2.13.2012

TAHUANTINSUYO - AS PERFEITAS ENGRENAGENS DO IMPÉRIO







Padre Blas Valera, em seus livros, fala das leis e direitos que havia no governo dos Incas - "tão político e tão digno de louvor."




A lei municipal tratava acerca das vantagens específicas que cada província ou cidade tinha, dentro de sua jurisdição, e a lei agrária tratava da divisão e medição das terras e de sua distribuição entre os moradores de cada aldeia. Esta lei era cumprida com a máxima diligência e honestidade - os medidores encarregavam-se de aferir as terras por partes, com as suas peças de cordas que eles chamavam Tupu (1), e as repartiam entre os moradores, designando, a cada um, a parte que lhe cabia.

O direito comum era o que determinava que as pessoas agissem em conjunto (exceto os idosos, crianças e doentes) para fazer coisas e trabalhar pelo país, tais como a construção de templos, as casas do Inca ou dos senhores, arar suas terras, construir pontes, estradas, etc. 

Havia também a lei de fraternidade, que ordenava a todos os habitantes de cada aldeia que ajudassem uns aos outros a arar, a semear e realizar as colheitas, construir suas casas e outras coisas desse tipo, sem qualquer remuneração.

A lei chamada Mitachanácuy, que é 'mudar-se', às vezes, por turnos ou famílias, na qual todo o trabalho e produção realizados em comum tivessem a mesma conta, medida e distribuição que havia nas terras, para que cada província, cada cidade, cada família, cada pessoa, trabalhasse apenas o que lhe cabia, e que aquele trabalho fosse alternando-se, para que pudessem descansar.

A lei sobre as despesas ordinárias, que proibia o luxo em roupas comuns, preciosidades, como ouro e prata e pedras preciosas. Esta lei eliminava completamente a superficialidade em banquetes e refeições, mandando que, duas ou três vezes por mês, os moradores de cada cidade fizessem juntos as refeições em frente aos seus líderes. Também que se exercitassem em jogos militares ou populares para que vivessem em paz e harmonia, e para que os pastores e outros trabalhadores agrícolas pudessem animar-se, divertindo-se.
  
A lei em favor dos que eram chamados pobres mandava que os cegos, mudos e coxos, aleijados, velhos, decrépitos, doentes incuráveis e outros que não podiam cultivar a terra, podendo gerar seu próprio sustento, fossem alimentados pelos depósitos públicos. Esses mesmos depósitos públicos deveriam prover aos hóspedes que ali chegassem, estrangeiros, peregrinos e viajantes, para os quais havia essas casas públicas, chamadas corpahuaci - hospedarias - onde recebiam tudo que fosse necessário. A mesma lei ordenava que duas ou três vezes por mês todos esses necessitados fossem chamados a participar das refeições e reuniões públicas, para que a alegria comum fizesse com que se sentissem melhor.
  
A lei doméstica continha duas coisas: em primeiro lugar, que ninguém estivesse ocioso, mesmo as crianças de cinco anos se ocupavam em coisas muito leves, de acordo com sua idade. Assim, os cegos, coxos e mudos, se não tivessem outras doenças, também trabalhavam em várias coisas; as outras pessoas, enquanto tivessem saúde, ocupavam-se cada um em seu ofício e benefício, e entre eles era uma questão de grande vergonha e desonra ser punido em público por ociosidade. A mesma lei determinava que as pessoas fizessem suas refeições com as portas abertas para que os ministros dos juízes pudessem entrar livremente para visitá-los. Alguns juízes eram encarregados de visitar os templos, lugares, edifícios públicos e casas particulares: chamavam-se  llactacamayu.
  
  
Estes llactacamayu, pessoalmente ou através de seus representantes, frequentemente visitavam as casas para ver o cuidado e a diligência que tanto os homens quanto as mulheres tinham para com suas casas, família, obediência, aplicação e ocupação das crianças. Diligentemente observavam os ornamentos, objetos de decoração, limpeza e cuidado, móveis, roupas, objetos de cozinha e tudo o que tivesse relação com a casa. Recompensados ​​com elogios públicos eram os que estavam em dia com suas obrigações (os que não estivessem eram punidos). 

Havia outras leis morais e ordenanças, respeitadas em comum e em particular, mas essas foram as principais. 
  
"A ordem e a maneira que os Incas tinham de conquistar as terras e a maneira que usavam para ensinar as pessoas a vida política e cívica, certamente não é para esquecer ou subestimar, porque desde os primeiros Reis, aos quais os sucessores imitaram,  fizeram guerra apenas movidos por alguma razão que lhes parecia suficiente, como a necessidade de submeter os bárbaros à vida humana e política, ou por lesões e dores que os povos vizinhos impunham aos seus súditos, e antes que fizessem a guerra, notificavam aos inimigos uma, duas ou três vezes. "(Garcilaso)
  
Depois de haver conquistado uma província, os Incas levavam o ídolo principal daquele lugar até Cuzco, como se fosse um refém, colocavam-no em um templo até que o senhor e seu povo se desiludissem de seus deuses vãos e adorassem o Sol. Nesse primeiro momento, não lançavam ao chão os deuses estrangeiros, não desonrando a província conquistada, para que os nativos não desdenhassem do desprezo de seus deuses, até que  os tivessem também conquistados na adoração do Sol. Faziam o mesmo com o líder local, que levavam a Cuzco e todos os seus filhos, presenteando-os, para que eles, frequentando a corte, aprendessem, não apenas as leis, costumes, a língua, mas também os ritos e cerimônias. Isso restituía ao líder sua antiga dignidade e senhorio. Então os súditos lhes serviam e obedeciam como a um senhor natural. Para que os soldados vencedores e vencidos se reconciliassem, tivessem perpétua paz e amizade, para que se perdesse e esquecesse qualquer raiva ou rancor que pudesse ter nascido durante a guerra, mandavam que entre eles fossem celebrados grandes banquetes, abundância de presentes, e que ali se encontrassem também os cegos, coxos e mudos e outros pobres deficientes, para que desfrutassem da liberalidade real. "Naqueles festas havia danças de donzelas, jogos e alegrias de jovens, exercícios militares de homens maduros. Além disso, lhes davam muitos presentes de ouro e prata e penas para adornar seus vestidos e enfeites nas principais festas. Faziam outras doações de roupas e jóias, que entre eles eram muito valorizadas. 
Com esses e outros dons, o Inca presenteava aos povos conquistados, de forma que, ainda que fossem bárbaros e brutos, concordavam em ser anexados com tal amor e trabalho, com tamanho vínculo, que nenhuma província nunca rebelou-se. Para que nunca houvesse razão de queixas, de modo que elas não causassem rebeliões, confirmava-se e promulgava-se as leis, foros e estatutos antigos, sem mudar nada, caso não fossem contrários às leis do Tahuantinsuyo. Se houvesse necessidade, mudavam os habitantes de uma província para outra - dando-lhes terras, casas, servos, gado, em abundância. Para o lugar deles, mandavam cidadãos de Cuzco ou de outras províncias fiéis para que, como soldados, ensinassem aos moradores as leis, ritos, cerimônias, e a língua oficial do reino. 
  
