1.09.2013

GÂMBITO ATAHUALPA - UMA JOGADA DE MESTRE


Atahualpa foi o décimo terceiro Imperador Inca e é considerado, por alguns historiadores, o último imperador do Tahuantinsuyo (Império Inca). Segundo o historiador mestiço Garcilaso de la Vega (1), Atahualpa nasceu no Reino de Quito, atual Equador. Garcilaso foi quem descreveu mais apropriadamente o imperador Atahualpa:

"O Inca Huayna Capac teve, da filha do rei de Quito, futura sucessora daquele reino, seu filho Atahualpa, que lhe saiu de grande intelecto e inteligência aguçada, astuto, sagaz, habilidoso  e previdente, corajoso e belicoso para a guerra, elegante, bonito de corpo e de rosto, como eram comumente todos os Incas... "


No apagar da luzes da história Inca, nos estertores do Império, Atahualpa fora feito prisioneiro e, acusado de muitas coisas que, segundo os conquistadores espanhóis seriam heresias. Julgado e condenado, cruelmente assassinado, mesmo depois de ter pago um enorme resgate por sua liberdade, provou ser, também, um excelente enxadrista, jogo que aprendeu  enquanto estava preso, vendo os conquistadores espanhóis jogarem, aos quais derrotou nos duelos em que pôde participar.



Atahualpa conseguira vencer seu irmão Huascar em 1532, em Quipaypan, perto de Cuzco, capital do Império, proclamando-se Inca (título que significa algo como "imperador"). Estava em Cajamarca quando foi feito prisioneiro pelos espanhóis, depois de um inesperado ataque de Francisco Pizarro. Na prisão, manteve alguns privilégios: permitiram que ele continuasse a "administrar" o império, aprendeu a ler e a escrever, mantendo uma relação de amizade com Pizarro, o que não impediria que, alguns meses depois, fosse acusado de traição pelos espanhóis. 
Os conquistadores se sentiam ameaçados pelo poder que Atahualpa mantinha sobre o povo e o exército  e pelo respeito e admiração que exercia sobre todos e o acusaram de esconder tesouros, conspiração contra a coroa espanhola, incesto e, ainda, de ter matado o próprio irmão, Huascar. 
Para o seu resgate, Atahualpa ofereceu um aposento cheio de ouro e outro de prata. Embora tenha cumprido sua parte no acordo, foi executado. Escolheu a morte por garrote (2), depois de ser batizado como cristão; a outra opção seria morrer queimado sem batismo, o que serviria para negar-lhe renascimento e vida eterna, segundo sua fé religiosa, de modo que ele escolheu ser batizado.


Segundo o professor Mario Valverde López (treinador e dirigente de xadrez), foi durante o longo cativeiro que Atahualpa aprendeu a jogar xadrez. Aprendeu vendo seus carcereiros jogarem, só de olhar, e logo começou a corrigi-los nesta ou naquela jogada. Então, eles lhe propuseram disputar algumas partidas, descobrindo a grande habilidade do prisioneiro para o xadrez. Entre eles estavam Hernando de Soto, Juan de Roda, Francisco de Chaves, Blas de Atienzu e o tesoureiro da expedição chamado Riquelme.
Atahualpa tinha uma maneira peculiar de começar o jogo com as pretas, já que diante do 1e4  sempre respondia com o curioso gâmbito (3) 1f5.

Original enxadrista, certamente o primeiro jogador de elite da América, conseguindo derrotar seus pomposos e experientes oponentes com um grande poder prático.
Atahualpa permanecerá na história como o melhor jogador de xadrez da América do século XVI e o Gâmbito Atahualpa como o primeiro gâmbito, abertura
 ou defesa, jogado na América. O último lance do destino na vida de Atahualpa teria sido marcado pelo tabuleiro...
Diariamente reuniam-se em Cajamarca, nas salas que, desde 15 de novembro 1532 serviam de prisão para Atahualpa; este, para evitar o tédio, mantinha-se, sempre, muito próximo dos espanhóis, especialmente, sentado ao lado de seu "protetor e amigo" Hernando de Soto.






Certo dia ...

  
Riquelme jogava contra Soto e estava a ponto de ganhar o jogo quando Soto ameaçou mudar seu cavalo. Atahualpa segurou seu braço e disse: "Não!, Capitão, não..., A Torre, a Torre!" Soto ganhou o jogo e, depois desse ocorrido, os dois espanhóis, Soto e Riquelme, convidavam Atahualpa para jogar, mas, geralmente, ele se recusava a fazer isso, porque dizia que jogava "muito pouquinho" e quando o fazia, parece que sua resposta preferida para o movimento 1e4 era 1f5, dando origem ao gâmbito que leva seu nome.


O Gâmbito Atahualpa é considerado um dos movimentos mais bizarros e sem lógica de oposição ao peão de Rei Branco, é como jogar um Gâmbito de Rei com dois tempos a menos. O fato é que, nos livros de teoria sobre aberturas, não aparece esta linha, apenas em estudos particulares daqueles que a praticam. Se o segundo jogador insiste na idéia original dessa jogada, não agirá em desvantagem, pois as brancas não lograríam objetivos válidos e a dúvida do Roque (4) aumenta quando o branco percebe que os dois flancos estão vulneráveis ​por parte do preto.







O Gâmbito Atahualpa teria sido produto de uma jogada irracional do Inca Atahualpa?? 

Eu, particularmente, não acredito mas, os estudiosos do Xadrez na América podem tentar responder. Sem antecedentes históricos, esta é a verdadeira jogada que Atahualpa lançou ao futuro, a verdade da própria história, e que, como todo o resto, no que se refere ao Tahuantinsuyo, ou seja, ao Império Inca, encontra-se em suspense, na esperança que que o Inca possa nos dar, à sua maneira inocente, um xeque-mate histórico. As pretas jogam , e ganham.



(1) Inca Garcilaso de la Vega era filho do Capitão Sebastián Garcilaso de la Vega y Vargas, e da Princesa Inca Isabel Chimpu Ocllo, sobrinha de Huayna Cápac y prima-irmã de Atahualpa.
(2) Garrote - Colar de ferro que estrangula a vítima. Foi usado como instrumento de suplício e de execução de condenados na Espanha e em Portugal. O garrote primitivo era ligado a uma vara ou poste, situado atrás da cadeira na qual executava-se a vítima, e que girava a fim de apertar o colar de ferro, provocando o estrangulamento do condenado.
(3) Gâmbito é uma palavra utilizada no Xadrez para designar um sacrifício de uma peça em troca de vantagem no tabuleiro.  Normalmente, é uma armadilha porque quando o adversário toma a peça é quando ele perde vantagem. Seja o Gâmbito disfarçado ou muito óbvio, as duas formas tentam pegar o adversário desprevenido e forçá-lo a tomar uma decisão desastrosa.

(4) Roque, no xadrez, é uma jogada especial que envolve a movimentação de duas peças no mesmo lance. Sua função é proteger o Rei ao deslocá-lo para um dos cantos do tabuleiro e conectar as torres na primeira fileira

Leia mais sobre Atahualpa em 
ATAHUALPA - ESTRIBILLO DE UNA MUERTE ANUNCIADA 



                                                                             

1.05.2013

HAYU MARCA - PORTAL DOS DEUSES



 

                   Porta estelar ou entrada interdimensional esculpida na rocha?
  


Venerada pelos moradores como a Cidade dos Deuses, a porta Hayu Marca (Portal ou Portão dos Deuses) encontra-se escavada na rocha, no altiplano de Hayu Marca, no sul do Peru, próximo ao lagoTiticaca, a 35 km da cidade de Puno. É uma estrutura enorme e cheia de mistério, com a aparência de uma enorme porta. Devido ao terreno acidentado da montanha, nunca foi totalmente explorada e muitas das formações rochosas da região se assemelham a edifícios e estruturas artificiais como uma "cidade", o que mexe com a imaginação das pessoas. Embora não se tenha descoberto nenhuma cidade de verdade, a Porta faz parte de uma área conhecida como Floresta Espírito (ou Floresta de Pedra) feita de estranhas formações rochosas. 

A Porta de Hayu Marca foi esculpida em uma face natural da rocha, há muito tempo, e mede sete metros de altura por sete metros de largura com um pequeno nicho no centro, na base, com dois metros de altura.

