"O aventureiro olhou para o alto, ansioso por fincar bandeira nas alturas do Aconcágua. Estava a dez passos do "Cementerio de los Andinistas" (1) e podia sentir o desalento que perpetua a história dos que tombam sem hastear a bandeira de seus países; enterrados,ali como atestado do despreparo, da irresponsabilidade ou da falta de sorte. Procurou não pensar, evitou sentir. Seu pé fincava-se, no chão, com força, em uma desesperada tentativa de enxergar-se maior do que a empreitada. O guia aproximou-se, calmamente, com um sorriso e uma desculpa. Hoje, não iriam a lugar nenhum. O clima mudara, rapidamente, outra vez, seria impossível alcançar o topo nos próximos dias. Ele tentou retrucar, calando-se, imediatamente, ao lembrar-se do cemitério. O guia consolou-o: ainda não afrontaria o vento gelado da montanha mas... mostrar-lhe-ia os segredos e mistérios da Ponte do Inca..."
No caminho para Las Cuevas, na fronteira com o Chile, encontramos um dos balneários mais famosos da Argentina. Os banhos nessas águas são recomendados para diversas doenças e as características naturais da região rivalizam com o mistério de suas lendas... para encantar-nos.
Em 1965, uma devastadora avalanche destruiu o lindo Hotel Puente del Inca que havia, anteriormente, sobrevivido a inúmeras catástrofes. Era uma construção sólida, suntuosa, com acesso subterrâneo aos banhos termais - nessa área emergem fontes de água quente, mineral, que borbulham sem parar.
As provas do deslizamento ainda estão lá, revelando a cascata de rochas que rolou, abruptamente, para o fundo do vale.
Felizmente, hóspedes e funcionários foram salvos "milagrosamente" ao abrigarem-se na igrejinha que permaneceu intacta e pode ser vista ainda hoje.
Localizada na Cordilheira dos Andes, a 2.720 metros acima do nível do mar, a Puente del Inca (Ponte do Inca), é famosa por ser uma ponte natural, única no mundo, declarada Monumento Natural. Ao que parece, teria sido formada pela ação das águas excessivamente minerais e pela ação das águas termais nos sedimentos depositados no fundo de uma cavidade. Devido a elas, a coloração laranja, amarela, ocre tinge toda a área e, qualquer objeto que se coloque sob elas fica de tal forma impregnado de sais minerais que adquire uma aparência de pedra.
Na margem direita, as famosas termas com cinco fontes do mesmo tipo, mas de diferentes temperaturas e componentes. A paisagem, cercada de montes, estica-se dezenas de metros sob a Ponte, nas águas do rio Las Cuevas.
Quarenta e sete metros de comprimento por vinte e oito de largura sobre o Rio Las Cuevas. Chama-se Ponte do Inca porque a nobreza Inca servia-se de suas medicinais águas termais que fluem das piscinas sob ela.
A história da Ponte começa com o Caminho do Inca e suas lendas...
Supõe-se que os Incas tenham aproveitado de suas águas com propriedades curativas. Sua fama vem, justamente, de seus banhos termais. Construções existentes, ao lado e sob a ponte, como pequenas piscinas por onde as águas correm termais, originárias de fontes naturais com temperaturas variando entre 34 e 38 graus. Os banhos são recomendados para perturbações do sistema nervoso, doenças reumáticas, tratamento ginecológico, crianças anêmicas, raquitismo e artrite.
A área é ideal para o turismo de aventura, escalada de montanha, equitação e esportes na neve.
Nas proximidades, encontra-se o "Cerro Los Penientes", chamado assim porque seus paredões de pedra, quando olhados da distância, parecem enormes monjes em procissão.
Desde a ponte, quando o sol faz brilhar o amanhecer em tons, absolutamente, dourados, revelando estalactites de rocha, há um mundo mágico que nos transporta, desenhando fluidos arco-íris na água e no gelo, insinuando conotações fantásticas na natureza que sempre fez do lugar algo sagrado para os Incas.
O nome do lugar vem de uma lenda...
Há muito, muito tempo... muito antes da chegada dos espanhóis...
A LENDA DA PONTE DO INCA
O sucessor do Império Inca encontrava-se, gravemente, enfermo. Ele era um príncipe sábio e justo, como o pai, e todos o amavam muito. Em todo o Tahuantinsuyo todos oravam aos deuses fazendo sacrifícios e oferendas por sua saúde. Porém o príncipe só piorava e todos temiam que sua morte colocasse em risco o futuro do Império. Ao consultarem os Amautas (2), estes disseram que o príncipe recuperaria a saúde se pudesse banhar-se nas águas de um certo lugar, muito distante, na direção do sul, entre as rochas e montes da Cordilheira. Lá, segundo eles, brotava uma água capaz de curar todas as doenças.