"... tiradas algumas coisas adequadas para a segurança do Império, todo o resto das leis e direitos dos súditos eram mantidos, sem tocar em nada. As propriedades e patrimônios, públicos e privados, mandavam os Incas que se mantivessem livres e inteiros, sem diminuição. Nunca permitiram que seus soldados roubassem ou saqueassem as províncias e reinos que haviam conquistado e rendido por armas e, aos rendidos, os nativos destas, em um curto espaço de tempo fornecíam-lhes governos de paz e encargos de guerra, como se fossem velhos soldados do Inca, de há muito tempo, e fossem servos muito fiéis."(Garcilaso)
  
Havendo conquistado uma nova província,  o Inca tentava compor e ordenar os assuntos da região, para o que mandava que fossem registrados em nós e contas (2), as pastagens, montanhas altas e baixas, terras agriculturáveis, propriedades, minas de ouro, prata e cobre, salinas e fontes, lagos e rios, algodoais, árvores frutífera e gado. Todas essas coisas e outras eram contadas, medidas e gravadas na memória. Primeiro as de toda a província, depois as de cada cidade e por último as de cada pessoa; o comprimento e a largura das terras agriculturáveis, dos campos eram medidas e claramente relacionadas, não para aplicar a si mesmo ou a seu tesouro qualquer das coisas que pediam notícia, mas para que, conhecida, perfeitamente, a fertilidade e abundância ou a esterilidade e a pobreza da região e de seus povos, fosse determinado o que os nativos iriam contribuir e no que iriam trabalhar. Também para que pudesse chegar a tempo o socorro de abastecimento, roupas, qualquer outra coisa que tivessem necessidade em tempos de fome ou de guerra. Mandava ser de conhecimento público e notório tudo o que fosse feito a serviço do Inca, tanto dos chefes quanto do país. Assim, nem os súditos poderiam diminuir nada do que tivessem obrigação de fazer, nem os chefes ou os seus representantes poderiam prejudicá-los. 




"O peso dos impostos que aqueles Reis impunham a seus súditos era tão leve que parece brincadeira o que adiante diremos, aos que lerem. No entanto, os Incas, não contentes ou satisfeitos com todas estas coisas, distribuíam com fartura as coisas necessárias para a alimentação e o vestir, sem outros muitos presentes, não apenas aos senhores e nobres mas também aos plebeus e aos pobres, de tal maneira que, com muita razão, poderiam chamar-se diligentes pais de família ou cuidadosos cuidadores, do que Reis,..." (Garcilaso)
  
De acordo com a conta e medida que se fizera da província conquistada, eram colocados seus pontos de referência e limites, para que fosse separada de seus vizinhos. E para que, no futuro, não houvesse confusão, colocavam nomes próprios e novos aos montes e colinas, campos, prados e fontes, e outros lugares, se antes eles tinham nomes, eles eram confirmados, acrescentando algo novo, que os distinguisse das outras regiões. Em seguida, repartiam as terras, a cada aldeia da província o que lhes pertencia, para que fosse território particular, proibindo que esses campos e lugares universais, identificados e medidos dentro dos limites de cada povo, de modo algum se confundissem. 
  
As minas de ouro e prata, antigas ou recém-descobertas, eles as davam aos governantes e seus familiares e os súditos poderiam pegar o que quisessem, não para tesouros, mas para adornar os vestidos e para os enfeites de suas principais festas e para alguns copos nos quais os curacas (chefes) bebessem. Parece que não faziam caso das minas, esqueciam-se delas e deixavam perder - havia pouquíssimos mineiros para extrair e derreter o metal, apesar de, em outros ofícios e artes, existirem inúmeros oficiais. Os mineiros, fundidores de metais e outras pessoas empregadas naquele trabalho não pagavam outro imposto que não fosse o devido ao seu trabalho e ocupação. 
  
Eles eram obrigados a trabalhar dois meses, com esses dois meses pagavam seu tributo - o tempo restante do ano, gastavam como quisessem. Apenas trabalhavam as pessoas da província que tinham isso por ofício particular e conheciam a arte, os chamados metaleiros. O cobre, chamado anta, usavam no lugar do ferro, do qual faziam as armas, facas e instrumentos de carpintaria, os grandes prendedores que as mulheres usavam em suas roupas, os espelhos, as enxadas com as quais capinavam e os martelos para os ourives, pelo que apreciavam muito esse metal, e porque para todos era mais aproveitado do que a prata ou o ouro, extraíam mais quantidade de cobre do que de outros metais. Pessoalmente, acho que isso era feito com a intenção de não banalizar o ouro e, sim, valorizá-lo. Afinal, acreditavam que o ouro era o suor dourado do Sol, portanto sagrado. 
  
"Daí também nasceu que os reis do Peru, por terem sido assim, fossem tão amados e queridos por seus súditos que os índios de hoje, sendo já cristãos, não podem esquecê-los, em seus trabalhos e necessidades, com lágrimas e gemidos, gritam em voz alta a chamá-los um a um pelos seus nomes, porque não se lê que qualquer um dos antigos reis da Ásia, África e Europa tenham sido para os seus súditos nativos tão cuidadosos, tão gentis, tão proveitosos, francos e liberais, como foram os Reis Incas para com os seus." (Garcilaso)
  
Os curacas eram como nobres, de acordo com Garcilaso, senhores de vassalos, como eram os duques, condes e marqueses de Espanha, e como senhores verdadeiros e naturais, presidiam na paz e na guerra aos seus: eles tinham poderes para fazer cumprir as leis particulares, para compartilhar impostos, para sustentar sua família e todos os seus súditos em tempo de necessidade, de acordo com as ordenanças e estatutos do Inca. 
Embora eles não tivessem autoridade para fazer as leis ou declarar direitos, também sucediam por herança nos negócios e na paz nunca pagavam tributo, e em suas necessidades eram providos desde os depósitos reais e não dos comuns. Os outros, inferiores aos capitães, tais como os cabos de esquadrão de dez e de cinquenta, não eram livres de impostos, porque não eram de "linhagem clara". 
Os generais e os mestres de campo poderiam escolher os cabos de esquadrão: uma vez eleito, não podiam tirar-lhes os cargos: eram perpétuos. (3) 


Eles pagavam tributo de acordo com seu ofício de decuriões e também tinham o cuidado de olhar e visitar os campos, propriedades, casas reais, vestuário e alimentação das pessoas comuns. 
  