Conta a lenda a respeito de uma "porta de entrada para a terra dos deuses" através da qual, nos tempos antigos, grandes heróis tinham ido juntar-se a eles, alcançando uma nova e gloriosa vida de imortalidade. Em raras ocasiões, haviam regressado, através do portão, por um curto período de tempo, com seus deuses, para "inspecionar todas as terras do reino.
Outra lenda fala de um tempo em que os conquistadores espanhóis chegaram ao Peru, saqueando o ouro e as pedras preciosas do Império Inca. Um sacerdote do Templo 
Inca dos Sete Raios, chamado Amaru Meru (Aramu Muru), fugiu de seu santo templo, levando com ele um disco de ouro conhecido como "a chave dos deuses dos sete raios", e se escondeu nas montanhas de Hayu Marca. O sacerdote mostrou ao povo local a chave dos deuses e um ritual foi realizado. A celebração gerou um acontecimento mágico e o disco de ouro abrira o portal que, segundo a lenda, permitia que uma luz azul emanasse de dentro do túnel.
Amaru Meru entregou o disco de ouro para o xamã, passou através do portal, para nunca mais ser visto. Os arqueólogos observaram uma pequena mão na depressão circular no canto inferior direito da porta e teorizam que este é o lugar onde um pequeno disco pode ser instalado e mantido pela rocha.
De acordo com algumas pessoas que colocaram suas mãos na pequena porta, uma sensação de energia fluindo foi sentida, e experiências estranhas, como visões de estrelas, colunas de fogo, e os sons de uma música estranha. Outros disseram que perceberam túneis dentro da estrutura, embora ninguém ainda tenha encontrado uma brecha na abertura da porta. Pelo contrário, a opinião profissional é de que não há nenhuma porta real, e que foi esculpida em uma única rocha.

Curiosamente, a estrutura é semelhante, sem dúvida, à Porta do Sol deTiahuanaco e a cinco outros sítios arqueológicos que estão ligados por uma cruz de linhas retas imaginárias que se cruzam, exatamente, no ponto onde o planalto e o Lago Titicaca estão localizados.
Notícias da região, nos últimos vinte anos, tem demonstrado atividade com objetos voadores não identificados em todas essas áreas, especialmente no Lago Titicaca. A maioria dos relatórios descrevem esferas azuis brilhantes e ofuscantes objetos brancos em forma de disco.)

A lenda termina com uma profecia de que a porta dos deuses um dia será aberta "muitas vezes maior do que realmente é" para permitir que os deuses voltem com suas naves de sol.
A profecia diz que as Américas eram unidas por uma tradição espiritual comum e um líder, e que isso vai acontecer de novo. Éramos unidos - Amaruca ou Ameruca, América, significa "terra da serpente" - numa época em que a serpente era o símbolo universal da sabedoria mística e poder espiritual. Uma lenda diz que a América do Norte e a América do Sul foram nomeados após um portador de cultura, historicamente conhecido como Aramu Muru ou Meru Amaru, a "Serpente Meru."

Aramu Muru veio do antigo continente de Mu com muitos objetos de poder, incluindo o poderoso disco solar que havia sido pendurado em um templo importante na sua terra natal. Também trouxe muitos rituais e símbolos sagrados, como a Chakana que, tendo sido levados pelos missionários aos quatro cantos, serviram para unir as Américas em uma cultura espiritual homogênea.

A Chakana tem uma idade superior a 4.000 anos, de acordo com o arquiteto Carlos Milla, autor do livro Gênesis da Cultura Andina. Atualmente, a cultura aimará continua reproduzindo o gráfico da Chakana em seus tecidos. Da mesma forma, os Aimará ainda usam o calendário lunar de 13 meses com 28 dias cada mês, utilizado pelos antepassados: 13 vezes 28, 364, o 365 º dia era considerado o dia zero, algo assim como uma espécie de Ano Novo andino. Esse dia é 03 de maio, que é  quando a Cruz do Sul toma a forma de uma cruz perfeita.




                                   
                                                                 CHAKANA


Contam as lendas que Aramu Muru (ou Amaru Muru) teria ajudado muitas tribos de nativos americanos depois que eles chegaram ao Peru, durante a época da destruição de Mu (Lemúria) e a Velha Terra Vermelha (Atlantis). Em seguida, uniu essas tribos em uma cultura muito avançada, que começou a construir muitos dos impressionantes templos megalíticos que ainda adornam a paisagem do atual Peru. Embora a maioria de nós tenha esquecido nossas ligações com o passado, o espírito de Aramu Muru nunca nos deixou: continua a observar as Américas, a partir do seu Templo de Luz localizado acima do Lago Titicaca. Além disso, o grande Disco Solar de Mu, também, ainda existe e está, atualmente, sob o lago sagrado.
  
Desde 1992, quando o Pachacuti, ou "transformação do mundo", antigamente profetizado pelos Incas, teve o seu início, Aramu Muru e o Templo da Iluminação tem feito sentir sua presença e, novamente, o disco solar começou a emanar poderosas correntes espirituais de luz para unir as Américas e elevar o mundo inteiro. Logo, a profecia se cumprirá, a Águia (América do Norte) vai se juntar ao Condor (América do Sul) e os povos tornarão a ser um só.




                       


               A Porta de Hayu Marca foi esculpida em uma face natural da rocha, 
         há muito tempo, e mede sete metros de altura por sete metros de largura 
         com um pequeno nicho no centro, na base, com dois metros de altura.






                                                          

ALNILAM E A DIVISÃO DO TAHUANTINSUYO






Estrela central e mais brilhante das três estrelas no Cinturão de Órion e a quarta estrela mais brilhante de toda a constelação, Alnilam é uma estrela supergigante branco-azulada. 
Como a maioria das supergigantes, Alnilam está, rapidamente, perdendo massa. Um poderoso vento estelar sopra a partir de sua superfície a uma velocidade de até 2.000 km/s, levando para longe cerca de dois milionésimos de massa solar por ano (20 milhões de vezes a quantidade perdida pelo sol). Embora tenha, apenas, cerca de quatro milhões de anos de idade, Alnilam já está fundindo elementos pesados ​​em seu núcleo; está condenada a explodir, nos próximos milhões de anos, mais ou menos, como uma supernova. (1)


Um dos monstros da Via Láctea, Alnilam, está soprando para o espaço uma quantidade tão grande de gás quente que isso, em um milhão de anos, poderia formar duas estrelas tão pesadas quanto o Sol.

Sendo uma supergigante, Alnilam tem cerca de 40 vezes a massa do Sol, dezenas de milhares de graus mais quente, e centenas de milhares de vezes mais brilhante. Radiação tão intensa, de fato, empurra um "vento" denso de partículas carregadas, a partir da superfície, para fora de Alnilam, no espaço, a milhares de quilômetros por hora.


Membro mais impressionante do cinturão de Orion, Alnilam é a mais brilhante das três estrelas, mesmo que esteja a centenas de anos-luz mais distante do que as outras duas. E, enquanto cada uma das outras, na verdade, é constituída por duas estrelas, Alnilam se move, através da galáxia, sozinha.

Embora Alnilam tenha, apenas, alguns milhões de anos, está, rapidamente, aproximando-se do final de sua vida. Ao longo dos próximos milhões de anos, ela vai "queimar", através de uma série de elementos mais pesados ​​forjados em seu núcleo, o seu combustível de hidrogênio original. Esse processo, Alnilam não será capaz de sustentar por muito tempo. Seu núcleo entrará em colapso, enquanto as suas camadas exteriores vão explodir, na direção do espaço, como uma supernova - momentâneamente ofuscando a maioria das outras estrelas da galáxia juntas.

Existe um diagrama, desenhado por Juan Santa Cruz Pachacuti Yamqui Salcamayhua, um nativo dos Andes e que
 tem sido muito importante para a compreensão da astronomia estelar dos Incas. 
O escritor, que nasceu no início de 1600, fez o manuscrito, obviamente, alguns anos após a conquista dos espanhóis (1533).
Sua crônica apresenta informações sobre Astronomia Inca, não documentada por escritores europeus. 
Entre os desenhos do Sol e da Lua e outros astros e constelações, como o Cruzeiro do Sul, por exemplo, há uma linha de três estrelas.
A linha de três estrelas é conhecida como 'Orcorara' (2), que significa 'três estrelas todas iguais'. 

Há uma história sobre estas três estrelas. 

As duas estrelas no final são chamados de Patá (são conhecidas como as Marias) e a estrela no meio é o ladrão e bandido. A Lua queria puní-lo, então, ela enviou as duas estrelas para capturá-lo e entregá-lo aos abutres, que são os urubus formados pelas quatro estrelas abaixo de Patá.
Muito provavelmente estas cinco estrelas representem a Constelação de Órion; as três estrelas da linha são o Cinturão de Órion. O Cinturão de Órion é único porque as três estrelas que formam o cinturão, a saber: Alnitak (a ponta) Alnilam (o colar de pérolas) e Mintaka (o cinto) forma um alinhamento reto e são, aproximadamente, iguais em brilho. A estrela perpendicular ao cinturão, e abaixo, é Betelgeuse, que é a oitava estrela mais brilhante, enquanto a estrela que se situa acima, a uma distância igual da linha, é Rigel e esta é a sétima estrela mais brilhante no céu.

Usando o templo Coricancha como o centro, podemos estender os ceques (ceque significa "puro" ou "frente" em quéchua) como linhas imaginárias para fora até o horizonte, então podemos localizar a ascenção e pontos de ajuste de certas estrelas.






Eu prefiro acreditar na "teoria" que parece ser a mais provável de ser aceita astronomicamente (aparentemente há aqueles que pensam de outra forma), a de que as quatro linhas imaginárias que cruzam o templo Coricancha são determinadas pela principal estrela do cinturão de Órion, Alnilam, que se concentra, exatamente, sobre a cidade de Cuzco (antiga capital dos Incas e que era o centro do mundo), em 21 de março, no solstício de inverno. Dessa forma, segundo essa "teoria", a partir de Alnilam, brilhando sobre Cuzco, em pleno solstício, o Tahuantinsuyo (Império Inca), teria sido dividido por dois ceques em quatro suyos, a saber: Collasuyo, Chinchaysuyu, Antisuyo, Contisuyo.





