Eu me afastara dos outros por conta das espécies botânicas que eu, como uma criança que abre presentes, estava descobrindo. Uma após outra, iam me conduzindo para longe do acampamento, espécies que eu só vira no banco de dados do Kew Gardens. O banco de dados do Kew Gardens oferece informações botânicas de uma enorme diversidade de espécies. Era o local que eu costumava frequentar para satisfazer minha necessidade de conhecimentos botânicos, satisfazendo-me com seus dados recheados de nomes científicos e áreas de origem das espécies.
Agora, eu me sentia realmente perdido na paisagem, por dentro e por fora, literalmente engolfado no verde composto dos arbustos e gramíneas que formam os páramos, a uns três mil metros, talvez. Eu já perdera a noção de meu próprio espaço, a altitude começava a moldar meus sentidos e os pensamentos já não eram tão seguros quanto eu achava que fossem.
Eu mal me lembrava de onde havíamos começado nossa jornada, não conseguia lembra-me do número de dias que já havíamos vencido. Mas, lembrava-me perfeitamente de que o Corredor Ecológico Llanganates-Sangay começa nos páramos gelados, entre dois mil e oitocentos e quatro mil metros, antes dos topos nevados de maior altitude, e de que era composto de arbustos e gramíneas, o que me levava a pensar que, talvez, estivéssemos ainda no começo da nossa aventura. No entanto, as vastas montanhas coloridas de cor escura manchada de amarelo pareciam feitas de distante sonho, agora que os meus passos resvalavam na lama escondida sob o tapete de musgo e a gravidade parecia me arrancar dos meus passos e eu continuava descendo por uma paisagem misturada de lagoas, páramos e rios, lembrando-me de que, seguramente, isso só seria possível se estivéssemos a uns mil metros de altitude, onde, desde o começo, tudo é água e estreitos caminhos de pedra e terra nos permitem adentrar essa região de montanhas, pântanos andinos e estonteantes paisagens.
Eu descia tão depressa que o meu pé resvalou em uma pedra polida e eu cai, dando uma cambalhota, indo parar deitado de costas, minha cabeça escorregando no sentido contrário das alturas e os pés no rumo do topo. Fiquei deitado assim, olhando o céu, estranhamente azul, azul demais, enquanto uma luz intensa moldava os arbustos de um verde profundo, emoldurando minha visão periférica.
Lenbrava-me de ter visto o que parecia ser uma lagoa escondida na neblina, mas quando fora isso? Ontem? Sim, a mil e duzentos metros de altitude há lagoas na paisagem verdejante escondidas na neblina. Lembrei-me de que havíamos esboçado um mapa no qual escrevêramos instruções de que, em algum momento, estáríamos seguindo as águas do rio Ana Tenório, no Parque Llanganates, onde os páramos se convertem em florestas com árvores de até 8 metros.
Comecei a ouvir o vozerio confuso e alto das vozes que se chocavam umas com as outras e reconheci o sotaque dos guias e a fala dos companheiros, ainda que não entendesse nada do que diziam. De repente, o silêncio gritou mais alto e a noite desceu de uma vez, caindo sobre mim como um manto negro e pesado. No entanto, em um clarão repentino, minha dificuldade em ver passou a ser devido à observação direta de uma repentina luz de forte brilho, como a luz direta do Sol, talvez refletida, não sei, nunca soube, nunca saberei.
Sentei-me, como pude, as dores acumuladas de tantos percalços confundindo minhas sensações. Eu vi de relance alguém que eu não conhecia, por um breve momento, breve o bastante para deixar-me em dúvida do que eu vira, como um raio de luz na escuridão. Era um homem alto e atlético, uma figura imponente e terrível, embora de um semblante sereno e, não sei por que, eu me lembrei de Rumiñahui.
Ao saber da morte de Atahualpa, Rumiñahui rumou para o leste, para as Montanhas Llanganates, para a sombria região de pastagens remotas e enevoadas, lá escondendo todo o tesouro em uma caverna impossível de ser encontrada. Rumiñahui foi capturado e torturado pelos espanhóis, sem ter jamais revelado a localização do tesouro de Atahualpa que havia escondido.