Os outros governadores e ministros eram nomeados pelo Inca, de menor a maior subordinados a todas as coisas do governo e os impostos do Império. Havia pastores maiores e menores, aos quais entregavam todo o gado real e comum. Estes o guardavam com grande fidelidade, de modo que não faltava um só. Sua tarefa era a de afugentar as feras - não havia ladrões. 


Havia guardas, observadores maiores e menores de campos e fazendas. Havia responsáveis ​​e administradores, juízes e visitantes. O trabalho de todos eles era que não faltasse ao seu povo coisa alguma do necessário: havendo necessidade do que quer que fosse, imediatamente avisavam aos governadores e curacas e ao próprio Inca, para que provessem, o qual faziam maravilhosamente, especialmente o Inca, que nesta matéria de forma alguma queria que o povo o visse como Rei, mas como um pai de família e um tutor muito diligente. 
  
"Os juízes e visitadores tinham o cuidado e a diligência que todos os homens se ocupassem de seus ofícios e que, de forma alguma estivessem ociosos, que as mulheres tratassem de cuidar de suas casas, seus quartos, suas roupas e alimentos, de criar seus filhos, enfim, de fiar e tecer para sua casa; que as meninas obedecessem a suas mães, a suas amas, que sempre estivessem envolvidas em trabalhos domésticos e femininos, que os homens e mulheres idosos e portadores de necessidades especiais se ocupassem de algum trabalho útil para eles, até mesmo recolher galhos secos e palha, ou remover os piolhos, levando-os aos decuriões ou cabos de esquadras. O ofício  adequado dos cegos era o de limpar o algodão removendo os caroços e debulhar o milho." (Blas Valera)
  
Havia oficiais de vários trabalhos que reconheciam e mantinham seus professores, como ourives de ouro, prata, cobre e latão, carpinteiros, pedreiros, canteiros, lapidadores de pedras preciosas. 


Havia ministros oficiais lavradores para visitar os campos, caçadores de aves e pescadores, tanto de rios quanto do mar, tecelões, sapateiros, homens que cortavam madeira para as casas reais e edifícios públicos, ferreiros que fabricavam as ferramentas de cobre para as suas necessidades. Havia muitos outros oficiais mecânicos; embora numerosos, todos eles desempenhavam com muito cuidado e diligência suas funções e obras de suas mãos. 
"Os animais de carga para transportar suprimentos, para todas as partes, eram desse gado que os espanhóis chamam de carneiros (4), sendo mais semelhantes aos camelos (removido a corcunda) do que aos carneiros, e embora fosse costume, entre os índios, andar carregados, o Inca não permitia isso no seu serviço se não fosse necessário. Mandava que fossem poupados de todo o trabalho que pudessem ser poupados, porque dizia que os queria preservar para uso em outras obras, nas quais fossem imprescindíveis e melhor aproveitados, como em fortalezas e casas reais, na construção de pontes e estradas, passeios e valas e outras obras de benefício comum, nas quais os índios estavam sempre ocupados. "


Mandava o Inca que fosse comum a todos os nativos da província, o sal que se fabricava, tanto o das fontes de água salobra como o da água do mar, os peixes dos rios, córregos e lagos, o fruto das árvores nascidas no local, o algodão, o cânhamo, e enquanto comuns, que todos colhessem o que tivessem necessidade, e nada mais. Cada um, em suas terras, tinha permissão para plantar as árvores frutíferas que quisesse e poderia desfrutar disso à vontade.
As frutas e legumes plantados, o Inca repartia em três partes: a primeira para o Sol, seus templos, sacerdotes e ministros, a segunda para o patrimônio real (governadores e ministros reais, que estivessem fora de suas terras de origem) e para os depósitos comuns, a terceira parte para os nativos da província e os habitantes de cada aldeia. A cada um a sua parte, o suficiente para sustentar sua casa.


Esta divisão era feita pelo Inca em todas as províncias do Império, para que em tempo algum fosse pedido às pessoas tributo algum de seus bens e propriedades, nem eles fossem forçados a dá-los a ninguém, nem aos seus superiores, nem aos depósitos comuns de suas cidades ou aos governadores do Inca ou ao próprio Inca, nem aos templos ou aos sacerdotes, nem mesmo para os sacrifícios que faziam ao Sol. Os frutos que sobravam da parte que cabia ao Inca eram deixados nos depósitos comuns de cada cidade e os que sobravam das terras do Sol também eram destinados aos pobres (deficientes, coxos, aleijados, cegos, etc.). 
                                    
                                                            


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1) topo (topo ou tupu: a medida baseada no passo humano equivalente a aproximadamente 2700 m²; 0.27 Ha.; 0.67 acres). 

(2) quipo ou quipu - Cada um dos nós coloridos que constituíam o sistema de escritura e contabilidade dos Incas. Mais no pl:. os Quipus.

(3) Alguns eram de dez soldados e outros, cinqüenta.  Os capitães menores eram de cem soldados, outros, quinhentos, e outros, mil. Os mestres de campo eram de três, quatro e cinco mil guerreiros. Os generais eram de dez mil para cima: chamavam-se Hatun Apu, que significa grande capitão.

(4) llama, alpaca, vicuña.






BIBLIOGRAFIA
Garcilaso de la Vega, Comentarios Reales.
Padre Blas Valera, Las Costumbres Antiguas de Perú y La Historia de los Incas 
  
  





  
                                                               

2.12.2012

INTIP CHURIN - FILHOS DO SOL- O TRIGO E A PALHA





                                                                     Tupac Amaru I



"Orgulharem-se de ser filhos do Sol era o que mais os obrigava a serem bons, para destacarem-se dos outros, na bondade e no sangue, de modo que os índios acreditassem que um e outro lhes veio por herança. E assim acreditavam, e com tanta certeza, na opinião deles, que quando algum espanhol falava elogiando alguma coisa das que os Reis ou algum parente deles tivesse feito, respondiam os índios: "não te espantes, pois eram Incas." E, se, pelo contrário, desacreditavam de alguma coisa mal feita, diziam: "não acredites que Inca algum tenha feito isso, e, se fez, não era Inca, apenas algum bastardo espião." ... "(Garcilaso de la Vega) 
  
Ao estabelecer qualquer lei ou o sacrifício, tanto no sagrado quanto no profano de seu governo, atribuíam ao primeiro Inca Manco Capac, dizendo que ele tinha ordenado todas elas, algumas que havia deixado elaboradas e postas em uso e outras, delineadas, para que seus descendentes, por sua vez, as aperfeiçoassem. Porque ele era o Filho do Sol, vindo do céu para governar e dar leis a todos, leis para o benefício comum dos homens e, também, os sacrifícios que eles deveriam oferecer em seus templos.