  
(1) Uma nuvem molecular, NGC 1990, circunda Alnilam e está parcialmente iluminada como uma nebulosa de reflexão pela intensa radiação da estrela. (Em astronomia, nebulosas de reflexão são nuvens de poeira interestelar que refletem a luz de uma próxima estrela ou estrelas.) 
(2) Chaccana. Três estrelas chamado de Três Marias.







                                                                               

3.19.2012

TAHUANTINSUYO - BANDEIRA EM FRANGALHOS (IMPÉRIO INCA)




O maior símbolo de um povo, o que há de melhor para representá-lo, é o próprio povo, as pessoas que o formam enquanto sociedade. Assim, os Incas tiveram suas vidas destruídas, praticamente passando para a História como uma lenda, a bandeira dilacerada, as cores do arco-íris em frangalhos...

Deixo a Garcilaso a tarefa de narrar, com propriedade, a respeito do que restara da linhagem Inca, de modo que não haja dúvida.

"A majestade católica que tinha longa e abrangente relação e notícias de tudo o que aconteceu naquele Império, e em particular da morte que deram ao príncipe Tupac Amaru, e do exílio a que condenaram a seus parentes mais próximos, onde morreram todos". (Garcilaso)

"Aos índios de sangue real, que eram trinta e seis homens, os mais notórios e propínquos da linhagem dos Reis daquela terra, desterraram à Cidade dos Reis (1), mandando que não saíssem dela sem licença dos superiores. Com eles enviaram os dois meninos, filhos do pobre príncipe, e a filha, todos os três de tenra idade, o mais velho não tinha mais do que dez anos. Quando os Incas chegaram a Rimac, o Arcebispo don Gerónimo de Loayza, apiedando-se deles, levou a menina para casa para criá-la. Os demais exilados, vendo-se fora de sua cidade, suas casas e natureza, afligiram-se de tal modo que, em pouco mais de dois anos morreram trinta e cinco, entre eles os dois meninos. Além da aflição, ajudou-os a perecer rapidamente a região daquela cidade que está em terra quente e costeira que chamam de planície e tem característica muito diferente da que chamam de serra. E os nativos da serra, como dissemos na primeira parte dessa história, adoecem muito rapidamente ao entrarem nas planícies, como se entrassem em terra empesteada, e assim acabaram, em breve tempo, aqueles pobres Incas."

Garcilaso de la Vega, em 'Historia General del Peru', conta como a linhagem Inca foi extinta, de modo melancólico, como raios de sol na tempestade, em um convento em Alcalá de Henares, na Espanha.
No início do ano 1604, saiu a consulta pleiteada por Don Melchior Carlos Inca que lhe fazia concessão de sete mil e quinhentos ducados de renda perpétua, que se encontravam na 'Caixa' de Sua Majestade, na Cidade dos Reis (1), e que se lhe daria ajuda de custo para trazer sua esposa e casa para a Espanha, e um hábito de Santiago e as esperanças de um lugar na casa real, e que os índios que tinha em Cuzco, herdados de seu pai e avô, fossem colocados na Coroa Real, "e que ele não poderia ir às Índias." Portanto, não há outra maneira de contar a respeito dos Incas, que não seja rasgando a História. Com muita dor, porque a destruição é pior que a morte, já que não deixa nenhum vestígio ao qual agarrar-se. O futuro herdou a laceração de seu povo e eu escrevo isto, agora, para que meu futuro não apague, dentro e fora de mim, completamente, a memória das ruínas que herdamos. Aparentemente, foi uma tempestade tão forte, capaz de romper, para sempre, a aliança do arco-íris, apagando o Sol (*).


"Aos três que restaram, que um deles foi Don Carlos (2), meu condiscípulo, filho de Don Cristobal Paullu, que já mencionamos muitas vezes, ordenou o tribunal (por compaixão) que retornassem às suas casas, porém eles estavam tão desgastados com sua má sorte que, dentro de um ano e meio, morreram todos os três.
Mas não por isso, então, foi consumido o sangue real daquela terra, porque restou um filho do citado Don Carlos, de quem falamos no último capítulo da primeira parte desses Comentários, que veio para a Espanha para receber grandes concessões como lhe foi prometido no Peru. O qual faleceu no final do ano de mil seiscentos e dez em Alcala de Henares, de certeza depressão que teve ao ver-se recluso em um convento, por certa paixão que  teve com outro do mesmo hábito de Santiago.
Faleceu rapidamente de melancolia, de que tendo sido recluso por oito meses pela mesma causa em outro convento, o prendiam, agora, novamente. Deixou um filho, um menino de três ou quatro meses, legitimado para que herdasse a concessão que Sua Majestade lhe havia feito no recrutamento de Sevilha; o qual morreu no mesmo ano, e assim se perdeu toda a renda com a morte do menino para que em tudo se cumprissem as previsões que o grande Huayna Capac lançou sobre os de seu sangue real, e sobre seu Império." (Garcilaso)

"...conheci alguns outros que escaparam daquela miséria. Conheci dois Auquis, que significa infantes; eram filhos de Huayna Capac; um chamado Paullu, que já era um homem naquela calamidade, do qual as histórias dos espanhóis fazem menção; o outro se chamava Titu; era legítimo em sangue; era um garoto, então; do batismo deles e de seus nomes cristãos falaremos em outra parte. De Paullu restou sucessão mesclada com sangue espanhol, que seu filho D. Carlos Inca, meu condiscípulo de escola e gramática, se casou com uma mulher nobre nascida lá, filha de pais espanhóis, da qual teve Don Melchior Carlos Inca, que no ano passado de seiscentos e dois (1602) veio para a Espanha, tanto para ver a Corte como para receber as concessões que lá propuseram que lhe fariam aqui pelos serviços que seu avô fez na conquista e pacificação do Peru e depois contra os tiranos, como se verá nas histórias daquele Império, mas principalmente porque lhe é devido por ser bisneto de Huayna Capac para confirmar o que eu disse acima com o mesmo nome, e não são mais do que dezoito. "

Desse modo, Don Melchior Carlos Inca, neto de Paullu Inca e bisneto de Huayna Capac, foi para a Espanha no ano de mil seiscentos e dois para receber concessões. No início do ano de mil seiscentos e quatro, quando obteve a aprovação de sua petição, pela qual lhe faziam concessão de sete mil e quinhentos ducados de renda perpétua, dinheiro esse que estava na caixa do Rei, em Lima, obteve também ajuda de custo para trazer sua esposa e casa para a Espanha, um hábito de Santiago e a expectativa de um lugar na casa real; os índios que possuía, em Cuzco, herdados de seu pai e avô, passariam para a Coroa Real, e ele não poderia voltar "para as Índias", ou seja, para a América.

Em Sarmiento de Gamboa encontramos ...
"Porque apenas dois filhos de Huayna Capac escaparam da crueldade de Atagualpa (Atahualpa), que eram Paullo Topa, depois chamado Don Cristobal Paullo, e Mango Inga (Manco Inca), eram bastardos, que é o que entre eles é público. E estes, se alguma honra e bens tenham tido eles ou seus descendentes, Vossa Majestade lhes deu o bastante, mas o que eles tiveram, seus irmãos permaneceram no estado e com força; porque haviam de ser seus tributários e camareiros. E estes foram os menores de todos porque eram de linhagem por parte de mãe, que é o que eles estimam, e em nascimento. E ao Mango Inga, por ser um traidor de Vossa Majestade e estar alçado nos Andes, onde morreu ou foi morto, tirou Vossa Majestade, em paz, a seu filho Don Diego Sayre Topa daquelas montanhas de selvagens e o fez cristão e deu asseio e, principalmente ("principalisimamente" foi o termo usado), de comer para ele e seus filhos e descendentes. O qual morreu como cristão, e o que agora está nos Andes, chamado Tito Cusi Yupanqui, alçado, não é filho legítimo de Mango Inga, mas bastardo e apóstata. Antes têm por legítimo a outro, que está com o mesmo, chamado Amaro Topa, que é incapaz, que os índios chamam uti. Mas, nem um nem outro são herdeiros da terra, porque o pai não o foi. A don Cristobal Paullo honrou Vossa Majestade com título e lhe deu um muito bom repartimento de índios, com o que viveu muito principalmente. E agora o possui seu filho Don Carlos. De Paullo restaram dois filhos legítimos, que estão agora vivos, chamados um o tal don Carlos e don Felipe, e fora estes deixou muitos filhos bastardos e naturais, de maneira que os netos conhecidos de Guayna Capac (Huayna Capac), que estão vivos e tidos por tais e principais, são os citados, e além desses são don Alonso Tito Atauche, filho de Tito Atauche, e outro bastardo, que nem uns nem outros têm caução para serem chamados de senhores naturais desta terra. Pelas citadas razões, o direito será dizer daqueles cujo ofício pode determinar uma clareza tão evidente como é o mais justo e legítimo título que Vossa Majestade e seus sucessores têm nessas partes das Índias, conhecido o fato real que é o que aqui está escrito e provado, e especialmente para estes reinos do Peru, sem ponta de cargo no tocante ao tal título que a coroa de Castela tem para elas. Do qual tem sido luz e curioso inquisidor Don Francisco de Toledo, vosso vice-rei nestes reinos... "