No entanto, para se chegar lá, deveriam atravessar distâncias, desertos e escalar montanhas. Sem perder tempo, o Inca ordenou que se preparasse uma comitiva para acompanhar o príncipe e pela manhã partiram de Cusco em busca das poderosas águas. Ao amanhecer, seguiram pela estrada - com muitas lhamas, carregadas de alimentos e de todo o necessário para uma viagem tão longa. Apesar da preocupação com o príncipe, a viagem lhes proporcionou conhecer uma parte do Tahuantinsuyo que os deixou maravilhados.
A longa travessia os conduziu por montanhas abruptas, vales tranquilos, campos desertos e prados verdejantes, rios, riachos, noites enluaradas e dias de ouro e luz. Por dias e dias estiveram a caminho, compartilhando com a natureza e seus deuses uma experiência única.
De dia o sol lhes proporcionava todas as nuanças de verde e o colorido de muitas flores exóticas; a grandeza e o esplendor da natureza os arrebatava. À noite, os espectros gigantescos das montanhas os colocava, diante do desconhecido, com assombro - sons e ruídos como se a terra falasse com eles com voz que só eles pudessem compreender, repetindo o eco nos precipícios, na imensidão dos vales.
Até que, como um anúncio de que estavam próximos do objetivo, estacaram, paralisados pela visão do monte mais bonito e misterioso que haviam visto. Estavam diante do Aconcágua, o pico mais alto da Cordilheira dos Andes e seu poderoso Apu (3).
Vencendo a surpresa e o entusiasmo, seguiram em frente e, depois de uma curta caminhada, na qual muitas lebres atravessaram seu caminho como que para saudá-los, chegaram, quase no final da tarde, a uma ravina. Lá embaixo, encaixado na ravina, corria um rio caudaloso, que avançava, invencível, sobre as pedras.
O som da trombeta, a quepa, (4) quebrou o silêncio para anunciar que haviam chegado. Porém, não havia nada a fazer: as fontes termais estavam do outro lado da ravina, inacessíveis.
Um desânimo total abateu-se sobre eles diante da impossibilidade que se apresentava. Passaram ali a noite, cansados e esperando que o Sol, Pai de todos os Incas, trouxesse uma solução para o problema.
Pela manhã, como que liderados pelo poder e amor do Sol, do qual todos Incas são filhos, os soldados da comitiva, guerreiros do Inti (5), começaram a abraçar, uns aos outros, formando uma ponte humana para que o Filho do Sol pudesse alcançar o outro lado. O Inca caminhou sobre suas costas, com o filho nos braços e, assim, pode chegar até as fontes termais, encontrando a cura para o menino.
Quando olhou para trás, para agradecer aos seus guerreiros, estes se haviam petrificado, tornando-se o que hoje conhecemos como "Puente del Inca".
Talvez seja essa a minha lenda favorita pelo que ela representa. Assim é o grande Tahuantinsuyo. O poder do Sol aliado à força dos homens e mulheres de um reino, eternamente, em busca da perfeição. Essa lenda representa muitas coisas. Há o divino, presente em todas as etapas do caminho e em todas as descobertas e há o lado humano, buscando superar suas dificuldades com união e fé, nunca desistindo de seus objetivos e cumprindo seu dever até o fim.
Essa lenda, certamente, expressa o Tahuantinsuyo em sua forma mais simples e, ao mesmo tempo, mais grandiosa: terra de deuses, pátria do Sol, nação de guerreiros.
Contam alguns que, quando a noite se aproxima, quando os montes estão esfumados, envoltos em véus de surpreendentes formas, pode-se ver passar uma caravana de estranhas figuras, como que saída do tempo, do silêncio, atravessando de um monte a outro, eternamente buscando pelas águas que curam.
(1) localizado no lado sul da rota que une Mendoza a Santiago do Chile, a uma distância de 1.500 metros da "Puente del Inca", a seis quilômetros de Los Penitentes.
(2) pessoa de grande sabedoria, professor, mestre.
(3) espírito da montanha
(4) (quepa ou pututu) - grande trombeta feita de um grande caracol marinho, com o canal interno espiral.
(5) em quéchua, Sol.
(ARGENTINA - ÚLTIMO RAIO DE SOL DO GRANDE TAHUANTINSUYO)