  
"Entre eles, um com o outro, diziam que o Inca, não contente de tê-los retirado das feras e tê-los transformado em homens, nem satisfeito com os muitos benefícios que lhes havia feito, ensinando a eles as coisas necessárias para a vida humana, as leis naturais para a vida moral e o conhecimento de seu Deus, o Sol, o que seria suficiente para que fossem seus escravos perpétuos, se fizera homem para dar-lhes suas insígnias reais e, finalmente, ao invés de impor tributos (1) e impostos, lhes havia transmitido a majestade de seu nome, de tal forma que entre eles era tido por sagrado e divino, que ninguém ousava proferi-lo senão com a maior reverência, só para citar o Rei; e que, agora, para lhes dar mais importância, tornou-se tão comum que todos podem falar de boca cheia, feito filhos adotivos, contentando-se eles em ser meros vassalos do Filho do Sol "(Garcilaso)


Todas as vezes que o Inca (e seus descendentes) sentia-se morrer, dizia que voltaria "para o céu, para descansar com seu pai o Sol". Assim, Manco Capac, o primeiro Inca disse a todos os Incas de privilégio que, tendo que deixá-los, para ir descansar com seu pai, o Sol, queria dar-lhes o máximo de seus favores, o sobrenome de seu nome real, "para que eles e seus descendentes vivessem honrados e estimados por todo o mundo. Então, para que vissem o amor que tinha por eles, como filhos, mandou que eles e seus descendentes, para sempre, se chamassem Incas, sem qualquer distinção ou diferença de uns ou outros, como haviam sido os favores e outras concessões passadas, mas que plenamente, e de forma geral, desfrutassem todos da majestade desse nome. "(Garcilaso)


Esses primeiros vassalos que teve Manco Capac, ele os amava como filhos e deu-lhes suas insígnias e nome reais e os chamou de filhos, porque ele esperava deles e seus descendentes que, como tais filhos, servissem ao seu Inca atual e aos que o sucedessem nas conquistas de outros índios para aumentar seu império, e que deveriam guardar tudo no coração e na memória, como vassalos leais. Só não queria que suas esposas e filhas se chamassem Pallas, como as de sangue real, porque não sendo as mulheres capazes de servir na guerra, tão pouco o eram para o sobrenome e nome reais. Estes são os chamados Incas de privilégio.  


Como relata Garcilaso, a quase total extinção do Incas reais e desses de privilégio em sua época:



"Desses Incas, feitos por privilégio, são os que agora existem no Peru que são chamados Incas, e suas esposas são chamadas de Pallas e Coyas, por desfrutar da depreciação que a eles e às outras nações, nisso e em muitas outras coisas semelhantes, lhes fizeram os espanhóis. 


Que Incas de sangue real há poucos, e por sua pobreza e necessidade, desconhecidos, senão este ou aquele, porque a tirania e a crueldade de Atahualpa os destruiu. E os poucos que dela escaparam, ao menos os mais principais e notórios, acabaram em outras calamidades, como diremos em seus lugares. "(Garcilaso)




Das insígnias usadas pelos Incas na cabeça, o Inca Manco Capac reservou uma para ele próprio e os Incas (reis) seus descendentes: uma borla vermelha, como um 'rapacejo' (2), que se estendia pela frente de um lado a outro da face. A do príncipe herdeiro era amarela e menor do que a do pai. (3)


SEPARANDO A PALHA DO TRIGO... 




Considerando a grandeza das concessões e do amor com que o Inca as havia feito, os Incas de privilégio buscaram títulos que igualassem a altura da sua coragem e significassem, também, suas virtudes. Assim, entre outros títulos que inventaram, um foi Capac, que significa rico, não de bens materiais, que, como dizem, este Príncipe tinha riqueza de espírito, mansidão, misericórdia, generosidade, justiça, magnanimidade, desejo e obras para fazer o bem aos pobres. Assim, dignamente, o chamaram Capac - que também significa rico e poderoso em armas; o outro nome foi Huacchacúyac, amante e benfeitor dos pobres, para que significasse os benefícios que aos seus havia feito.
Desde então, o príncipe foi chamado Manco Capac, tendo sido chamado, até aquele momento, Manco Inca.


Como assegurou Garcilaso, Manco é nome próprio, mas "não sabemos o que isso significa na linguagem geral do Peru, ainda que na particular, que os incas tinham para conversar entre si (a qual, me escrevem do Peru, já se perdeu completamente) deve ter tido algum significado... "


O nome Inca, quando usado para o Príncipe, significa Senhor, Rei ou Imperador, para os demais significa senhor, e em todo o seu significado, significa homem de sangue real, porque os curacas (chefes), por maiores senhores que fossem, não eram chamados Incas.


Para distinguir o Rei dos demais Incas, o chamam  Zapa Inca, que significa Único Senhor. Também chamavam a este seu primeiro Rei e a seus descendentes Intip Churin, que significa Filho do Sol, mas este nome não lhe davam por imposição, mas porque acreditavam nisso.


O Inca Manco Capac morreu e deixou por príncipe herdeiro Sinchi Roca, seu filho primogênito e da Coya Mama Ocllo Huaco, sua esposa e irmã. Além do príncipe deixou outros filhos e filhas, que se casaram uns com os outros, para manter limpo o sangue que descendia do Sol, porque ele realmente deveria permanecer limpo, sem misturar-se com outro sangue, porque o tinham por divino e todos os outros por humano, embora de grandes senhores, de vassalos chamados curacas.
O Inca Sinchi Roca se casou com Mama Ocllo (ou Mama Cora) sua irmã mais velha, para imitar o exemplo do pai e dos avós Sol e Lua, porque acreditavam que a Lua era a irmã e esposa do Sol. Fizeram  este casamento para conservar limpo o sangue e para que ao filho e herdeiro lhe pertencesse o reino tanto por sua mãe como por seu pai. Os outros irmãos, legítimos e ilegítimos, também casaram-se uns com os outros, para preservar e aumentar a sucessão dos Incas. Mas o casamento destes irmãos, uns com os outros, que havia ordenado o Sol e que o Inca Manco Capac havia mandado, foi porque não tinham filhos com quem se casassem, de modo que o sangue fosse mantido limpo. A partir de um certo momento, não podiam mais casarem-se com a irmã, apenas o Inca herdeiro, o que conservaram eles no processo da história.



O Inca Manco Capac foi pranteado por seus súditos com grande sentimento e choro e o funeral durou muitos meses; embalsamaram seu corpo para tê-lo consigo e mantê-lo à vista; adorando-o como Deus, Filho do Sol; oferecendo-lhe muitos sacrifícios.
  