"Assim, com a morte de Guascar (Huascar) se acabaram totalmente todos deste reino do Peru e toda sua linhagem e descendência, pela linha que eles tinham por legítima, sem restar homem ou mulher que pudesse ter direito a esta terra, embora tenham sido naturais e legítimos senhores dela, nem mesmo de acordo com seus costumes e leis tirânicas. "(Sarmiento de Gamboa)


Eu não sei até que ponto algumas das fontes são confiáveis​​, até que ponto esses autores escreveram de "ouvir falar", porque a destruição estava por toda parte e a verdade, bem, a verdade é sempre difícil de estabelecer, até mesmo no momento em que os fatos acontecem, enfim... Quanto a Paullu Inca, Sarmiento de Gamboa diz:

"E entre esses filhos de Guayna Capac estava preso um filho de Guayna Capac chamado Paulo Topa (3), o qual, como queriam matar, alegou que não havia nenhuma razão para que o matassem, porque antes ele fora preso por Guascar, por ser amigo e parcial de Atagualpa, seu irmão, e que da prisão de Guascar o havia tirado Chalco Chima. O qual disse a Cuxi Yupangui que dizia a verdade, ele o tinha tirado da prisão de Guascar, e por isso o soltaram e salvou a vida. Mas a razão de ter sido preso por Guascar foi porque ele havia se encontrado com uma esposa sua, e não consentiu alimentá-lo, apenas com pouca coisa, havendo determinado que morresse na prisão, dando a ele comida limitada."

De acordo com o cronista, isso ocorreu na época em que, a pedido de Atahualpa, "Cuxi Yupanqui mandou fincar, muitas estacas de uma parte e outra parte do caminho, que não levavam mais de um quarto de légua no rumo de Xaquixaguana. E então eles tiraram da prisão todas as mulheres de Guascar,... E as mandou enforcar naquelas estacas... e, em seguida, tiraram os filhos de Guayna Capac, que se achavam ali, e também os penduraram nas mesmas estacas. "

De qualquer modo, naquele momento, Paullu soube muito bem livrar-se do risco de morte que corría. Pela primeira vez, mas não última, foi colocado entre duas forças opostas que queriam destruí-lo. E ele soube como escapar em segurança...

"Dos poucos Incas de sangue real que sobraram das crueldades e tiranias de Atahualpa e de outras que depois houveram aqui, há sucessão, mais do que eu pensava, porque no final do ano 603 (1603) escreveram todos eles a Don Melchior Carlos Inca e a Don Alonso de Mesa, filho de Alonso de Mesa, que estava nas proximidades de Cuzco, e a mim também, nos pedindo que, em nome de todos eles, suplicássemos à Sua Majestade os mandasse isentar de todos os tributos que pagam e outras humilhações que como os demais indios comuns padecem.
Enviaram "poder in solidum" (procuração) para todos os três, e prova de sua descendência, quem e quantos (nomeados pelos seus nomes) descendiam de tal Rei, e quantos de tal, até o último dos Reis; e para maior verificação e demonstração enviaram, pintada em uma vara e meia (1 vara = 1,10m) de tafetá branco da China, a árvore real, descendente desde Manco Capac até Huayna Capac e seu filho Paullu. Vinham os Incas pintados em seu traje antigo. Nas cabeças traziam a borla vermelha e nas orelhas suas "orelheiras"; e nas mãos, "sendas partesanas" em vez de cetro real; vinham pintados do peito para cima, e nada mais. A coleção (dossiê) inteira foi dirigida a mim, e eu mandei para Don Melchior Carlos Inca e Don Alonso de Mesa, que residem na corte, em Valladolid, que eu por essas ocupações, não pude solicitar essa causa, que ficaria feliz em empregar a vida nela, pois não poderia ser melhor empregada." (Garcilaso)
"A carta que me escreveram os Incas é com a letra de um deles e muito bonita; as frases ou linguagem que falam, muito dela está de acordo com sua língua e muito também com o castelhano, que já estão todos espanholados; com data de dezesseis de abril de mil seiscentos e três. Não coloquei aqui para não causar pena as misérias que contam de suas vidas. Escrevem com grande confiança (e, assim, acreditamos todos) que, conhecendo-as, Sua Majestade Católica, as mandará remediar e lhes concederá muitos outros favores, porque são descendentes de Reis. Depois de ter pintado as figuras dos Reis Incas, colocam ao lado de cada um deles sua descendência com o título: "Capac Ayllu", que é geração augusta ou real, que é o mesmo. Este título é a todos em comum, sugerindo que todos descendem do primeiro Inca Manco Capac. Em seguida, colocam outro título em particular à descendência de cada Rei, com nomes diferentes, para que se entendam, através deles, os que são deste ou daquele Rei. (Garcilaso)


Paullu Inca sempre foi acusado de muitas coisas, colaborador, traidor, mas, o pior de tudo, inaceitável ​​para um Inca, foi a falsa acusação que lhe atribuíram de oferecer as múmias de seus antepassados ​​para os espanhóis em troca de favores pessoais.
A esse respeito, é suficiente dizer que esses "Mallqui" (múmias) foram levados para Lima só muitos anos depois de sua morte, apreendidos por Polo Ondegardo.
Como parece confirmar o documento de meados de1638, no qual Antonio de la Calancha (Chuquisaca,1548; Lima, 1654) eclesiástico e cronista do Alto Peru, escreve o seguinte: "Estes são os corpos que enviou o Licenciado Polo a Lima, na época do primeiro Marquês de Canhete, e estão em um curral do Hospital de San Andrés ".
A este respeito, Garcilaso conta que em 1559 o Licenciado Polo de Ondegardo confiscou na cidade de Cuzco as que se acredita poderíam ser as múmias dos Incas Wiracocha, Huayna Capac e Pachacutec. Sobre a múmia de Pachacutec o próprio Polo de Ondegardo escreveu o seguinte:

 "Quando descobri o corpo de Pachacuti Inga que foi um dos que enviei ao Marques da Cidade dos Reis (Lima) que estava embalsamado e também curado como todos viram, e encontrei com ele o ídolo principal da província de Andavailas porque ele a conquistou e colocou sob o domínio dos Ingas, quando venceu a Barcuvilca, senhor dela e o matou. "O cronista Acosta acrescenta: "estava o corpo inteiro e bem temperado com um certo betume que parecia vivo. Tinha olhos feitos de uma telazinha de ouro, tão bem colocados que não fazia falta os naturais, e tinha na cabeça uma pedrada que lhe deram em alguma guerra. " 
 Quando em junho de 1537 Manco Inca retirou-se para a região de Vilcabamba, levou a múmia de Huayna Capac com as dos demais Incas a Vitcos. Quando caiu nas mãos do Marechal Orgoñez, a múmia de Huayna Capac foi devolvida à cidade de Cusco e, em seguida, foi entregue a Paullu Inca, que a guardou em lugar secreto. Em 1559 o Licenciado Polo de Ondegardo a encontrou escondida em uma casa em Cusco e, depois de um passeio fúnebre pela cidade, a enviou a Lima com as demais múmias dos Incas.


De acordo com a referência do cronista Lopez de Gómara, Huayna Capac deixou mais de duzentos filhos - de sua segunda irmã Rava Ocllo teve seu herdeiro Inti Cusi Hualpa, conhecido como Huascar. De sua prima Mama Runtu, que se tornou sua terceira esposa, teve Manco Capac. De uma mera concubina de Cuzco teve Paullu Inca.
 
 No último capítulo da "Historia del Peru", Garcilaso de la Vega nos diz o que aconteceu nesses finais incaicos...


 "...O termo e o fim da sucessão dos mesmos Reis Incas, que até o infeliz Huascar Inca foram treze, os que desde o princípio possuíram aquele Império até a ida dos espanhóis. E outros cinco que depois sucederam, que foram Manco Inca e seus dois filhos, Don Diego e Don Felipe e seus dois netos, os quais não possuíram nada daquele Reino a não ser o direito a ele. Desse modo ao todo foram dezoito os sucessores por linha direta masculina do primeiro Inca Manco Capac, até o último dos filhos, que não soube como se chamaram. Ao Inca Atahualpa não o contam os índios entre seus Reis, porque dizem que foi, Auca (inimigo)."

