Manco Inca, 8 de julio de 1567, in Matienzo).

(Carta-Memoria del Inca Titu Cusi Yupanqui al Lic. Matienzo, junio de 1565, in Matienzo).


2) Juan de Matienzo, Gobierno del Peru.


3) Fray Martín de Murúa, Historia General del Peru.--Juan de Matienzo, Gobierno del Peru.

4) Jimenez de la Espada, Relaciones Geograficas de Indias.










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1.10.2025

A importância do casamento na sociedade incaica.



Casamentos no Império Inca: Uma Celebração de Unidade e Tradição


Conhecidos por sua sociedade avançada e rica herança cultural, os Incas também tinham tradições únicas em torno do casamento e da vida familiar. Os casamentos desempenhavam um papel crucial na sociedade Inca, simbolizando unidade e continuidade dentro de suas comunidades. Enraizados na praticidade e guiados por normas sociais, os casamentos Incas refletiam os valores e costumes de uma das maiores civilizações da América pré-colombiana.


Casamento como uma Instituição Social

Para os Incas, o casamento não era apenas uma união pessoal, mas também uma expectativa social. Esperava-se que a maioria dos homens e mulheres do povo Inca se casasse, pois as unidades familiares eram essenciais para manter o estilo de vida agrícola e comunitário que sustentava o império. Os  homens geralmente se casavam no início dos vinte anos, enquanto as mulheres no final da adolescência.

Quando falamos de Incas, precisamos pontuar que Inca era uma família poderosa que governava um "império". Os Incas dominavam a América do Sul, antes da chegada dos espanhóis. O império se estendia, a partir de Cusco, atual Peru, em todas as direções, alcançando Chile, Argentina, por exemplo. Precisamos lembrar que o "Império Inca" era multiétnico e tinha uma sociedade hierarquizada.  A família do Sapa Inca, o "imperador", era considerada nobre, mas também havia uma nobreza que era nomeada por ele.


O casamento também era um meio importante de estabelecer alianças dentro do ayllu, a unidade social e econômica básica da sociedade Inca. Os ayllu, um grupo de famílias que trabalhavam juntas em terras comunais, dependiam dos casamentos para fortalecer os laços e garantir a sobrevivência do grupo.


O Processo de Casamento

Os casamentos Incas eram frequentemente arranjados, embora houvesse espaço para escolha pessoal dentro de certos limites. Pais ou líderes comunitários normalmente desempenhavam um papel significativo na seleção de parceiros adequados, considerando fatores como status social, habilidades e compatibilidade. No entanto, os indivíduos podiam expressar suas preferências, e o acordo mútuo era um componente essencial da união.


O processo de casamento começava com um acordo formal, geralmente marcado por uma cerimônia simples. Em alguns casos, os casais participavam de um período de teste conhecido como "servinakuy", onde viviam juntos para testar sua compatibilidade. Se o arranjo fosse bem-sucedido, a união era finalizada por meio de uma cerimônia de casamento.


Rituais e costumes de casamento

As cerimônias de casamento variavam dependendo da região e do status social do casal, mas os temas comuns incluíam o envolvimento da comunidade e atos simbólicos. Os rituais enfatizavam os aspectos práticos e espirituais do casamento, alinhando-se com a visão de mundo dos Incas.


Uma tradição fundamental envolvia a troca de presentes, como tecidos, alimentos ou ferramentas, simbolizando o compromisso do casal em compartilhar responsabilidades e recursos. Outra prática comum era o ato simbólico de amarrar as roupas do casal, representando sua unidade e interdependência.


A festa de casamento era uma parte central da celebração. Os membros da comunidade se reuniam para compartilhar comida e bebida, muitas vezes incluindo uma bebida fermentada de milho (chicha) e pratos tradicionais. Música e dança aumentavam a atmosfera festiva, reforçando o espírito comunitário do evento.


Para casamentos nobres ou reais, as cerimônias eram mais elaboradas e frequentemente tinham implicações políticas. Essas uniões podiam solidificar alianças entre diferentes regiões ou ayllus, fortalecendo ainda mais a coesão do império.


Papéis e responsabilidades na vida conjugal

A sociedade Inca via o casamento como uma parceria em que ambos os cônjuges contribuíam para a casa e a comunidade. Os homens eram tipicamente responsáveis ​​pelo trabalho agrícola, pastoreio e construção, enquanto as mulheres administravam as tarefas domésticas, incluindo tecelagem, preparação de alimentos e criação dos filhos. Essa divisão de trabalho garantia o bom funcionamento da casa e do ayllu mais amplo.


Os Incas davam grande importância ao respeito mútuo e à cooperação no casamento. O divórcio era raro, mas permitido em certas circunstâncias, como infertilidade ou conflito persistente. Líderes comunitários ou anciãos frequentemente mediavam disputas, refletindo a abordagem coletiva para a resolução de problemas na sociedade.


Significado espiritual e cultural

Tendo sempre em mente a diferença que havia  entre Incas de sangue, outros menbros das panacas (parentes do Inca), incas de privilégio (pessoas importantes pelos serviços prestados, como sacerdotes e chefes), o povo m geral, como camponeses, os mitimaes (grupos enviados para colonizar novas regióes, ensinando língua e costumes) e mesmo os servos do Inca e do império, tendo em mente tudo isso  e a"administração" dessas diferenças, o casamento entre os Incas  estava profundamente entrelaçado com crenças espirituais. Os Incas acreditavam que a união de dois indivíduos refletia a harmonia da natureza e do cosmos. Os rituais frequentemente incluíam oferendas aos deuses, buscando bênçãos para fertilidade, prosperidade e harmonia.O conceito de dualidade, ou "yanantin", era central para o pensamento inca e se refletia no casamento. Este princípio enfatizava o equilíbrio e a complementaridade, vendo a parceria entre marido e mulher como um reflexo da interconexão do mundo natural.


Conclusão

Os casamentos entre os Incas enquanto povo eram mais do que marcos pessoais; eram eventos cruciais que reforçavam a estrutura social, os valores culturais e as crenças espirituais. Ao enfatizar o envolvimento da comunidade, o respeito mútuo e a harmonia com a natureza, os Incas criaram uma tradição conjugal que era prática e profundamente significativa. Esses costumes oferecem um vislumbre da rica tapeçaria da vida em uma das civilizações mais fascinantes da história.


Conta uma antiga tradição Inca que Huascar Inca, solenemente, com suas próprias mãos, calçou uma sandália no pé direito da eleita de seu coração, ao torná-la sua legitima esposa.


"Casa-te com teu igual." -provérbio Inca. (Varela, 1945).


Você pode ler sobre o casamento do Inca Huascar nesse mesmo blog:

https://princesinhadisol.blogspot.com/2012/02/huascar-e-chuqui-huipa-bodas-de-sonho.html