É verdade que os Incas fizeram as leis e ordenanças, recuperando algumas, novamente, e reformando outras, segundo eram solicitadas pelo tempo e as necessidades. O importante a definir é, ainda que um ou outro Inca tenha se destacado como grande legislador, dando muitas leis novas, emendando e ampliando todas as que encontrou prontas, e que tenha ordenado muitos ritos e cerimônias em seus sacrifícios, transformando muitos templos com grandes riquezas, e que tenha ganho muitos reinos e províncias, isso tudo era atribuído ao primeiro Inca, como no início de seu império. 


Pedro de Cieza de León, na primeira parte da 'Crónica del Peru', escreveu em cada província a relação que davam dos costumes de cada uma delas, bárbaras ou políticas, dizendo o que cada nação tinha antes que os Incas as tivessem conquistado e o que tiveram depois  de terem prevalecido. Demorou nove anos para recolher e escrever as relações que lhes foram dadas (1541-1550):


"Por que nesta primeira parte tenho muitas vezes que tratar dos incas e dar notícia de muitos edifícios e outras coisas memoráveis, pareceu-me justo dizer algo sobre eles neste lugar, para que os leitores saibam o que estes senhores foram e não ignorem o seu valor....


...havia antigamente grande desordem em todas as províncias deste reino que chamamos de Peru, e que os nativos eram tão irracionais e ignorantes, que é inacreditável, porque dizem que eram muito brutais e que muitos comiam carne humana...
...saíam a guerrear entre si e se matavam e aprisionavam a todos os que pudessem...


Estando dessa forma todas as províncias do Peru, surgiram dois irmãos, um deles tinha por nome Manco Capac,... Esse Manco Capac fundou a cidade de Cozco e estabeleceu leis a seu modo, e ele e seus descendentes foram chamados de Incas, cujo nome que dizer ou significar Reis ou Senhores. Eles tinham tanto poder que conquistaram e imperaram desde Pasto até o Chile. E suas bandeiras estavam, ao sul até o rio Maule e ao norte até o rio Angasmayo, e esses rios eram os termos de seu império, tão grande que, de uma parte a outra tem mais de de mil e trezentas léguas. 

Eles construíram grandes fortalezas e fortes edifícios, e em todas as províncias colocaram capitães e governadores. Eles fizeram coisas tão grandes, e tiveram tão bom governo, que poucos no mundo os superaram. Eles eram muito brilhantes e tinham relevo mesmo sem as Letras, porque estas não foram encontradas nestas partes das Índias.


Eles ensinaram bons costumes a todos os seus súditos e lhes ordenaram para que calçassem sandálias em vez de sapatos, que são como 'albarcas'. Eles se preocupavam muito com a imortalidade da alma e outros segredos da natureza. Eles acreditavam que havia um Criador de todas as coisas, e ao Sol tinham por Deus Soberano, para o qual construíram grandes templos. "(Cieza de León)


FALAREMOS DAS LEIS EM OUTRO CAPÍTULO DESSA HISTÓRIA...

Os sacerdotes da casa do Sol, em Cuzco, eram todos Incas de sangue real, mas para os outros serviços do templo eram Incas de privilégio. 
O Sumo Sacerdote, ou Sacerdote Principal, deveria ser um tio ou irmão do Inca ou, pelo menos, de sangue legítimo, de modo que os sacrifícios e cerimônias estivessem em conformidade com o templo metropolitano - em todos os negócios proeminentes, de paz ou de guerra, colocavam Incas por superiores.

Deixo a Cieza de León as últimas palavras, vindas do passado, tentando fazer do futuro uma esperança...

"... Ganharam tanto a graça de todos, que foram por eles amados em grau extremo, como me lembro de ter visto através dos meus olhos a velhos índios, diante de Cuzco, olhar para a cidade e fazer grande alarido, o que se transformava em lágrimas de tristeza, contemplando o tempo presente e se recordando do passado, onde, naquela cidade, por tantos anos tiveram por senhores gente sua, que haviam sido capazes de atraí-los para o seu serviço e amizade de uma forma diferente da maneira dos espanhóis. " (Cieza de León)

"Mas deixemos o que foi feito para Deus, que Ele sabe porquê e, no que de aqui por diante for feito, supliquemos que nos dê Sua graça para que paguemos alguma coisa a pessoas que tanto devemos e que tão pouco nos ofenderam para terem sido tão molestadas por nós, estando o Perú e as outras Índias tantas léguas de Espanha e tantos mares no meio. (Cieza de León)


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(1) Pechos são aqueles pagos ou contribuições que davam ao Rei os homens bons chamados, comumente, plebeus (pecheros), ou do estado geral em razão de sua vassalagem, defesa na guerra e conservação na paz.
(2) rapacejo - Fio coberto ou 'fio de alma', de cânhamo ou o algodão, sobre a qual se torce estame, de seda ou de metal para formar franjas. Fio de alma, é o fio que forma o núcleo da resultante. 

(3) Esta borla vermelha, que era a insígnia da dignidade real, chamava-se Mascapaicha (e não Mascaipacha, como é, muitas vezes, erroneamente, escrita e, apesar da vermelha ser usada, apenas, pelo Soberano, franjas semelhantes eram utilizadas pelos nobres e parentes.

(4) albarca - Rústicos sapatos de couro, ou de borracha que cobre a planta dos pés e os dedos, com uma borda em torno dela, e amarrados com cordas ou correias para o peito do pé ou tornozelo.
 



BIBLIOGRAFIA


Garcilaso de la Vega, Comentarios Reales.
Pedro de Cieza de Léon, La crónica del Peru.


Os textos originais em espanhol podem ser lidos aqui mesmo, no blog, na seguinte postagem:



https://princesinhadisol.blogspot.com/2011/06/intip-churin-hijos-del-sol-el-trigo-y.html

https://princesinhadisol.blogspot.com/2011/07/de-los-tributos-del-tahuantinsuyo.html

https://princesinhadisol.blogspot.com/2011/07/hablando-de-las-leyes-en-el.html



6.13.2011

URBANISMO NO TAHUANTINSUYO - CONSTRUINDO UMA IDEIA

                         
                                                           (Machu Picchu)