"Dos filhos cruzados desses Reis, embora no último capítulo da primeira parte desses Comentários, tenhamos dado conta de quantos descendentes havia de cada Rei, dos anteriores, que eles próprios me enviaram (como ali eu disse) a memória e cópia de todos eles, outorgando poder a Don Melchior Carlos e a Don Alonso de Mesa e a mim, para que qualquer um de nós os apresentasse perante a majestade católica e ao supremo Conselho Real das Índias, para que lhes fizesse concessões (até porque eles eram descendentes de Reis) de livrá-los das humilhações que padeciam. E enviei à Corte os documentos e a memória (que vieram a mim dirigidos) aos citados Don Melchior Carlos e Don Alonso de Mesa. Porém, Don Melchior, tendo suas reivindicações, pela mesma via, razão e direito que aqueles Incas, não quis apresentar os papéis para não confessar que havia tantos de sangue real. Por parecer a ele que se o fizesse, lhe tirariam grande parte das concessões que pretendia e esperava receber. E, assim, não quis falar em favor de seus parentes, e ele acabou, como foi dito, sem proveito seu ou alheio. Parecendo dar conta desse fato para a minha defesa; para que os parentes onde quer que estejam saibam o que acontece, e não me seja atribuído a descuido ou malícia que não tivesse feito o que eles me mandaram e pediram. Eu gostaria de ter empenhado a vida a serviço daqueles que também merecem, mas não me foi possível, por estar ocupado em escrever esta Historia, que espero não haver servido menos nela aos espanhóis que ganharam aquele Império, que aos Incas que o possuíram."(Garcilaso)

Aqui, também, preciso dizer algumas palavras em defesa de Melchior, que estava recluso em um convento na Espanha, longe de seu lugar de origem, sozinho e deprimido. Garcilaso, acredito que, a fim de pedir desculpas pelo que ele mesmo não podia fazer, tentou colocar a culpa em Melchior, repreendendo-o com força excessiva.

Enfim, para terminar este artigo, uma nota final de degradação e dor...

"Resta contar o fim que teve o Capitão Martin Garcia Loyola,... o qual, como remuneração por haver preso o Inca e por muitos outros serviços prestados à coroa de Espanha, casaram com a infanta, sobrinha desse mesmo príncipe, filha de seu irmão Sayri Tupac, para que desfrutasse do repartimento de índios que esta princesa herdou de seu pai, o Inca. E para sua maior honra e satisfação e serviço da majestade católica, ele foi eleito Governador e Capitão Geral do Reino do Chile,... "(Garcilaso)

A tal princesa ou ñusta, chamada dona Beatriz Clara Coya, era filha de  Diego Sayri Tupac e de dona Maria Cusi Huarcay, neta de Manco Inca e sobrinha de 
Tupac Amaru I. O tal casamento era um prêmio para o capitão Martin Garcia de Loyola por capturar Tupac Amaru I em seu refúgio de Vilcabamba, como foi narrado, por Garcilaso de la Vega, com propriedade.


                                                                   #########

(*) Não podemos esquecer que o Sol, para os Incas, é Deus.

(1) Lima, Peru.
(2) Carlos, filho de don Cristóbal Paullu Inca.
(3) Paullu Inca.

BIBLIOGRAFIA
Garcilaso de la Vega, Comentarios Reales.
Garcilaso de la Vega, Historia General del Peru.
Pedro Sarmiento de Gamboa, Historia de los Incas.




2.25.2012

HUASCAR E CHUQUI HUIPA - BODAS DE SONHO EM CUZCO (IMPÉRIO INCA)

                

                      (Chuqui Huipa / Chuqui Llanto - desenho de Guaman Poma)


Voltar no tempo para testemunhar, ao menos em nossos sonhos, e na  narrativa dos cronistas, o casamento de Huascar, o último Inca, e sua irmã Chuqui Huipa.

Huascar voltara a Cuzco, logo depois de assistir, pessoalmente, à parte final das exéquias, em Yucay, pela morte de seu pai e soberano do Tahuantinsuyo, Huayna Capac. O luto fora vivenciado na capital e em todo o império com grande sentimento, lágrimas e infinitos sinais de tristeza.


Era hora de pensar na sucessão.

 
Com a permissão e os presságios favoráveis do Sacerdote do Sol e o consentimento dos demais nobres (1), Huascar decidiu casar-se com Chuqui Huipa (2), sua irmã por parte de pai e mãe, de acordo com a leis incaicas. Segundo o cronista Frei Martin de Murúa, chamaram Rahua Ocllo, esposa de Huayna Capac, mãe de Huascar e Chuqui Huipa, e todos juntos disseram a ela como haviam determinado que seu senhor Huascar tomasse por esposa a Chuqui Huipa, sua irmã.

Ao ouvir essas razões e vendo a vontade de seu filho, conselheiros e nobres, Rahua Ocllo, não se sabe por qual motivo, recusou, negando o que ele lhe pedia, dizendo que não queria dar-lhe sua irmã por mulher.

"Huascar Inca teve grande raiva e com cólera e desprezo, levantando-se de onde estava sentado, disse à sua mãe palavras muito feias e desmedidas, tratando-a com desdém e desprezo, as quais, ouvidas por ela, insultada, levantou-se e foi para sua casa, deixando seu filho e conselheiros com grande fúria. "(Murúa)


Ao ver a atitude de Rahua Ocllo, os conselheiros de Huascar determinaram que, embora sua mãe não quisesse, ele deveria pedir sua irmã Chuqui Huipa, por esposa, a seu pai, o Sol, com sacrifícios e oferendas e outras coisas que a ele fizesse e oferecesse e que desse muitas e ricas dádivas ao corpo de Tupac Inca Yupanqui, seu avô e pai de Rahua Ocllo, sua mãe. Com esta determinação, Huascar, seguindo a ordem e o conselho dos seus,  primeiro dirigiu-se ao local onde se encontrava a múmia de Tupac Inca Yupanqui com grandes presentes. Adcayquy Atarimachi, Achache e Manco, parentes encarregados de cuidar e falar em nome de Tupac Inca Yupanqui, aceitaram em seu nome, e a concederam por esposa.

De lá, Huascar foi ao templo do Sol com grandes sacrifícios e ofertas e pediu ao Sol, seu pai, Chuqui Huipa, sua irmã, como esposa legítima, e todos os sacerdotes do templo, juntos, em Seu nome, a deram por esposa, recebendo os presentes. Ele, querendo que o casamento fosse com o consentimento de sua mãe, Rahua Ocllo, para acalmá-la e agradá-la, deu-lhe ricos presentes de ouro, prata, roupas, servos e, solenemente, mais uma vez, todos os sacerdotes e irmãos de Huascar e os conselheiros foram até ela e juraram Chuqui Huipa por sua esposa legítima.

Houve  festas, com danças e bailes, em Cuzco,  pelo juramento que fora reiterado, e ordenou-se que, durante todo o mês, fossem acesas luminárias em todas as torres e casas da cidade e que tocassem todo tipo de música das nações que ali estavam e, como ordenado, cumpriu-se.

Depois que o Sol (Inti), a múmia de Tupac Inca Yupanqui e Rahua Ocllo concederam Chuqui Huipa como esposa a Huascar, acordou-se que se efetuasse o casamento. Para maior majestade e grandeza, e maior ostentação, concordou-se que o Sol (a representação que ficava no templo) e a múmia de Tupac Inca Yupanqui fossem ao casamento e que ali estivessem representando a pessoa de Huayna Capac, pai da noiva, pois eles a haviam dado por esposa, em seu nome, e que Huascar saísse, com a imagem do trovão para encontrá-los.

Para maior celebração, ordenaram que a casa de Tupac Inca Yupanqui e a de Huayna Capac fossem cobertas de adornos de ouro e prata, e, assim, quatro torres foram cobertas e as paredes foram todas revestidas de fina guarnição. Aqueles que ocupavam o lugar de Tupac Inca Yupanqui e Huayna Capac e os sacerdotes do Sol, mandaram que a casa de Huascar e a da noiva fossem revestidas de adornos de ouro e rica guarnição, e todas as casas dos Incas mortos tivessem seus telhados cobertos de penas e as paredes de fina guarnição e as torres da praça fossem adornadas da mesma maneira e nela, dia e noite, enquanto durassem as festas, deveria haver muita música, canções e danças.

Cuzco brilhava ao sol com o seu ouro e prata e, à noite, suas torres ostentavam as luminárias; muralhas de pedra em miríades de estrelas como se o céu noturno baixasse à terra, as chamas das lâmpadas crepitando a felicidade do Inca e sua noiva.

No dia do casamento, Huascar saiu de sua casa acompanhado da imagem do Sol, a múmia de Tupac Inca Yupanqui, seu avô, e a de Huayna Capac, seu pai, todos os sacerdotes, irmãos, parentes, conselheiros, orelhões e os chefes de seu exército, e uma multidão de pessoas. Chegaram à casa de Rahua Ocllo, que estava ricamente revestida e, ali, receberam e entregaram Chuqui Huipa a Huascar, com toda a solenidade possível e todas as cerimônias que, entre eles, costumavam realizar em tais casamentos.

"Estiveram ali desde a manhã até a hora de vésperas e depois a pegaram para levar à casa de seu marido, Huascar, com muita música e cânticos. Por onde ela fosse, com seu marido, todo o caminho estava repleto de ouro e prata em pó, infinita "chaquira" (3) e plumagens, algo nunca antes visto em festas e casamentos de qualquer monarca do mundo desde o primeiro homem, até agora, pelo menos, pois não está escrito em qualquer autor, nem o que diremos mais tarde. Foram desde Casana até Marucancha, que eram as casas e residências de Huascar Ynga, e tudo o que daquele dia ficou até a noite se consumiu em bailes, cânticos, danças e regozijo. No dia seguinte, por mais autoridade e grandeza, vieram todas as nações que estavam no Cuzco para fazer festas a sua senhora e duraram mais de um mês. "(Murúa)

Huascar Inca queria celebrar seu casamento de modo que fosse lembrado para sempre. Então, mandou fazer, de ouro e prata, todos os tipos de milho existentes e todas as variedades de ervas que eles comiam. Também fizeram todos tipos de pássaros, pombos, garças, papagaios, falcões, tordos, águias, gaviões, condores, e muitos tipos de peixes do mar e de água doce. Lenha, inteira e rachada, e toda a diversidade de animais terrestres que havia no Tahuantinsuyo foram feitos de ouro e prata e plumagens. Comida feita de ouro e prata era servida nas mesas, a todos os que se encontravam na festa, pelos servos de Huascar, como lembranças do casamento, como se fosse comida de verdade, como se tivessem essa finalidade;  e todos os cântaros, arcas pequenas, copos e demais vasilhas eram de ouro e prata.

Mandaram trazer um número infinito de animais vivos, assim como ursos, pumas, gatos selvagens, macacos, veados, vicunhas, lhamas, em trajes de cores diferentes, feitos de propósito para fazer parecer que haviam nascido com eles e que haviam sido domesticados para esse efeito.

"Nem como eu disse acima, nenhum senhor ou príncipe do mundo, pois nem mesmo em invenções, majestade e aparato tenha havido muitas que a tenham excedido, nenhuma de tal abundância de ouro ou infinidade de prata que, como se fossem iguarias comestíveis se ofereciam aos convidados. "(Murúa)

Algum tempo depois, uma embaixada de seu meio-irmão Atahualpa foi recebida por Huascar Inca. Como isso aconteceu em meio aos prazeres do sucesso, ele ficou muito satisfeito com ela, recebendo os mensageiros de seu irmão com honra, concedendo-lhes favores. Estes mensageiros trouxeram muitos presentes e ricas dádivas para Rahua Ocllo e para Chuqui Huipa, que os receberam muito bem, o que, sabido depois por Huascar, fez despertar em seu coração a suspeita, certamente causada por ciúme.
Porque Atahualpa foi o único que não foi a Cuzco para o funeral de seu pai, Huayna Capac, nem para o casamento de seu meio-irmão Huascar.

Gaman Poma, em Nueva Corónica y Buen Gobierno (1615) (Nova Crônica e Bom Governo), diz: "a décima segunda coia [rainha], Chuqui Llanto, coya: Dizem que era muito bonita e branquinha, que não tinha nenhuma mancha no corpo. E no semblante e muito alegre e cantora, amiga de criar passarinhos. E não tinha coisa sua,... ...tinha sua lliclla [manta] azul clara e o do meio, verde escuro, suacxo [saia] verde e o de baixo de tocapu  [tecido de pano trabalhado]. Puramente boa e alegre, contentava a seu marido, ... "


"Foi Chuqui Huipa mulher de boa disposição e bonita, embora um pouco morena, que toda esta linhagem o foi sempre. Seus adornos (4) eram pomposos e soberbos quando ela saía de casa, iam em sua companhia número infinito de índios importantes e servos seus, e rodeada de muitas princesas (ñustas) bizarramente vestidas. As paredes do seu palácio eram pintadas de diferentes modos de pintura, porque era estranhamente aficionada a isso, e os adornos e quadros eram de finíssimo Cumbi de diferentes figuras, as quais naquele tempo se fazia sutilíssimas."
(Fray Martín de Murua, Historia General del Peru, Libro I)

Por tudo o que aconteceu antes do casamento e pela grandeza de sua realização, só posso crer que os dois se amavam muito. Foi, sem dúvida, o dia mais feliz de suas vidas.
Talvez, como conta uma antiga tradição inca, Huascar , com suas próprias mãos, solenemente tenha calçado uma sandália no pé direito da eleita de sua vida. 




Havia um provérbio incaico que dizia "casa-te com teu igual" (Varela, 1945).


                                                               #########



(1) O soberano do Tahuantinsuyo, chamado Inca ou Sapa Inca, exercia um poder absoluto; governava por  direito divino e era considerado descendente direto do Sol,  recebendo honrarias divinas. Embora pudesse ter várias mulheres, dentre as escolhidas, o Inca casava-se com uma única mulher, a Coya, que deveria ser sua irmã, para manter a linhagem de sangue divino; só um filho da Coya tinha direito à sucessão. Os descendentes de um Inca formavam um novo ayllu, clã familiar de sangue real, e os membros de um ayllu, e todos os indivíduos da nobreza, exclusivamente pertencentes a Cusco, furavam as orelhas, nas quais colocavam grandes e pesados anéis (pakoyoq em quéchua), sendo chamados pelos conquistadores espanhóis de orejones. Na época da conquista espanhola havia 11 ayllus reais no Cusco. Nessa época havia uns 500 descendentes do Inca Manco Capac (o primeiro) por linha masculina. Segundo os historiadores, no ano de 1603, havia 567. (*) 

(*) Bernabé Cobo, o.c., libro 12, cap. 26; Garcilaso, parte I, libro 5, cap. 2; Cieza de Léon, libro 2, cap. 65.

Os imperadores incas eram Intipchurin (Filhos do Sol). Considerava-se o Sol como Divino Pai da dinastia incaica.

O Império Inca teve dois momentos:

O império legendário

1. Manco Capac
2. Sinchi Roca
3. Lloque Yupanqui
4. Mayta Capac
5. Capac Yupanqui
6. Inca Roca
7. Yahuar Huacac
8. Wiracocha Inca

E o império histórico (expansão)

 9. Pachacútec
10.Túpac Inca
11. Huayna Cápac
12. Huáscar
13. Atahualpa (na verdade Atahualpa não pode ser considerado Inca, pois não era filho de sangue puro).

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(2) (Chuquillanto, Mama Huarcay, Mama Guarqui, Cori Illpay) - Chuqui é Aymara: significa "ouro" Cori é Quechua: significa o mesmo metal.

(3) chaquira
1.f. amer. Colar ou pulseira feita com miçangas, contas, conchas, etc., Utilizados como decoração.

(4) arreio
sm (de arrear) 1 Adorno, atavio, enfeite, ornamento.




Bibliografia

Fray Martín de Murúa, Historia General del Peru, Libro I.

Felipe Guaman Poma de Ayala, El Primer Nueva Corónica y Buen Gobierno. 


                                                         




2.23.2012

MANCO INCA - JOGO DE MORTE EM VILCABAMBA (IMPÉRIO INCA)

                                         (vista interior do Palácio de Sayre Topa)




"Este fim teve Manco Inga Yupanqui, filho de Huaina Capac, senhor universal deste reino,
 tendo, desde que deixou Cuzco, pelas humilhações e tirania de Hernando Pizarro e seus homens, passado inúmeros trabalhos e desventuras de um lado e de outro, seguido e perseguido pelos espanhóis, dos quais, vencido e vencendo, escapou milhões de vezes, tudo para preservar a sua liberdade, e o que, tantas vezes, o marquês Pizarro e seus irmãos, e outros capitães, não puderam fazer, com tantos soldados e índios amigos, acabou e concluiu Diego Mendez, mestiço a quem, e a seus comparsas, Manco Inga havia recolhido e protegido e feito o bem em sua casa, para que se veja até onde chega uma traição. "(Murúa)

Recorri a Frei Martin de Murúa para entrar em uma época da História em que grandes embates dilaceravam os Andes; um eterno pôr de sol vermelho-sangue a refletir na terra molhada de rasgos ensanguentados, como rastros.
Naquele momento, muitas lutas aconteciam como resultado da morte de Don Diego de Almagro. Determinados a vingar sua morte, o Capitão Joan de Herrada e outros amigos, conspiraram, na Ciudad de los Reyes (1), levando consigo o filho de Almagro, que tinha o mesmo nome do pai.

Conjuraram-se e foram para a casa onde vivia o Marquês Don Francisco Pizarro, matando-o e ao Capitão Francisco de Chaves, levando o corpo do Marquês e arrastando-o pela praça. Muitas pessoas juntaram-se a eles, naquele momento, todas aquelas que antes haviam seguido Don Diego de Almagro, tomando seu filho como líder. 
Quando Vaca de Castro chegou, enviado pelo Rei de Espanha, reuniu aos que eram leais ao serviço de seu rei, enfrentando Don Diego de Almagro, o moço, em Chupas, a duas léguas de Guamanga. Alí, então, lutaram e foi desbaratado Don Diego de Almagro, que  fugiu para Cuzco, onde foi preso, e teve a cabeça cortada por ordem de Vaca de Castro.