Ao falarmos do Urbanismo, noTahuantinsuyo (Império Inca), notamos que o elemento básico é a pedra, pelo menos nas regiões mais altas; no litoral se utilizava uma espécie de tijolo de terra. Há uma diferença importante que faz com que o estilo "cusquenho" prevaleça no centro e no norte da Cordilheira, enquanto no litoral e em outras áreas, como na Bolívia atual, por exemplo, se torne mais raro. No entanto, não creio que isso possa ser considerado, como observou o antropólogo francês Henri Favre, que "a atuação política no território do Estado Chimu e das grandes chefias aymaras fosse mais fraca" porque, simplesmente, não creio que possamos misturar as coisas. Como bem sabemos, a Cultura Inca, incluindo nela o urbanismo, desenvolveu-se sobre todas as culturas anteriores que habitaram a Cordilheira dos Andes, como a Chavín e a Tiahuanaco, por exemplo, aproveitando-se do que já havia, porém, com personalidade própria ao desenvolver suas construções.
A aparência gigantesca de suas edificações, as aberturas em forma trapezoidal, serviram para deixar sua marca e apontar as diferenças que os tornam únicos entre todas as Culturas que os precederam. 
Um exemplo disso são as construções militares, destacando-se as fortalezas de Sacsayhuaman, em Cuzco e do Vale do Urubamba. Essas admiráveis edificações foram projetadas e criadas com ajustes perfeitos de grandes blocos de pedra, sem a ajuda da roda, por exemplo. Essas construções foram feitas para resistir aos grandes terremotos.
Quanto às casas, quase todas eram retangulares, muitas delas circulares, com uma abóbada de pedra por telhado ou, simplesmente, palha; essas casas não possuíam janela e nem chaminé (a fumaça escaparia pela palha do telhado). Com uma porta, única, coberta por uma esteira ou cortina de couro, ou palha, as pedras eram ligadas com lama e as paredes externas cobertas com estuque de lama fina.
Mas, infelizmente, só podemos tirar conclusões a partir do que nos restou para observar porque, se os terremotos não puderam destruir suas construções, o mesmo não se pode dizer da ocupação espanhola, definitiva no aspecto da transformação desse urbanismo original que foi perdido ao longo dos últimos quinhentos anos. Basta uma olhada no livro Comentarios Reales, do cronista Garcilaso de la Vega (1), para perceber o quanto de tudo isso se perdeu para servir de material para as construções coloniais espanholas.


Nossa melhor fonte de conhecimento nesse sentido é a cidadela de Machu Picchu, descoberta em 1911, pelo professor Hiram Bingham. Oculta, por todos esses séculos de ocupação espanhola, preservou-se, completamente, mantendo sua integridade original, porém, Machu Picchu não pode ser tomada como padrão para a análise e estudo da Arquitetura e Urbanismo Inca. Podemos fazer análises, tirar conclusões que jamais poderão ser comprovadas pois, Machu Picchu é uma cidadela construída para algum fim específico que jamais poderá ser determinado com certeza. Cidade religiosa? Fortaleza militar? Qualquer conclusão seria tese e não passaria disso. Não se pode analisar todo o Urbanismo do Império Inca a partir de uma "simples" cidadela. Praças, fontes, aquedutos, escadarias, terraços sem fim para agricultura, muros de contenção e paredões à beira das encostas para proteger a cidadela.

Só o que podemos é construir novas ideias sobre o que, realmente, existiu e não nos foi legado.

Então...



AS LLACTAS E A CONSTRUÇÃO DO TAHUANTINSUYO

A idéia que nos ficou foi que, em todo oTahuantinsuyo, havia o predomínio da aldeia como forma básica de moradia e urbanismo: ayllus com casas dispostas, irregularmente, distantes umas das outras, dependendo das inclinações naturais do terreno ou dos rios e riachos que cortassem a região. Quase toda a população vivia nos ayllus, apenas uma elite residia nas cidades, chamadas llactas.
As llactas eram cidades planejadas e construídas pelo Estado Imperial Inca para atuar como centros administrativos, e de poder, no controle do território e da população. Nesse sentido, registra-se um maior número de llactas no norte e no nordeste do Império, já que seria necessário um maior controle daquelas regiões.

                                               
                                                        (Machu Picchu)


Segundo Juan de Betanzos, no capítulo XVI de sua Crônica, as construções das llactas necessitavam de muita mão-de-obra e de um planejamento preciso. Funcionários do Estado Inca, os orejones (2), saíam em busca de muitas pessoas retiradas de suas províncias e ayllus, para realizarem o serviço. Esse processo era chamado de mitmas ou mitmaq, e se refere ao translado de famílias ou populações inteiras, sob organização e a serviço do Estado. 

Por ocasião da reconstrução de Cuzco, o Inca Pachacutec Yupanqui planejou a cidade e fez maquetes com figuras de barro definindo como os trabalhadores iriam desempenhar seu projeto. Como não havia papel para os projetos arquitetônicos, criavam maquetes de barro, ou pedra, para servir de modelo de construção, como apontam os cronistas.

O fio de prumo era conhecido, assim como outras ferramentas para obter ângulos, medidas e níveis. Os martelos e machados geralmente eram de pedra e o trabalho era físico, de braço a braço, com a preocupação de se cuidar dos mínimos detalhes. Alavancas de madeira e de bronze também eram utilizadas para mover e colocar pedras.
Jamais chegou-se a uma conclusão de como eram realizados, tanto o transporte quanto a colocação das pedras, devido ao tamanho e a distância, bem como a alturas e as circunstâncias geográficas locais. Várias teorias buscam compreender sem, no entanto, jamais explicar de modo convincente, como esse Império pode ser construído com elementos tão "impossíveis".

Os incas não utilizavam nenhuma liga para fixar os blocos de pedra.

                                          
                                                 (alvenaria ciclópica poligonal)


No Império Inca, a riqueza estava mais na quantidade (e na qualidade) das pessoas, em suas habilidades, no esplendor tecnológico que podemos observar em suas edificações, na metalurgia, na construção de estradas, aquedutos, no sistema de irrigação e contenção de encostas, nos produtos têxteis, etc, do que na quantidade de ouro que despertou a cobiça dos espanhóis, tornando-os irracionais. 
A partir de Cuzco, as demais llactas edificadas pelo Estado foram divididas em setores religiosos, administrativos e agrícolas. Primordialmente, as construções eram projetadas em um estilo rústico com pirca e adobe, erguidos com pedras amontoadas sem muito cuidado e mescladas com uma liga de barro. Isso para casas comuns, andenes (terraços de agricultura) e depósitos.


                                        
                                                           (fontes de Tipon)

Um trabalho mais encaixado, feito com base de pedras ígneas de tamanho regular com formas geométricas poligonais foi desenvolvido até que, no auge do Tahuantinsuyo (Império Inca), o tipo sedimentário ou inca imperial, constituído por pedras de tamanho médio de altura regular, encaixadas sem nenhum espaço, bem talhadas e polidas era o mais comumente utilizado. Na construção das fortalezas, no entanto, praticava-se o estilo monumental, no qual grandes blocos, pesando toneladas, foram usados. 
Interessante notar que, principalmente em Cuzco, o sistema de esgoto e o abastecimento de água estavam organizados, de tal maneira que, os cursos de água que atravessavam a cidade estavam confinados entre muros, e os leitos das correntes menores, eram pavimentados com pedras, garantindo a qualidade da água. A água era levada para alguns edifícios por condutos forrados e cobertos de pedras.
Podemos constatar todo esse desenvolvimento, técnicas de engenharia avançada, grandes construções arquitetônicas mas, não podemos atinar com os métodos que utilizavam para fazer isso. E nos sentimos grandes ignorantes diante de nossa própria incapacidade de tirar conclusões.