Da batalha de Chupas, quando foi desbaratado Don Diego de Almagro, o moço, fugiram Diego Mendez, o mestiço, Barba Briceño e Escalante e outros soldados, no total treze companheiros. Fugiram pelas montanhas até Vilcabamba, onde estava Manco Inca, que os recebeu muito bem. Disseram-lhe que  muitos espanhóis viriam servi-lo e que, com eles, tornaria a recuperar sua terra e venceria, arrancando os espanhóis que estavam nela. Disseram isso a Manco Inca, temendo que os mandasse matar e para lisonjeá-lo e obter sua gratidão. Quanto a Manco, ele lhes dispensou um ótimo tratamento em tudo, sem a intenção de prejudicá-los, o que os fez perder o medo.

"Passados alguns dias, Manco Ynga soube, através dos espiões que tinha, em Cuzco e em outros lugares, como um curaca chamado Sitiel, caçoando de Manco Ynga, na presença de muitos cristãos, disse a Caruarayco, chefe de Cotomarca: vamos prender Manco Ynga em Vilcabamba e Caruarayco será Ynga e Senhor, e todos nós o obedeceremos e Manco Ynga o servirá e conduzirá a tiana, que é o assento onde os chefes e principais se assentam. "(Murúa)

Ao saber disso, Manco sentiu-se muito magoado e imaginou como vingar-se daquela insolência que Sitiel fizera, tomando como grande afronta o atrevimento de seu súdito ao dizer tal coisa. Disse a Diego Mendez, e aos demais, que fossem prender àquelas pessoas e eles disseram que sim, oferecendo-se com grande disposição para fazê-lo. De acordo com Murúa, Manco Inca mudou de ideia porque pensou que eles estavam muito cansados ​​de tudo o que lhes acontecera e decidiu enviar seus próprios homens, os mais corajosos, todos os capitães que estavam com ele e todos os seus próprios capitães, ficando com, apenas, quinhentos para sua guarda pessoal. Ordenou-lhes que fossem com toda a pressa, agindo na surpresa, e tentassem trazer vivos Sitiel e Caruarayco. Desse modo, partiram os incas para cumprir sua ordem, prontamente.

"Ninguém há de negar quão feio e abominável vício seja o da ingratidão, porque fazer o bem a quem me fez mal é obra de cristão... "(Murúa)


Diego Mendez Barba e seus companheiros só  escaparam com vida porque foram acolhidos e amparados por Manco Inca que, em vez de tratá-los como inimigos, dos quais tantos prejuízos havia recebido, acolheu-os e deu a eles de comer e beber, e os manteve em sua companhia, fazendo-lhes todo o bem possível.

Manco Inca, após ter enviado seus capitães e sua gente, manteve os espanhóis junto de si. Com um excelente  tratamento e cortesia, em sua presença, mandava que se colocasse a mesa e lhes dessem de comer e beber, abundantemente, obsequiando-os, como se estivessem em casa.
"Já os espanhóis parece que estavam enfadados de tantos presentes e fartos de estarem ali, e quiseram voltar a Cuzco, aqui fora, e não sabiam como fazê-lo com segurança, para que a eles não prendesse Vaca de Castro, e combinaram, entre si, uma enorme traição. "(Murúa)

Conspiraram para matar Manco Inca e, matando-o, pudessem fugir incólumes,  pensando que, por aquele serviço tão notório, Vaca de Castro iria perdoá-los e fazer-lhes concessões porque, dessa forma, a terra seria pacificada. Diego Mendez decidiu matá-lo quando a  ocasião se apresentasse, antes que as pessoas que tinham ido prender Sitiel e Caruarayco voltassem, porque depois disso seria mais difícil, pois eram muitos os que estavam com Manco. Assim, buscaram a oportunidade para executar sua intenção infeliz.


A Murúa (2) a tarefa de dizer como tudo aconteceu... 

"Certo dia jogavam boliche (3) Manco Ynga y Diego Méndez e, no jogo, Diego Méndez ganhou certa prata de Manco Ynga, que logo foi paga e, tendo jogado por algum tempo, disse que não queria jogar mais, que estava cansado, e mandou que trouxessem um lanche, e quando o trouxeram, Manco Inga disse a Diego Méndez e aos outros: vamos comer, e eles responderam que sim, e se sentaram com muita alegria, e comeram o que haviam trazido, ali, com o Ynga, o qual andava receoso dos espanhóis, porque os via andar cautelosos e portar armas, secretamente. Assim, teve um mal pressentimento de que lhe quisessem fazer alguma traição, pois estava com pouca companhia e, quando acabaram de comer, disse-lhes que fossem repousar, que ele queria se divertir com seus índios um pouco, e eles lhe disseram que logo iriam, e começaram os espanhóis a zombar uns dos outros, com palavras, brincando, para fazer Manco Ynga rir, porque ele gostava quando eles se divertiam. Com isso, foram se entretendo, por algum tempo, até que Manco Ynga, tendo bebido, levantou-se para dar bebida a seu guarda, porque é uso entre eles fazer essa honra a quem gostam muito e deu-lhe de beber. Estando parado, pois tinha lhe dado um copo para que bebesse, voltou-se para tomar outro copo, que segurava uma índia sua, atrás dele, para que Manco Ynga bebesse. Nisso, Diego Méndez, que estava alerta para aproveitar o momento que se lhe oferecesse, como o viu virar as costas para eles, arremeteu-se contra ele com grande fúria e, com uma adaga, deu-lhe uma punhalada por trás, e Manco Ynga caiu no chão, e logo Diego Méndez deu-lhe outras duas, e os índios que ali estavam, todos desarmados, perturbados pelo inesperado, lançaram-se para ajudar Manco Ynga e defendê-lo, para que não o ferissem mais, e os outros espanhóis pegaram suas espadas e se lançaram, também, para livrar Diego Méndez e, apressadamente, correram aos seus alojamentos e selaram seus cavalos, e pegaram seus utensílios, que ali mantinham, carregando tudo o que possuíam, como a pressa o permitiu, tomando o caminho de Cuzco, sem parar em parte alguma, e toda aquela noite caminharam, sem dormir, e como era montanha, não acertaram bem o caminho e andaram desorientados de uma parte a outra, perdidos,  e assim se detiveram."

Em seguida, enviaram mensagem aos capitães e a gente de Manco Inca, que tinham ido prender Caruarayco e Sitiel, dizendo-lhes que Diego Méndez e os outros espanhóis haviam apunhalado o Inca, fugindo para Cuzco; que deixassem tudo e voltassem para capturar os espanhóis antes que escapassem. Os que foram dizer isso toparam com eles no caminho, que já vinham voltando, trazendo prisioneiros, Caruarayco e Sitiel. Os capitães e os outros, de cento em cento, os mais valentes e ligeiros se adiantaram, velozmente, e chegaram até onde estava Manco Inca, mortalmente ferido, que ainda não estava morto, e como viram, assim, a seu senhor, com desejo de vingá-lo, deram a volta por onde sabiam que os espanhóis haviam seguido, e no outro dia os alcançaram. Eles haviam entrado em um grande galpão que existia no caminho e estavam descansando, pensando que estavam seguros e a salvo.
Os espanhóis estavam abrigados, mantendo consigo seus cavalos, lá dentro, e os homens de Manco, por não querer atacá-los logo, para que, com o dia, não escapasse nenhum, esconderam-se no monte até que fosse noite fechada. Juntando bastante lenha foram até o galpão e o cercaram e puseram a lenha nas portas para que não pudessem sair e, com palha, atearam fogo. Os espanhóis se levantaram com o barulho e alguns quiseram sair, irrompendo em meio ao fogo, mas foram alvejados e, ali, com seus cavalos, foram queimados. 
Então, os homens de Manco voltaram para Vitcos. 

Murúa conta que, quando soube que todos os espanhóis já estavam mortos, o Inca ficou muito satisfeito, e disse-lhes para não chorar por ele, para que as pessoas da terra não se inquietassem e fizessem um levante, e nomeou por herdeiro a um filho seu, o mais velho, ainda que pequeno, chamado Sayre Topa. E que, enquanto não tivesse idade para reger, os governasse Ato Supa, um capitão "orejón" do Cuzco que estava alí e que era homem de valor, de muita prudência e ânimo para a guerra. Disse-lhes que o obedecessem e que não desamparassem Vilcabamba, porque aquela terra a havia encontrado e fundado com tanto trabalho e suor, que para conquistá-la tantos haviam morrido, defendendo-a com valor.
Assim morreu Manco Inca Yupanqui, filho de Huayna  Capac, e embalsamaram seu corpo segundo seu costume, sem chorar nem dar mostras de tristeza, pelo que ele havia mandado, levando-o a Vilcabamba.

Nas palavras de Titu Cusi Yupanqui, filho de Manco Inca, que também quase foi morto naquele fatídico dia  de traição e morte...