                               
                                                  (fortaleza de sacsayhuaman)

(1) Nas palavras de Garcilaso, em Comentarios Reales: “Os espanhóis, como invejosos de suas admiráveis ​​vitórias, tendo que sustentar aquela fortaleza, mesmo que consertando-a às suas custas, para que por eles vissem nos próximos séculos quão grandes foram as forças e o espírito daqueles que a conquistaram, e seria eterna a memória de suas façanhas, não só não a sustentaram, mas eles próprios a demoliram para construir as casas particulares que hoje possuem na cidade de Cuzco, que para salvar o custo e a demora e dor com que os índios * trabalhavam as pedras para os edifícios, demoliram tudo o que foi construído em cantaria polida dentro das cercas, que não há nenhuma casa na cidade que não tenha sido entalhada com aquela pedra, pelo menos as que os espanhóis entalharam.

As pedras maiores, que serviam de vigas no subsolo, foram removidas para soleiras e pórticos, e as pedras menores, para as fundações e paredes; e para os degraus das escadas eles procuraram os blocos de pedra da altura que lhes convinha; e quando os encontravam, retiraram todos os blocos que estavam acima do que necessitavam, mesmo que houvesse dez ou doze blocos, ou muitos mais. Desse modo, eles derrubaram aquela grande majestade, indigna de tal destruição, que fará pena eternamente àqueles que a olharem  com atenção pelo que ela era. Demoliram-na com tanta pressa, que nem mesmo eu a alcancei, senão as poucas relíquias que mencionei. As três muralhas de rocha deixadas de pé, porque não as puderam demolir por causa da sua grandeza; E mesmo com tudo isso, segundo me contaram, derrubaram parte delas, procurando a corrente ou corda de ouro que Huayna Capac fez, porque havia conjecturas ou vestígios de que ali a enterraram.

Deu início à construção daquela não tão cara e mal desenhada fortaleza,  o bom rei Inca Yupanqui, décimo dos Incas, embora outros digam que foi seu pai Pachacútec Inca; dizendo que deixou a marca e a maquete feita, e recolheu uma grande quantidade de pedras e penhas, que não havia outro material naquela obra. Demorou mais de cinquenta anos para terminar, até a época de Huayna Cápac, e os índios ainda dizem * que não estava terminada, pois a pedra cansada havia sido levada para outra grande construção que planejavam fazer, a qual com tantas outras que por todo aquele império se fazia, pararam as guerras civis, que logo depois surgiram entre os dois irmãos Huáscar Inca e Atahualpa, no  momento em que entraram os espanhóis que as pararam e demoliram tudo como estão hoje. ”





* Quando ele usa a palavra índios, está referindo-se aos povos que faziam parte do Império Inca, mesmo não sendo incas. Os Incas eram brancos.

(2) orejones (orelhões) eram os funcionários representantes do Inca que executavam diversas funções administrativas; eram assim chamados por usarem uma espécie de argola no lóbulo das orelhas, deixando-as compridas.




BIBLIOGRAFIA
- Garcilaso de La Vega, Comentarios Reales, Editorial Mercurio S/A., Lima, Peru, 1970
- Juan de Betanzos. Suma y Narracion de los Incas. — Madrid, Ediciones Polifemo, 2004. Edicion, introduccion y notas: Maria del Carmen Martin Rubio.






                                                           

6.09.2011

O CARÁTER ÉPICO DA VITÓRIA INCA SOBRE OS CHANCAS


                                                                         Pachacútec



“De modo que o campo ficou pelo Inga; todos os índios dizem até hoje, quando falam daquela valorosa batalha, que todas as pedras que havia naquele campo tornaram-se homens, para lutar por eles, e que tudo aquilo fez o Sol para cumprir a palavra dada pelo bravo Pachacuti Inga Yupangui, que assim chamava-se também este bravo jovem. ”(Padre Frei Jerónimo Román, no Libro Segundo de la República de las Índias Ocidentales, capítulo onze, falando desta batalha , que é o que se segue, literalmente :) (em: Garcillaso de la Vega, Comentários reais)



Houve um momento na história inca que foi decisivo, não só para a continuidade de sua existência, mas também para seu fantástico e rápido crescimento, que lhes permitiu assumir um papel adulto em relação à História e que transformou os Andes para sempre.
Quando os Hanan Chancas se aproximaram de Cuzco naquele momento, uma mistura de medo e ansiedade atravessou como um vento gelado que fez oscilar desde o líder dos Incas, ao menor de todos os seus súditos.


Era o ano de 1438 (1) ... Os Hanan Chancas eram muito sanguinários na hora da luta e quando capturavam seus inimigos, eles, como prisioneiros de guerra, eram submetidos a torturas cruéis: escalpelados ainda com vida, tinham a pele arrancada, pendurados de cabeça para baixo para que o sangue se concentrasse na parte superior do corpo e faziam pequenos cortes na frente dos dedos dos pés, para poderem arrancar a pele aos poucos.
Outra forma de intimidação era fazer taças com os crânios dos prisioneiros, onde bebiam o sangue do inimigo.

Os Chancas se  estabeleceram na região de Ayacucho: Paucaray (hoje um distrito da província de Sucre, departamento de Ayacucho). (2) Eles estavam divididos nas duas metades de Hanan (acima) e Húrin (abaixo) e alegavam ter sua origem, ou pacarina, nas duas lagoas de Choclococha e Urcococha. Eles eram um povo rude e conquistaram Andahuaylillas. Seu novo objetivo era Cusco ...

Os Chancas deixaram Paucaray - três léguas de Parcos - e, segundo o costume andino, dividiram-se em três exércitos. Tão certos estavam da fácil conquista de Cuzco que dois de seus exércitos foram para Conttisuyo e o terceiro seguiu para a capital inca.

Ao chegar a Vilcacunga, enviaram seus emissários a Cuzco anunciando sua intenção de subjugar os Incas, então Wiracocha Inca deixou a cidade à própria sorte e se refugiou com seus filhos Urco e Socso na fortaleza de Caquia Xaquixahuana (Chita). A luta entre Incas e Chancas adquiriu um caráter épico na presença das tropas inimigas; nessas circunstâncias surgiu a figura do jovem príncipe Cusi Yupanqui, que decidiu defender Cusco. Ele organizou a defesa junto com outros sete chefes - para adicionar oito ou um duplo quatro, figuras perfeitas no sistema inca.
O líder Hanan Chanka "Anccu Hualloc" (também chamado de Anco Huayllu, Ancohuallu, Hancoallo ou Anquayllu) reuniu 40.000 soldados e partiu para a conquista de Cusco. Ele avançou com decisão até cercar a cidade. O Inca Wiracocha e muitas figuras da nobreza retiraram-se em direção a Collasuyo e houve um momento de desespero até que o Príncipe Cusi Yupanqui (mais tarde autoproclamado Pachacutec) tivesse liderado, corajosamente, a resistência. Ao conseguir reunir aliados, ele ofereceu paz aos sitiadores, mas eles rejeitaram a oferta.
Uma batalha sangrenta foi travada em Yawarpampa ("campo de sangue"), providencialmente vencida pelos Cusqueños com a chegada oportuna de forças amigas. Esta difícil vitória tornou-se uma lenda ...