"Depois de haver deixado de fazer guerra, estando quieto com a miséria que acontecia em Viticos, chegaram a deixar entrar sete homens que se encontraram com Gonzalo Pizarro contra o serviço do Rei, e tratava-os muito bem, obsequiando-os muito, e por ganância dessa miséria que no presente eu tenho, se amotinaram e fizeram conspiração, e o mataram traiçoeiramente, e, em mim, deram-me um golpe de lança, e se eu não me deixasse cair alguns penhascos abaixo, também teriam me matado, e depois tivemos paz por alguns dias, onde os índios de Tambo, Amaybamba e Guarocondo levaram de Viticos muitos índios, e por causa disso nós guerreamos com eles." (carta-memoria del Inca Titu Cusi Yupanqui, in Matienzo)

No testemunho de Titu Cusi Yupanqui Inca, filho de Manco Inca, 8 de julho de 1567. (5)

"E disse que pelos maus tratos que fizeram os cristãos a seu pai na época que chegaram à cidade de Cuzco os primeiros conquistadores, como foi Juan Pizarro, que prendeu a seu pai -- que era, então, obedecido como senhor temporal em toda a terra -- sob o pretexto que ele queria rebelar-se com todos os índios do reino, e pediu-lhe por resgate uma cabana* cheia de ouro e prata, e, sendo mentira, para redimir a humilhação, deu-lhe muitas cargas de ouro e prata, e com isso redimiu a humilhação. E então veio Gonzalo Pizarro por corregedor e o levou para a prisão que ele queria rebelar-se de novo, e pediu-lhe outra cabana cheia de ouro e prata e colocou-lhe uma corrente em torno de seu pescoço, e assim o levava pela cidade de Cusco diante de seus súditos, mulheres e filhos, com muitos insultos, e não tendo    [Mango Inga] o que dar para resgatar a humilhação, Hernando Pizarro chegou à cidade de Cuzco como corregedor e ordenou a libertação de seu pai, e depois de soltá-lo pedia-lhe um monte de ouro e prata, dizendo que era por tê-lo solto; e não tendo com que voltar a subornar ao dito Hernando Pizarro e temendo que o mandasse de volta para a cadeia e o molestasse, mandou chamar a todos os capitães e chefes do reino e depois de ter falado com eles se levantou contra o serviço de Sua Majestade na fortaleza de Cuzco, e cada um dos chefes em suas terras. E assim eles mataram muitos cristãos. "(Titu Cusi Yupanqui) (6)

A narração de Titu Cusi Yupanqui sobre tudo o que aconteceu com seu pai, Manco Inca, e com ele mesmo, naqueles fatídicos dias, nos quais os espanhóis "comiam ouro", é a nota triste, perpetuada pelas flautas, que contam, com os sons das montanhas, a tragédia dos Incas - aqueles que, de tão esquecidos, começam a ser considerados uma lenda. As palavras de Tito nos aproximam da verdade e da realidade de tudo o que aconteceu, e isso dói como as punhaladas no corpo do Inca. Não bastava a destruição, era necessário que o Sol fosse extinto.


"E em Pucará, em um alcance que lhe deram, tomaram uma irmã e esposa de seu pai, chamada Coya * Cura Ocllo, a qual levaram a Tambo e alí atiraram nela. E por isso lutou com os espanhóis e matou muitos deles. Depois, retirou-se para a província de Vilcabamba onde, agora, tem o seu lugar principal assento o citado Inca  Titu Cusi Yupanqui. E que, depois, estando ali seu pai retirado, vieram seis espanhóis fugindo do Peru por terem se levantado com Don Diego de Almagro contra o serviço de Sua Majestade, e tendo lhes feito um tratamento muito bom, trataram de matá-lo traiçoeiramente, e assim deram-lhe dezoito golpes com espadas e facões e facas e tesouras; e ao citado Inca Titu Cusi Yupanqui, sendo um menino, lhe deram um golpe de lança nas costelas, e se não se deixasse cair por uns penhascos abaixo, também seria morto. Assim, morreu seu pai dos ferimentos que lhe deram, e os capitães mataram os espanhóis como dito anteriormente, e que por esses agravantes rebelou -se seu pai contra a obediência e domínio real de Sua Majestade. "(Titu Cusi Yupanqui)

"Na época em que os cristãos entraram nessa terra foi preso meu pai, Mango Inca, sob pretexto e acusação de que queria levantar-se com o reino, após a morte de Atagualipa (7), apenas a fim de que lhes desse uma cabana cheia de ouro e prata. Em prisão lhe fizeram um monte de maus tratos, tanto físicos como em forma de palavras, colocando uma coleira  em seu pescoço, como a um cão, carregando-lhe, de ferro, os pés, e trazendo-o pela coleira de lá para cá, entre seus súditos, interrogando-o a cada hora, mantendo-o na prisão mais de um mês, de onde, pelos maus tratos que, a ele, seus filhos e gente e mulheres, faziam, libertou-se da prisão e veio para Tambo, onde fez confederação com todos os chefes e principais de sua terra ". (8)


"...Foi preso meu pai Mango Inga...
 ... colocando-lhe uma coleira no pescoço, como um cão, e carregando-lhe, de ferro, os pés, e trazendo-o pela coleira, pará lá e pará cá, entre seus súditos... "

1) Lima. 
(2) Fernando Montesinos, em Anales del Peru, conta uma outra versão da historia... 

"... No ano de 1542 como da batalha de Chupas saíram fugindo oito pessoas, e entraram nos Andes. Um deles era Diego Méndez, irmão do Mestre de Campo Rodrigo  Orgófies. Estes estiveram em companhia do Inga Mango em seu retiro até este momento. Havia mandado que fizessem umas argolas para que jogassem e entretinham-se com isso e a ensinar o Inga como (fazer) correr um cavalo e disparar um arcabúz. Como souberam que Gonzalo Pigarro ia contra o Vice-Rei escreveram a Antonio de Toro que conseguisse dele o perdão para sair de lá, e que o ajudariam no que fosse preciso. Respondeu-lhes, a Diego Mendez e Gomez Pérez, que matassem o Inca, que não só os perdoaria, mas que devolveria a Diego Méndez o Repartimiento de Asángaro que tinha antes. Pedia isso o Antonio de Toro, porque nos Andes tinha uma fazenda de coca que lhe dava cada mita mil pesos, eram três mitas e valiam mais de dez mil pesos por ano, e com a inquietação de Mango estava tudo suspenso e não se fazia nada, e pareceu-lhe que com a morte do Inga tudo voltaria a ser (como antes). Discutem o caso os oito soldados; pareceu-lhes bem a promessa; leram a carta diante de uma negra de Diego Méndez; esta avisou a um "orejón" com quem tratava, este, ao Inca, por três vezes, e não lhe deu crédito parecendo-lhe que a ingratidão não havia de vencer ao bom respeito e fiel amizade. Os castelhanos, vendo que em tanto tempo não havia esperança de que o Inga se convertesse e que a oportunidade de sair daquela solidão era boa, determinaram-se a matar o Inga. Armaram um jogo de argolas (4) na época em que havia enviado sua gente a campear e só ficaram com ele duzentos índios flecheiros dos Andes. Simularam uma diferença de qual argola estava mais perto; o Inga, como fizera outras vezes, aproximou-se do jogo, abaixou-se para medir as argolas; ao baixar-se, puxaram as adagas dos borzeguíns (#) e deram ao gentil muitas punhaladas. Foram depressa até os cavalos do Inga para ir embora, e fugiriam, se um deles, chamado Barba, não tivesse ido até uns jarros de ouro que tinha uma índia amiga do Inga: esta gritou, vendo o trágico acontecimento; acudiram os índios Andes e flecharam e mataram aos oito soldados, tiraram-lhes as cabeças, colocaram-nas junto ao Inga que ainda não havia expirado; em em três dias que viveu, nomeou por seu herdeiro no Império ao filho que tivesse sua mulher e irmã Inio CoUo, e se fosse menina, nomeava como Inga a Saire Topa, seu filho. " (Framentó Instórico. Capitulo 141,) 

3) "Bolos" se refere a um jogo que consiste em derrubar, por parte de cada jogador, o maior número possível de "bolos" ou "pinos" lançando uma bola ou peça, geralmente de madeira. 

(4) herrón (herrones) - Antigo jogo que consistia em enfiar, em um prego fincado no solo, uns discos de ferro com um furo no centro.

(5) O Inca, Titu Cusi Yupanqui, filho de Manco Inca, assinou em 26 de agosto de 1566 a "capitulação de Acobamba" tratado de paz que estipulou a "vassalagem" de Titu Cusi e instalação de um corregedor em Vilcabamba: Diego Rodriguez de Figueroa. Para apreciar ante o Rei da Espanha os direitos de sucessão de Titu Cusi Yupanqui e seus descendentes, Diego Rodriguez procedeu, em 08 de julho de 1567, a recolher "informação" com os testemunhos do Inca e alguns de seus dignitários e pessoas próximas.
(6) (CAPA INGA TITO CUXI YUPANGUI DOC. 52) 

(7) Atahualpa


(9) (Carta-Memoria del Inca Titu Cusi Yupanqui al Lic. Matienzo, junio de 1565).



BIBLIOGRAFIA

1) Fray Martín de Murúa, Historia General del Peru.
2) Fernando Montesinos, Anales del Peru.
3) Juan de Matienzo, Gobierno del Peru.
4) Juegos infantiles tradicionales en el Perú. Emilia Romero. Folklore Americano, Lima; Perú.

Para os textos originais em espanhol leia aqui mesmo, no blog:  http://princesinhadisol.blogspot.com.br/2011/07/manco-inca-juego-de-muerte-en.html