No relato do cronista Joan de Santa Cruz Pachacuti Yampo Salcamaygua (1613) ele afirma que a batalha teria sido perdida se os  soldados de pedra "pururaucas" não tivessem milagrosamente ganhado vida, pedras disfarçadas de soldados para enganar os Chankas (leia a lenda dos soldados Pururaucas).
 morreram em Yawarpampa 22.000 Chankas e 8.000 Cusquenhos
. Anccu Hualloc foi ferido e feito prisioneiro. Os Hanan Chankas foram perseguidos até Andahuaylillas (Apurímac).

É assim que Garcilaso de la Vega descreve em seus Commentários Reales ...

“Outro dia, bem de manhã, saíram de Sacsahuana e caminharam em direção a Cusco, e, devido à pressa, tendo que andar em um esquadrão formado, conforme a ordem de guerra, não puderam chegar antes da noite até onde o príncipe estava; eles pararam um quarto de légua no meio.
(O Inca ...) ... mandou novos mensageiros, e na estrada os mandara muitas vezes com a mesma oferta de amizade e perdão da rebelião. Os Chancas não quiseram ouvi-los; só os últimos ouviram, que foi quando já estavam alojados, a quem, por meio de desprezo, disseram: "Amanhã se verá quem merece ser rei e quem pode perdoar." Com esta má resposta, um e o outro estavam bem guardados a noite toda, com suas sentinelas a postos, e então, durante o dia, armaram seus esquadrões, e com um grande grito e gritaria e o som de trombetas e tambores e caracóis, caminharam uns contra os outros.
O Inca ...) ... quis ir à frente de todo os seus  e foi o primeiro a lançar a arma que carregava contra os inimigos; então uma corajosa luta estourou. Os Chancas, para sair com a vitória que haviam prometido a si mesmos, lutaram obstinadamente. Os incas fizeram o mesmo, para livrar seu príncipe da morte ou da afronta. Nessa luta andaram todos com muita coragem até o meio-dia, matando-se cruelmente, sem nenhuma das partes levar vantagem. A essa hora, os cinco mil homens que estavam em emboscada apareceram e, com grande ousadia e um grande alarido, atacaram os inimigos do lado direito de seu esquadrão. E como tivessem chegado de surpresa, atacando com grande ímpeto, causaram muitos danos aos Chancas, fazendo com que recuassem. Mas eles, esforçando-se uns pelos outros, recuperaram o que haviam perdido e lutaram com muita raiva que tinham de si mesmos, ao ver que estavam há tanto tempo sem obter a vitória, que haviam prometido a si mesmos. Depois desse segundo ataque, eles lutaram por mais de duas longas horas, sem que nenhuma vantagem fosse reconhecida; Mas a partir daí, os Chancas começaram a se soltar, porque a todo momento sentiam gente nova entrando na batalha. "

Garcilaso de la Vega, então, discorda dos demais cronistas, que concordam unanimemente que foi Pachacútec, filho do inca Wiracocha, quem teve a visão do deus Wiracocha e liderou a luta contra os Chancas, mais tarde suplantando seu pai no trono. Enquanto Garcilaso atribui essa visão ao príncipe Wiracocha, que suplanta seu pai, o inca Yahuar Huacac. A tradição da invasão dos Chancas e da sua derrota é muito semelhante na história à de todos os cronistas, principalmente a de Betanzos, a de Cieza de León e a de Cabello de Balboa. Foi apresentada a teoria, amaldiçoada (ou não), de que Garcilaso teria ¨recriado¨ a história para enobrecer ainda mais a figura do inca Wiracocha, de cuja panaca ele descendia. O cronista mestiço era descendente por sua mãe da panaca Cápac Ayllu, que na guerra civil anterior à chegada dos espanhóis era a de Huáscar e se opunha à panaca Hatun Ayllu, favorável a Atahualpa e que descendia da linhagem de Pachacútec. Portanto, é geralmente aceito que o último foi o carrasco dos Chancas. (?????)

Para resolver a contradição que existe há historiadores que recorrem aos meios de atribuir a
Wiracocha uma derrota para os Chancas e Pachacutec uma nova guerra contra eles, incorrendo assim em uma duplicação de eventos. O padre Cobo parece ter sido o primeiro a fazê-lo.

* Após a vitória de Yawarpampa, ele teria aparecido perante seu pai para exigir que ele pisoteasse os restos mortais dos chefes dos Chancas mortos em combate, conforme ditava a tradição. Segundo a crônica de Juan de Betanzos, Wiracocha recusou e quis que Urco o fizesse, o que irritou Cusi Yupanqui e desencadeou uma guerra civil entre os dois, vencida por este. Com a morte de Urco, Cusi Yupanqui foi capaz de assumir como soberano e adotou o nome de Pachacútec Inca Yupanqui.

Embora não possa dizer - afinal, quem sou eu, não sou especialista no assunto. Embora eu tenha lido comentários de alguns especialistas que pensam assim, mas não ousam dizê-lo com firmeza ... É a dúvida que orienta a investigação e que dá vida à Ciência: à luz do raciocínio dos fatos apresentados pela história...

Para mim, está claro que sem o triunfo sobre os Chancas não teria existido Império Inca.
  
                                               
                                                         guerreiro chanca



A incorporação da tecnologia militar de Chanca ao exército inca foi fundamental para as expedições que expandiram o Império, como a realizada ao norte por Túpac Inca Yupanqui, filho e sucessor de Pachacútec.



                                                              


                                                                ***********





* Em quíchua, segundo ou Vocabulário da Língua Geral de todo o Peru por fray Diego González Holguín. "Chanca" significa "perna".

(1) Os cruzamentos entre a maioria das Crônicas nos permitiriam colocar 1438 como o ano em que as escaramuças entre os dois povos.
(2) Em Andahuaylas, muitos eventos decisivos na história dos Incas, como o combate decisivo entre Huáscar e Atahualpa, ou a concentração anterior à Batalha de Ayacucho.

Pode ser lido aqui no Blog:




A LENDA DOS SOLDADOS PURURAUCAS (YAWARPAMPA). 





Leia também:

Betanzos, Juan de. Suma y narración de los Incas. Biblioteca de Autores Españoles, Ediciones Atlas, Madrid, 1968 (1551).